O SOM DO VERBO I – 28 OUT 22
(Christopher Melloni & Mariska Hargitay)
Palavras soltas numa folha de papel
não constituem, por si mesmas, um poema,
nem de agremiação política o seu lema,
nem muito menos estatutos de um cartel,
não são breviário de um monge de burel,
nem partitura para qualquer teatral cena,
nem uma bula para impedir que gema
qualquer ferido em hospital ou num quartel.
Palavras soltas de muito pouco servem,
sentido assumem tão só no encadeamento,
que a parte branca no papel crie suas margens;
contudo algumas bem mais que fogo fervem
e apesar do ditado e tão comum assento,
certas palavras valem mais que mil imagens!
O SOM DO VERBO II
Se eu falar simplesmente sobre
“Guerra”,
quantas imagens acorrerão ao
pensamento?
Se eu mencionar, ao contrário, “Paz
na Terra”,
menos imagens me virão ao julgamento.
Mas se eu falar de “Inferno” já o
tormento
surge no coração que o medo encerra
e se eu falar de “Morte”, o
sentimento
mil imagens lembrará de quem se
enterra...
mas se eu falar de “Amor”,
rapidamente
ficará teu coração a borbulhar,
tua mente inteira por imagens
devassada,
embora o “Ódio” não seja assim
potente,
sempre requer alguma frase adicionar,
antes que sua imagem real seja
formada.
O SOM DO VERBO III
Tudo depende do que a imagem induz,
após ter sido tanta vez fotografada,
que sua potência não se ache
desgastada,
tal e qual essa imagem de uma luz,
que mais ofusca a imaginação alada;
a mil destinos discordantes nos
conduz,
de modo oposto que a imagem de uma
cruz
traz à lembrança muita senda a ela
associada.
Porque duas linhas em cruz de modo
igual
trazem à mente as lendas das Cruzadas
ou as imagens de mármore pregadas,
ou nos recordam a habitação final
de quem se julga não rever jamais
ou simplesmente será o sinal de
“Mais”...
O SOM DO VOCÁBULO I – 29 OUT 2022
Sinto as palavras possuirem a própria vida,
Logo serão a sentimentos associadas,
por pensamento serão logo interpretadas,
cada palavra em seu enigma é contida;
uma palavra em linguagem conhecida
terá mais conotação que em ignoradas,
mas nos instigam para que sejam decifradas,
se em língua alheia, que nos seja traduzida.
Mas é a palavra que nos faz humanos,
já existia antes que houvesse luz,
Deus a empregou para que a luz fosse criada
e não há termos que em real sejam profanos:
é a imagem que nos invocam que reduz
algo de santo em conotação amaldiçoada!
O SOM DO VOCÁBULO II
Minha ligação sempre foi com a
palavra,
já aos três anos eu aprendera a ler,
cada letra do alfabeto a descrever
um mundo inteiro de desusada lavra;
mas os caracteres não trazem macabra
conotação só em seu traçado a ver:
é só o ideário que comporta o seu
poder,
quantas letras nos revela o
Abracadabra?
Mas no momento em que me ponho a
escrever,
traz o primeiro vocábulo um anzol,
chama o segundo e já constrói farol
para qualquer caravela do saber,
porque a palavra não precisa ser
escrita,
somente ao nos soar se faz bendita!
O SOM DO VOCÁBULO III
O som conota muito mais que a luz,
ecos produz nas profundas de um
oceano,
retorna a ressonância ao altiplano
e o contorno dos abismos se produz.
Quando uma imagem de modo igual
reluz?
É o sinal do sonar que a imagm chama
e na tela ao operador a ideia irmana,
enquanto a figura a que chamamos cruz
tanto nos pode indicar uma adição,
como entortada se faz multiplicação.
E que dizer desse traço singular
que é empregado para a subtração,
mas também pode ser traço-de-união,
sem mil imagens realmente nos
mostrar?
O SOM DO RITO I – 30 OUT 22
Amor existe nas palavras de um ritual,
seja ele consagrado à Divindade
ou em bruxaria da mais cruel maldade,
nele algo existe com efeito sideral.
Não deve em vão ler o monge seu missal,
mas procurar nele amor em sua bondade,
cada palavra ali reuniu a humanidade,
que para os pósteros servisse de fanal.
Pois até mesmo na burocracia,
algum amor se acha ali ritualizado,
que um amor-próprio nele está cristalizado,
que ao planejar o resultado amor sentia
e existe amor até num dicionário,
assim composto na caça de um ideário.
O SOM DO RITO II
Amor existe em toda atividade
de que um humano possa se orgulhar;
amor existe até na arte de matar,
quando exercida em conscienciosidade;
amor existe em toda a sociedade,
mesmo que a inveja o possa disfarçar
ou que o rancor o venha derrocar,
mascarado por vergonha ou ansiedade.
Não se acha apenas naquilo que se
espera
ser apanágio natural do amor,
qual na busca da poesia em seu vigor
ou na estátua que nos mostra uma
quimera,
escondida no olhar desse escultor,
que vê na rocha a imagem que ela
encerra.
O SOM DO RITO III
Sempre no amor existe algum ritual,
há a frase que se diz e não se diz,
há o beijo que se pede e que não quis
compartilhar conosco o par ideal;
amor existe nessa espera atemporal,
no antegozo do prazer em chafariz;
no pó compresso em qualquer barra de
giz
amor existe em sua forma potencial.
Porém somente está na mente humana,
não há amor que não seja concebido,
na Natureza amor é apenas projetado,
toda percepção brota de ideia
soberana,
vasto ritual dentre a mente
planejado,
que só então para o mundo é
concedido.
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