domingo, 16 de janeiro de 2022



 

 

AMOR ELETRÔNICO I – 13 JAN 2022

(LEILA DINIZ E MARIETA SEVERO)


Como um elétron ao redor do núcleo gira,

tal qual planetas ao derredor do Sol,

igual que nuvens circundando o arrebol,

qual mariposa que contra a luz se fira,

meu olhar contra o teu apenas mira,

todo atraído por tal duplo farol,

alucinantes são tais jóias de escol,

esses teus olhos em que a razão expira.

Mesmo a luz ali se esfuma de mortiça,

enquanto passam meses de arremedo,

já não preciso a toda hora te esquecer;

pois então vens e se renova a liça,

eu giro em torno a ti e ao sol do medo,

sem a certeza de que te possa merecer.

 

AMOR ELETRÔNICO II

Mantém o elétron, é preciso recordar,

sempre distância de seu núcleo, constante,

revolta a órbita em círculo gigante,

as devidas proporções a se tomar;

não é assim que gostaria de girar

em torno a ti, qual escravo delirante,

quero chegar mais perto a cada instante,

que enfim alegre eu possa te abraçar.

Tampouco espero que sejas o meu sol,

por que me queimaria ao chegar perto?

Já é cálido o bastante o meu ardor,

basta que sejas assim como um farol,

a luz que aquece meu coração desperto,

sem que minhalma se chamusque no calor.

 

AMOR ELETRÔNICO III

De qualquer modo, sempre estou à espera

de teu retorno após vãs meditações,

quando um olhar menos mortiço me depões,

após tua ausência em qualquer distante esfera;

não sei qual pensamento então se gera,

durante o ciclo de tuas modulações...

Será que assim se comportam as multidões

de mil mulheres, quais ondas em galera?

É bem possível serem menos complicadas,

somente tu a me oscilar mil faces,

enquanto aguardo, sincero, os desenlaces;

mas não serão jamais por ti trocadas,

sou elétron só em teu átomo a orbitar...

Que mais fazer, se não consigo te deixar...?

 

AMOR TEMPORAL I – 14 JAN 2022

O tempo que medimos é só o breve contato

entre as lembranças e as possibilidades;

vê-se o passado travestido de saudades,

vê-se o presente a escorrar em desacato;

por mais se busque o futuro, triste fato,

por nós escorre sem materialidade,

só no presente se vê tangibilidade,

todo o porvir num só instante nato.

O então desliza sem nos dar sequer adeus,

tola esperança que em vão vamos reter,

logo se perde nas brumas do passado;

e os teus passados nunca foram meus,

mesmo lembranças em comum vão-se perder,

sem me deixar satisfeito ou desolado.

 

AMOR TEMPORAL II

Não se pode esperar tenha ciúme

dos namorados que tiveste outrora,

se estás presente aqui nesta minha hora,

sem dar motivo para inveja ou azedume;

é de teus lábios que o passdo vem a lume,

eu o escuto, em tua lembrança mora,

desfias histórias qual rosário de quem ora:

que o teu viver atual para mim rume!

Certamente que não posso ter rancor

por quem te desfrutou na juventude,

o que eu lamento são os dias perdidos,

em que não pude usufruir de teu amor,

mas nem ao menos tal percepção me ilude

nesses presentes por nós juntos consumidos.

 

AMOR TEMPORAL III

Não poderei reviver o teu passado,

nem poderás jamais viver o meu,

sequer os dias em que já fui teu:

de nosso antanho nunca nada é retomado;

pois quantos dias teu corpo ao meu colado

 se recolheram no passado que os perdeu;

toda lembrança só na mente reviveu,

mas já difere de algum dia ultrapassado;

e em vão eu busco segurar este presente,

em que te vejo plena do meu lado,

já se foi para trás em meu lamento;

mesmo o início do soneto está jacente,

resta o amanhã a cada instante despertado,

sempre em temor que não renove o sentimento.

 

AMOR POLÍTICO I – 15 JAN 2022

Em nossa terra, quase ninguém morre de fome,

milhares morrem é por desnutrição:

matam suas fomes tão só com água e pão

e assim disfarçam a falta que os consome;

são infelizes, mas esse pouco que se come

é o suficiente para sua conservação;

o que é espantoso é essa grande divisão:

assim foi sempre, desigualdade nunca some,

porém nunca se reuniram tantos bens,

dos quais só poucos os conseguem desfrutar,

num contraste com arestas de terrível;

e se as classes sociais pesares vens,

não se compreende que não vão se revoltar,

mas que demonstrem essa paciência inexaurível.

 

AMOR POLÍTICO II

Não é de admirar que no Sudão

ou na Somália se vá morrer de fome;

todo o alimento bem depressa se consome,

não existe margem para redistribuição;

mas entre nós é bem diversa a situação:

os pobres veem na tevê quanto se come

em restaurantes e banquetes de renome,

enquanto sofrem de sua desnutrição;

em vão existe compensação de cesta básica,

bem diferentes das copiosas refeições,

que veem ser apresentadas nas novelas;

e seu emprego é coisa ainda mais fásica,

para que servem tais distribuições,

senão para irem mendigar sob as estrelas?

 

AMOR POLÍTICO III

A Sexta-Feira Negra vêm mencionar agora,

para indicar dos preços redução,

mas que ironia!  Foi a Grande Depressão

que o mundo inteiro nos assolou outrora!

A fome a espalhar-se sem demora,

os suicídios em fatal repetição,

quando ocorreu essa terrível situação:

usam o nome e disso ninguém cora!...

Mas Roosevelt resolveu essa tragédia,

sem dar dinheiro, mas a criar empregos

e é isso que se deveria repetir,

só que ainda insistem em tal tragicomédia

e sem ter dignidades, apalpam cegos,

dia após dia, tão só a subsistir!...

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