O CORPO DAS MORTAS I –
7 JAN 2022
(Na ilustração, a brasileira Luz del Fuego)
Fotografias se
encontram facilmente
das mulheres desnudas
do passado;
cada organismo no
presente desmanchado,
mas sua beleza
preservada permanente.
Ou, pelo menos, quando
cuidadosamente
foi escultura ou
quadro a óleo conservado,
cada modelo desse
anteontem recobrado,
na tumba o esqueleto a
desfazer-se lentamente...
Se a Duquesa de Alba o
pintor Goya não chamasse,
que a retratasse
frontalmente nua,
quem sequer recordaria
do seu nome?
Mesmo que o busto tão
somente se estampasse,
não chamaria atenção
tal face sua:
tantas existem,
pintadas sem renome...
O CORPO DAS MORTAS II
Mas não se trata
simplesmente de vaidade:
elas contemplam suas
mães e suas avós
e na transitoriedade
se acham sós,
rebeldes a aceitarem sem
equanimidade.
Será inevitável que na
senectude a qualidade
de seus corpos será
cepilhada quais enxós:
se não morremos,
envelheceremos nós,
vão-se a energia e a
beleza com a idade.
Por que não preservar
somente a imagem
e poder se demonstrar
um dia às netas
como foram mais gentis
em seu passado?
Mas juventude não
passa de miragem,
porém existem belezas
mais secretas,
que se conservam num
coração alado...
O CORPO DAS MORTAS III
Assim ninguém se
atreva a condenar
essas mulheres que
expuseram sua nudez,
sua formosura, o níveo
de sua tez,
para a seus pósteros a
poderem demonstrar.
Quanta tristeza podem
elas consolar
em quem contempla a
passagem, mês a mês,
de sua energia na
maior desfaçatez,
que de algum modo elas
a puderam conservar.
E assim mortas, as que
foram semideusas,
ainda mostram tais
quais foram um dia
e que a raça ainda a
elas se assemelha;
serão suas filhas as
transitórias deusas,
que a nudez do
presente lhes daria
na duração singular de
sua centelha.
O
CORPO DA RAÇA I – 8 JAN 22
Creio
na Arte, na História e na Ciência.
A
História engloba a Filosofia e a Religião,
A
Arte a Poesia de cada geração,
O
Teatro e a Ópera em toda a sua potência.
A
Pintura e a Escultura em subserviência,
o
Artesantato em qualquer outra situação;
a
Ciência engloba em sua manifestação
a
Geografia e Zoologia e nos traz à existência
as
mil cidades que morreram no passado,
ressuscitadas
pela Arqueologia,
os
ossos fósseis pela Paleontologia.
A
Química e a Astronomia no acurado
das
grossas lentes de um observatório,
o
microscópio a dominar laboratório...
O
CORPO DA RAÇA II
A
Arte e a Ciência sempre se entrelaçam;
de
ambas depende toda a Medicina,
para
ambas o tecnológico se inclina,
há
Engenharia nos quadros que nos façam.
A
História e a Ciência igual se abraçam;
desde
as observações desses astrólogos;
dos
naturalistas nos brotou a Biologia,
nossos
caminhos a pouco e pouco traçam
e
quem nos diz, não fossem os alquimistas,
qual
o ponto que nossa Química atingiria?
A
buscar a Pedra Filosofal deixaram pistas...
E
na busca do Elixir da Longa Vida,
A
Fisiologia a pouco e pouco cresceria,
Na
longa teia pela História urdida...
O
CORPO DA RAÇA III
Era
costume se denominar Filosofia
a
cada ramo de qualquer conhecimento:
toda
a Ciência e a História em seu assento
Aristóteles
classificou em sua Taxonomia.
Mas
a Religião que fosse “criada” exigiria:
“Philosophia
ancilla” de cada mandamento;
mas
mesmo assim, seu exotérico desalento
nossas
questões primordiais atiçaria,
na
Idade Média dos conventos numerosos
foram
guardados os velhos manuscritos,
mesmo
encobertos por religiosos textos.
Tais
cânticos à Virgem hoje se mostram generosos,
que
por técnica moderna os ancestrais escritos
só
à luz vieram ao decifrar-se palimpsextos...
O CORPO DE UM SONHO I
– 9 JAN 2022
Sonhei que me tornara
um cirurgião
e a certa mulher
restaurara seu nariz;
não me recordo da
maneira como o fiz,
só vi seu rosto já
agradecido na ocasião,
bem diferente do
anterior à operação,
mas seu marido, a que
agradar igual eu quis,
também sorriu, porém
seu rosto só me diz,
cheio de rugas, a
medida da apreensão.
Eu lhe expliquei que
sua esposa conhecera
há muitos anos, que
houvera trabalhado
junto com ela, não
recordo mais em quê,
mas de algum modo
pareceu-me que o ofendera,
qual suspeitasse assim
de tal passado:
mais que ciúme, algum
rancor mesmo se vê...
O CORPO DE UM SONHO II
Todo sonho traz um
cunho de verdade,
por mais que sejam de tremenda variação;
mas este sonho teve
sua concocção
em algo que encaro com
a maior seriedade:
vejo minha esposa com
real serenidade
envelhecer, sem
lastimar sua situação;
ainda em seus traços
eu vejo a perfeição
que demonstravam antes
da mtaturidade;
e de algum modo, caso
eu fora um cirurgião,
talvez pudesse
refazê-los habilmente,
igual deixá-los ao
semblante que já foi;
e esse marido tão
cioso em sua feição
poderia ser o Tempo
que se fez tão insistente
em sua passagem que a
juventude rói.
O CORPO DE UM SONHO III
Também sou eu, embora
menos transitório,
com quase oitenta, mas
sem rugas em meu rosto
e não se diga que
jamais sofri desgosto,
mesmo num sonho
desfrutado em dormitório.
Mas imagino, se em
algum ato decisório,
lhe conseguisse
devolver o antigo gosto,
pelo menos
ultrapassado já o sol posto
e alguém talvez me
cobiçasse o ostensório...
Solerte sendo a mente
dos humanos,
acionada pela certeza
de sua morte,
em simbolismos
oníricos de tal porte,
a disfarçar nossos
egoísmos mais insanos
assim sua imagem só
opero em meus sonetos,
com os seus traços de
ardor ainda secretos...
Nenhum comentário:
Postar um comentário