AMOR
ARRAIGADO I – 25 JAN 22
Não
saberei se amor de fato se enraíze
em
qualquer ponto de teu coração
ou
se abstrata apenas é a emoção,
sem
que em qualquer lugar do solo pise,
nem
sei se sobre assoalho amor deslize
entre
os calhaus da alma sem razão
ou
se flutue em pura sensação
ou
nos ossos de teu peito firme incise.
Nao
sei de fato qual muda de amor
de
que me fales sem ter algum motivo,
caule
concreto ou de algum modo vivo
ou
folha imaterial em seu pudor;
só
sei apenas que os estames pinto
em
cada imagem desta forma que pressinto.
AMOR
ARRAIGADO II
Eu
sei apenas que essa flor é imaterial
e
não tem forma de pétala sua atração,
se
suas raízes são somente uma ilusão
que
nos penetra de forma perceptual;
nem
sei se sabes de algo conceptual,
que
sejam sépalas exclusivas da paixão
ou
se um pistilo ali traz reprodução,
como
uma planta cai em solo natural.
Será
que amor de fato se enraíza
ou
apenas flutua sobre a mente,
como
aguapés de espécie diferente;
sei
apenas que dói quando se pisa
e
de outras vezes se torna em agonia,
tão
forte seja o afeto que em nós cria.
AMOR
ARRAIGADO III
O
certo, no entretanto, é que se acaba
quando
o teu bem do solo se arrancou,
quando
esse amor eterno se cortou
bem
rente à terra que a seiva menoscaba.
Também
é certo que existe quem se gaba
de
que outra planta ou corpo conquistou
de
quem no próprio coração nunca plantou,
e
a terra dalma de orvalho não se embaba.
Tudo
pensado, sei que só não quereria
ter
de mim as tuas raízes arrancadas,
que
igual ao barro, arrancaria alguns pedaços,
da
quente alma ou então da mente fria,
até
os ossos do peito desgarrados
por
essa ausência infeliz de teus abraços...
AMOR
PETRIFICADO I – 26 JAN 2022
Medusa,
a Górgona, teve de Netuno um filho,
inesperado,
quando em praia foi banhar-se,
nela
deixou espuma de ondas entranhar-se,
que
em seu ventre virginal encontrou trilho.
Denominou
de Chrysaor seu amentilho;
fora
Medusa à deusa Athena devotar-se,
que
homem algum fosse dela apoderar-se;
do
Rei do Mar vinha a força desse atilho.
Sem
que Posêidon lhe tirasse a virgindade
até
o momento em que de parto trabalhou,
qual
paralelo com o nascimento de Perseu;
este
porém votado à heroicidade,
enquanto
o pobre Chrysaor se transformou
em
espada mágica, no fitar desse olhar seu.
AMOR
PETRIFICADO II
Poderia
ter a Górgona um pior castigo?
seu
falso pecado a Athena-Pallas denunciado,
embora
seu corpo só ao mar tivesse dado,
porém
vaidosa de seu cabelo e abrigo,
em
dez serpentes transposto em seu jazigo,
sorrateiro
o Rei do Mar se demonstrado,
por
mais bela que a deusa tivesse se gabado,
formoso
rosto amarfanhado em inimigo.
Qualquer
um que a contemplasse viraria
em
estátua de pedra, salvo apenas Kallirrói,
um
monstro horrendo, forçada a desposar!...
Mas
no momento em que se distrairia,
deixou
que Chrysaor, que igual seria herói,
da
própria mãe viesse o rosto a contemplar!
AMOR
PETRIFICADO III
Ao
ver o filho em estátua transformado,
suplicou
ao pai Netuno que o salvasse
e
o deus do mar, para que não desafiasse
a
maldição de Athena, o deixou transmogrifado
nessa
espada de magia, em deslumbrado
prodígio,
que outro herói o empunhasse
e
assim a Perseu contra a mãe acompanhasse,
em
matricídio foi seu gume desferido!...
E
nesses ciclos lendários, finalmente,
Perseu
o usou para Andrômeda salvar
que
o próprio pai fizera acorrentar,
como
oferenda ao cruel monstro potente
que
Posêidon contra a praia foi lançar,
mas
que ao matá-lo foi enfim se estilhaçar!
AMOR APALAVREADO I – 27 JAN 22
Se por acaso, cada loja de Viena,
fosse fechada, até mesmo as mercearias,
que tipo de cidade encontrarias,
Em tão insólita e inesperada cena?
Se por acaso, do treno a rena
contra Noel à greve incitarias,
algum presente no Natal receberias
ou sofrerias do descaso a pena?
De fato, mesmo em longa pandemia,
quando o povo se viu aprisionado,
nem todo o comércio foi fechado,
e mesmo quem toda a ilusão perdia,
quem sabe lembra a verdade do Natal,
presépio e árvore a montar como fanal?
AMOR APALAVREADO II
Mas para onde me levará este soneto,
que começou de tal forma inusitada?
É tão comum essa poesia contristada
que me brota de qualquer ponto secreto!
Pois realmente, mesmo ao ver sonho dileto
incrustrado nesta frase marchetada,
bela que seja tal imagem revelada,
não surgiu dentro de mim seu pleno afeto.
Por que Viena e não outra cidade?
Será o amor que tenho às operetas
ou a lembrança de uma vida já passada?
Muralha inexpugno de tal opacidade
que me prende no labirinto de suas tretas
e faz-se em linhas de emoção desenfreada...
AMOR APALAVREADO III
Esta Viena de que falo é de papel,
não a
da Áustria de teor concreto;
na emoção sempre há algo de secreto,
tão mitológica quanto esse Noel,
mas me vejo forçado a dar quartel
a pensamento por que não tenho afeto,
do qual meu peito nem sequer será objeto,
mas que me envolve em arcoíris de ouropel.
Que então molha meus dedos, simplesmente,
na hemorragia da sensação latente,
mas que de fato nem pertence a mim
e então se espraia uma Viena paralela,
uma canção de Natal meu peito vela
e qual cometa de presépio eu brilho alfim.
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