COMPLEXIDADE I – 10 JAN 2022
Ficamos sós e não me atrevo a nada,
temendo tanto de novo te afastar!
Enquanto teu olhar fica a sondar,
o meu esconde a vista atribulada.
Tal indiferença a penas conquistada,
treliça das pestanas a ocultar,
muxarabis meu sonho a marchetar,
nesta ilusão da espera esfacelada.
Tão longe estás, embora assim tão perto!
Mas o pior é que chego a te tocar
qual não sentisse por ti qualquer desejo,
embora tenha ainda o peito aberto
pelo lêiser que vem de teu olhar,
sem me animar a pedir sequer um beijo.
COMPLEXIDADE II
Coisas assim ocorrem com frequência
se participamos de solidão a dois;
mas não se trata de solidão apenas, pois
até falamos na mais plena anuência.
Antes ocorre é a tua intermitência:
certo momento estás presente, mas depois
a minha esperança simplesmente róis,
minhas questões são para ti impertinência.
E então retornas, como se nada houvesse,
mas onde guardo então minha segurança?
Seguem-se os gestos de carino sem mudança,
mas por trás deles minha incerteza cresce,
sinto apenas material nossa aliança,
qual breviário murmurado ao invés de prece.
COMPLEXIDADE III
Parece às vezes ser proposital
a tua maneira de ser inesperada,
sem dos caprichos poder saber mais nada,
o teu controle sobre mim desnatural.
Depois eu penso que de fato é natural
essa tua mutação tão costumada,
como se houvesse a meu lado outra deitada,
sem interesse qualquer de fazer mal.
E enquanto dormes, fico a meditar,
tens todo o valor do mundo para mim,
sem precisares te valorizar assim...
Mas por estranho que seja o teu amar,
certo estou que quanto existe é todo meu,
do mesmo modo que permaneço apenas teu.
VARIABILIDADE
I – 11 JAN 22
Uma
coisa é a nudez até sagrada,
bem
diversa da impudicídia desonrosa;
há
quem se exiba de forma vergonhosa,
não
traz desejo, até repele um quase nada.
A
nudez de uma mulher é pomba alada,
quando
desnuda se faz pundonorosa,
de
seu corpo não mais do que orgulhosa,
qual
a sentir-se qual mulher realizada.
Pois
esse tipo de nudez é inocente,
no
endeusamento de um laço entesourado,
na
expressão do rosto entronizdo,
que
assim se exponha perante toda a gente,
pelo
prazer de ao vento expor a pele,
pelo
calor do sol que a carne vele.
VARIABILIDADE
II
Outra
atitude já é muito diferente:
há
a mulher que se exibe com maldade,
querendo
apenas seduzir a humanidade,
nudez
pretende que excite totalmente.
Eu
não consigo admirá-las plenamente:
não
se oferecem em um ato de bondade,
mercadoria
é sua carne na verdade,
o
seu preço proclamando claramente.
Porém,
de fato, será que culpa existe?
Uma
mulher pode ser pura totalmente,
sem
a menor intenção de prostituir-se;
e
afinal, a realidade que persiste
é
o reflexo da luz superveniente:
se
é só um reflexo, por que não vender-se?
VARIABILIDADE
III
Tudo
pensado, não havendo comprador,
qual o valor de tel mercadoria?
Somente
a imagem é que alguém cobiçaria,
veste
o corpo de novo em pundonor.
E
que lhe importa o que faça o possuidor
dessa
luz apenas que seu corpo refletia?
Talvez
apenas com sex-appeal se mostraria,
na
propaganda de um produto sem valor.
Talvez
de alguém seja objeto de desejo,
quiçá
elemento de qualquer decoração...
Com
o reflexo da luz, vende o seu pejo?
Ou
esse é um ato real de caridade
para
quem vive em triste solidão,
sem
jamais querer tocá-la na verdade?
VIRGINDADE I – 12 JAN 2022
Dizem que no Egito faraônico não havia
uma palavra a traduzir por “virgindade”,
entre a menina, a mulher e a puberdade,
nenhuma ênfase por certo recebia!
A vida então bem pouco duraria,
reprodução a requerer velocidade,
vivendo os pobres na maior promiscuidade:
como alguém virgem se conservaria?
Bem ao contrário, entre seus escravos,
os Hebreus, era a virgem apreciada,
mas se esperava fosse em breve desposada,
como uma abelha, a produzir os favos
de cera e mel da nova geração,
mediante o preço de sua defloração.
VIRGINDADE II
Eu realmente não sei seja verdade
a afirmação de constantes carnavais,
múltiplos corpos nessas bacanais,
mas não apenas por prazer ou iniquidade.
Mas garantia da proliferalidade,
cada ventre se expondo a muitos mais,
que uma semente através desses rituais
se implantasse de qualquer virilidade.
É certo que os hieróglifos não nos contem,
mas sendo a vida tão breve e tão difícil
para aquela multidão de camponeses,
é improvável que tais atos remontem
a essa frequência muito além do crível:
nem hoje existem carnavais todos os meses!
VIRGINDADE III
Mas certamente a ênfase se achava
numa eficaz e saudável gravidez,
que transmitisse dos Egípcios a grês,
cuja frequência constante se buscava.
Só entre os nobres possivelmente se encontrava
algum ritual aceito mesmo em honradez,
honrando a deusa que a colheita fez
e que constantes regas demandava.
Mas o normal sempre foi a poligamia,
que a semente do Faraó multiplicasse
e a aristocracia vigorosa conservasse.
Tal palavra talves até mesmo se dizia,
porém as múmias permanecem mudas,
sob suas faixas ressecadas e desnudas.
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