terça-feira, 4 de janeiro de 2022


 (DEE TURNELL & ELIZABETH TAYLOR)

 

DIVERSIDADE I – 1º JAN 2022

 

A tua noção do tempo é individual,

do mesmo modo que tuas recordações;

não existem dois a nutrir iguais noções,

nossa lembrança de um fato é desigual;

eu me recordo do tempo imemorial

em que reuníamos nossos corações

e a carne inteira em amplas ilusões,

mas minha lembrança não é material.

 

Lembro a lembrança que ontem recordei

e esta já era uma lembrança recordada

de outra semana em que foste invocada

com tal firmeza que a memória então gravei,

mas mesmo esta já era a imagem de outro dia

e não daquele que entre meus braços te acolhia.

 

DIVERSIDADE II

 

Do mesmo modo, recordas diferente

o prévio dia em que nosso amor brotou;

tua memória a lembrança te invocou

do que teus olhos encontraram pela frente

e de igual modo, se lembraste bem frequente,

a cada dia algo dali se transformou:

lembraste o dia em que a lembrança retornou

e não o dia em que a lembrança fez-se assente.

 

A única coisa que lembramos por inteiro,

sem que seja claramente anuançada

é a memória que já esquecida fôra,

pois só te lembras do momento derradeiro,

quando a lembrança foi dele abandonada

e de repente te explode em luz agora.

 

DIVERSIDADE III

 

Assim te lembras do que lembras tão frequente,

mas não é o dia que mais querias recordar;

cada nova lembrança faz a antiga desvairar,

não é mais a recordação do antigamente,

pois se dela te recordas, é em tua mente,

só ali a lembrança se pode relembrar,

já colorida por tanta vez do teu lembrar

e não é mais a minha lembrança certamente.

 

Assim o tempo que recordo é apenas meu,

por tantas vezes em que já o elaborei,

porque jamais consigo te esquecer;

mas se olvidaste o quanto um dia fui teu,

bem lá no fundo de tua mente encontrarei

só o que de mim guardaste sem querer.

 

MOSCALIDADE I – 2 JAN 2022

Olho Mau, eu te arrenego,

Vai-te para Belzebu,

Por ti Pedro Labatut

Caiu duro como um prego! (*)

(Esta quadrinha do século XIX afirma que Vidigal,

o chefe da polícia do Rio de Janeiro, teria ordenado

a morte do Marechal Pedro Labatut, herói da nossa

Guerra da Independência, no nordeste brasileiro.)

 

Em um lugar da Jordânia havia antigamente

o santuário de Ekron, em que buscavam

um oráculo tantos quantos ali confiavam

o seu destino de forma impertinente;

entre os Hebreus se dizia comumente

ser um demônio que nos santuários adoravam

os que a saber do destino ali andavam,

contra o Mandamento de Jeová integralmente!

 

O deus de Ekron “Baal-Zevuv” era chamado,

ou “Deus da Mosca” e muitos afirmavam

que um meteoro havia caído ali

e tal pedaço do céu era adorado

como o deus poderoso que invocavam,

que a previsão do porvir chamava a si.

 

MOSCALIDADE II

 

Mas por que de Deus das Moscas o chamavam,

ou Baal-Zevuv? Havia então quem afirmasse

que velhos esporos de moscas carregasse,

dos quais as moscas do passado resultavam;

é improvável que ovos de mosca assim enfrentavam

a atmosfera pela qual se atravessasse,

que um meteoro quase total se desagregasse,

pois as camadas do ar os requeimavam!

 

Podemos achar uma outra explicação:

sacrifícios eram frequentemente realizados

e mesmo humanos ali eram degolados

e o sangue atraía vasta multidão

desses insetos, a quem os sacerdotes

fielmente adoravam quais mascotes!

 

MOSCALIDADE III

 

É bastante conhecido que animais

pelos antigos tenham sido ali adorados;

crocodilos foram até mumificados

em templo egipcio de colunatas triunfais.

Até hoje na Índia são bastante naturais

os macacos que a Hanuman são consagrados

e noutro templo, ratos são alimentados;

que moscas protegessem nem se estranha mais!

 

Mas o fato é que o nome “Belzebu”

ao ser maligno é aplicado com frequência:

surgiu então e até hoje é mencionado!

Não que as moscas só procurem sangue cru,

mas certamente nos provam a paciência,

quando em nossos próprios rostos têm pousado!

 

PERMEABILIDADE I – 3 JAN 2022

 

A cada dia, um pouco falecemos,

nossa própria respiração nos envelhece;

nosso presente não tem piedade e desce

verso ao antanho, que inteiro já perdemos;

por mais que contra tal nos revoltemos,

não existe nas igrejas qualquer prece

que o passado nos retornar pudesse:

sob esse peso é necessário nos curvemos!

 

Não saberei se de nascença existirá

um certo número de dias garantido:

que “ninguém morre antes” é o ditado;

mas cada dia que nos chega passará,

sem que possa jamais ser repetido,

nesse monturo do antanho acumulado!

 

PERMEABILIDADE II

 

Mas certa coisa para mim não envelhece:

é este amor que sinto ainda por ti,

que foi o mesmo amor que então senti,

que não desgasta e que até mesmo cresce!

Amor é essa armadilha que nos desce

e que através da história sempre vi;

em cada ponto do passado o vejo ali:

nos corações quão abundante coalesce!

 

Então eu busco, ao tomar minhas decisões,

retomar esse fio condutor mais uma vez,

pondo de lado as escolhas secundárias,

tudo o mais descartando, as ambições,

outras conquistas perdidas mês a mês,

que a tal amor pudessem ser contrárias...

 

PERMEABILIDADE III

 

Assim consigo manter o amor vigente,

mesmo perdido o amor do meu passado;

diverso o amor em meu presente revelado,

mas por ti é igual amor inteiramente;

lá no antanho o velho amor é complacente,

em suas camadas e estratos conservado;

só lembro o amor ali acumulado,

longa lembrança que o atual amor pressente...

 

Mas como saberei se o amor futuro,

a que escolho diariamente com prazer

é o mesmo amor ancestral que já senti?

Só na intenção é que seja sempre puro,

que qualquer seja o novo amor a reviver,

tal permaneça qual o consagrado a ti!...

 

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