CRENÇA NA DESCRENÇA I – 13 JUN 21
tenho a impressão de que a musa estende espelho
e então me ilude com mil reflexos de sonho,
sem interesse de apresentar nada medonho,
só os fragmentos de um devaneio velho;
vejo os vislumbres e na mente entelho
que um dom se me avizinha, no bisonho
bom-humor que me acompanha, no qual ponho
toda a esperança, qual de ouro um escaravelho
do antigo Egito, em que os mortos abençoavam
com essas minúsculas porém mágicas figuras,
trazendo-lhes a sorte e a bênção na passagem;
mas os caprichos da musa só me agravam,
transfiro o alívio às solidões futuras,
sem que ao menos acredite em tal paragem.
CRENÇA NA DESCRENÇA II
mui certamente não creio nesse Inferno,
perante o qual tantos medos se alimentam,
tantas torturas que por ali se inventam...
o Fimbulwinter será o nórdico inverno,
em que se erra num nevoeiro eterno
e nossos pés na neve só se adentram;
já o inferno Gehenna em vão contemplam
esses que vivem num calor hodierno;
nem tampouco cabe a mim acreditar
que já no inferno estejamos habitando,
qual afirmam alguns em real veemência,
o meu inferno é da alma o seu penar,
que conosco o tempo todo carregamos,
como um vasto peso morto na consciência.
CRENÇA NA DESCRENÇA III
e se a musa me ilude é por capricho;
afinal, é mulher – como a descrevem
os poetas da Hélade, os que se atrevem
a ofendê-la bem mais que por cochicho,
que a inspiração não é de cunho fixo,
por constante que seus braços me elevem,
são variegados os locais a que me levem,
suntuoso algum, outro bastante micho;
porém seja qual for esse amuleto
que deveria ao pescoço trazer preso,
não o transporto e nem sequer anel,
meu paraíso interno mais secreto,
talvez somente o breviário que hoje rezo,
talvez não mais que uma corda de rapell.
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