quinta-feira, 8 de outubro de 2020

 

A DAMA AZUL I – 20 MAIO 2019

 

A dama azul se acha acorrentada,

em todo o esplendor de sua nudez,

presa no enredo de filme que se fez,

mais figurante que artista consagrada,

pelas correntes a ser mais adornada,

em Guerra nas Estrelas, velha tês,

que alienígena a pretende, como a vês,

estátua viva em canto descartada.

 

Como se a pele fosse azul, de fato,

gerada por estrela peregrina,

sendo humana apenas na aparência

ou então, sendo mutante sem recato,

capturada em qualquer razzia  assassina

para uma escrava ser em sua impotência.

 

A DAMA AZUL II

 

Contudo, num detalhe a produção

falhou ao apresentar ruiva mulher,

corpo soberbo como mais se quer,

finas correntes a pulsar em cada mão:

é que os sapatos, talvez por distração,

de salto alto ali é fácil perceber,

no estilo antigo que bem se pode ver

desse século então já quase em extinção.

 

A verdade é que poucos perceberam,

para outras coisas preferindo olhar,

não para o mal coberto calcanhar...

e destarte, os produtores não temeram

que seu público, em poltronas a sentar

de um tal detalhe fosse reclamar!...

 

A DAMA AZUL III

 

Porém notei-o eu.  O corpo belo

foi percorrido por mim inteiramente,

não que o desejo fosse em mim potente,

muito mais por estética e desvelo;

na verdade, até mesmo um certo gelo

me percorreu a espinha, mansamente:

essa mulher cobalto, certamente,

era objeto de racismo em inverso pelo.

 

Toda envolvida em tinta corporal,

na sugestão da raça escura do pecado,

para gerar do proibido a excitação;

mas para mim, além do bem e mal,

somente um ventre assim apresentado,

que em cor de anil forjasse nova geração!

 

O DOBRO OU NADA – 21 MAIO 2019

 

Falou a professora: “Hoje temos adição,

Vamos ver se estudaram a sua tabuada!

Cada soma nos dará o dobro ou nada...

Você está pronto para essa operação?”

“Sim, professora, estudei minha lição...”

“Pois vamos ver se foi bem estudada...

Vou-lhe dar uma série calculada,

Você completa a seguinte na ocasião.”

“Tudo bem, professora!” O estudante

Falou bastante seguro de seu custo.

“Bem, dois mais dois são quatro. Daí em diante

Quatro mais quatro são oito. Oito mais oito, enfim,

Quanto é que são?”  “Professora, não é justo!

Pegou o fácil e o difícil foi pra mim!...”

 

PEDIDO DE AUMENTO – 21 MAIO 19

 

Chegou o jovem que se havia casado

E pediu um aumento a seu patrão.

“Há pouca gente na minha profissão,

Meu salário deve ser incrementado!”

“Posso saber porquê?” – disse, invocado

O seu patrão.  “Não é boa esta ocasião,

Os nossos lucros bem menores são

E seu pedido terá de ser negado!”

Mas, patrão, há quatro companhias

Que atrás de mim estão com insistência!”

Disse o jovem – na esperança que o conduz.

“E quais são elas?” – disse o outro, sem paciência.

“Cartão de crédito, água, gás e luz!...”

 

COMBUSTÍVEL – 21 MAIO 2019

 

Chegou um homem para abastecer

Seu carro no mesmo posto de costume.

Não importava qual ponto em que rume,

Sempre voltava, com o maior prazer...

Mas veio um frentista novo o atender,

No visor corriam os números como lume,

Logo o preço atingiu o maior cume

E sua carteira já gemia de sofrer...

Disse o frentista: “O senhor é o último freguês

A pagar o preço antigo.  O seguinte

Já vai pagar o preço novo nesse evento...”

“Ah, que bom que a cortesia me fez,

Quanto sobe o combustível neste acinte?”

“Sobe, não!  Vai baixar vinte por cento!;...”

 

Glicínias 1 – 22 maio 2019

 

Todo ano, chegada a primavera,

brota a glicínia, violeta de esperança:

mil amentilhos surgem em bonança,

mais de mil pétalas farfalham nessa espera!

 

Nossa glicínia já é imensa nesta era,

cobre um lado do pátio e então alcança

todo o terraço com sua florada mansa:

vasta alegria em nosso olhar nos gera!

 

Reconheço não ser muito perfumada,

mas da sacada, a família, debruçada,

contempla aquelas ondas coloridas,

 

ali flutuando tal qual gentil maré,

em dia calmo renovando a fé

na natureza e suas obras incontidas!

 

GLICÍNIAS II

 

Contudo, até parece que observa

um gênio mau contrário a tal beleza,

pois cada ano, na maior certeza,

por pouco tempo a calma nuvem se conserva.

 

Logo surge a ventania sobre a erva

e às flores despetala e traz pobreza;

já se despe o jardim de tal nobreza,

de que entidade a tempestade é serva?

 

Se a glicínia crescesse em campo aberto,

talvez suas pétalas o solo fecundassem,

porém o nosso pátio é bem calçado

 

e esse tapete já tem destino certo,

impedindo que essas cores se espalhassem

e para o lixo o que se varre é despejado!

 

GLICÍNIAS III

 

Contemplo então a glicínia empobrecida,

ainda uma parte suportou a viração,

mas no outro dia vem chuva em vastidão,

e cada flor então é destruída!...

 

Fica a glicínia só de verde entretecida,

com as guias amareladas na ocasião,

sobre o telhado estiradas nesse então,

do outro lado a plantação ainda florida:

 

Há bela-emília e outras trepadeiras...

É como se Éolo, o deus do vento

e Plúvia, sua prima, déia da chuva,

 

rancor tivessem dessas flores altaneiras

e as castigassem com feroz intento,

de cada ramo descalçando a simples luva!...

 


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