AS SETE CIDADES I – 9 JUN 19
Há cinco séculos, Francisco de Orellana
explorou o Amazonas, mar e rio,
navegou,
jusante a cima, dias a fio,
ao fluxo dando sua merecida fama.
Ao encontrar os selvagens, os proclama
como as gregas Amazonas, no seu brio,
cabelos longos, arco e flecha em corrupio,
algumas lanças – e a lenda ali se irmana.
Naturalmente, tais guerreiros cor de cobre
eram só homens, mas viu também mulheres
que à luz do sol expunham os seus seios
e nessa confusão que a razão dobre,
deu ao rio que era habitado por tais seres
seu nome homérico de iliádicos anseios!
AS SETE CIDADES II
Pois no seu barco um jesuíta navegava,
Dom Diego de Cípolla, um italiano
ou então de Zípola, em espanhol arcano,
que cuidadoso diário compilava
e então nele Sete Cidades demarcava
do rio ao longo, em voluntário engano.
até um mapa desenhou com grande afano,
em que esse reino interior localizava...
Foi-se Orellana e com ele o sacerdote,
ficou do rio o nome e mais a lenda,
pois afirmou ter cem mil habitantes
a maior das cidades em tal dote
e lentamente foi correr essa prebenda,
já enfeitada de adornos deslumbrantes...
AS SETE CIDADES III
Naturalmente, eram de palha ou de bambu,
de fato ocaras imensas de extensão,
cobertas de sapé ou capim nessa ocasião,
mas fáceis de confundir, a olho nu.
Mais tarde, portugueses ou espanhóis,
avidamente percorreram o rio-mar,
cidade alguma podendo ali encontrar,
por mais que o explorassem sóis a sóis.
Seriam apenas ilusão do sacerdote?
Não me parece. De alicerces não dispunham,
qualquer motivo as fez abandonar
e a mata reassumiu seu convescote,
ali as árvores lugar depressa cunham,
para os vestígios das tabas apagar...
AS SETE CIDADES IV
Contudo a lenda facilmente se expandiu:
se não era no Amazonas, onde então?
Com o Eldorado confundidas são,
para outros pontos o imaginar fluiu;
na Mesoamérica a excavação surgiu
e trouxe à luz vastos templos que ali estão;
seria ao norte sua localização,
em algum ponto do Oeste se assumiu,
talvez dos Pueblos as autênticas ruínas
ou da Colômbia perdidas na floresta,
serem no Yukon até mesmo alguém atesta...
Por longos anos tais cidades peregrinas,
atraíram esse bando aventureiro
que as foi buscar no continente inteiro...
(*)
(*) O explorador Percy Fawcett as foi buscar
no Mato Grosso.
E nunca retornou...
SÃO BRANDÃO I – 10 JUN 19
Há sete séculos Dom Sancho Brandão
esteve no Brasil empós madeira;
mesmo antes era tal trilha costumeira,
da Normandia
teriam velejado em ocasião,
ou de Gênova e Veneza os barcos vão,
atrás do pau-brasil, o pau-braseira,
móveis se encontram pela Europa inteira,
datados por Carbono em precisão.
Tantos o julgam ser na América o primeiro,
porém Colombo foi tão só um seguidor;
Martin Waldseemüller já um globo havia feito,
em que marcava, impreciso mas certeiro,
bloco de terra do continente imitador,
Colombo o viu, em entusiasmo contrafeito!
SÃO BRANDÃO II
Mas convencido de que havia o continente,
tentou primeiro aos portugueses convencer
que era a Índia, contudo, sem saber
que dessa “ilha” estava o rei já bem ciente
e à socapa, riram dele, certamente,
já que Colombo não podia descrever
a rota antiga, buscando ele empreender
em linha reta essa viagem contundente.
E foi depois vender a ideia em Espanha,
sem que El-Rey Fernando o atendesse,
surgiu a lenda de que a Rainha Isabel
se viu tocada por impressão tamanha
que as próprias jóias em penhor oferecesse,
a financiar seus planos de ouropel.
SÃO BRANDÃO III
Há documentos de sentido bem inverso:
judeus ibéricos, já de há muito perseguidos,
acreditaram em paraisos prometidos,
nos quais pudessem viver sonho diverso
e foram estes que ao genovês, talvez
converso,
decidiram apoiar, mal conhecidos
os segredos portugueses, bem contidos
da rota antiga para tal novo universo.
O fato é que Colombo errou o caminho,
seguindo até as Antilhas na ocasião,
da Espanha sendo o lugar mais afastado!
Para sua tripulação foi bem mesquinho,
mortos de sede e de escorbuto em profusão:
pobre Colombo! Quase foi assassinado!...
SÃO BRANDÃO IV
De qualquer modo, hoje é fato comprovado
que os Vikings desembarcaram no Ano Mil,
no Canadá, quando seu inverno vil
por aquecimento global foi afastado.
Erik, o Ruivo, da Islândia assenhoreado,
Leif Eriksson encontrando um mar de anil
na Groenlândia, sem mentira varonil,
cada fjord
então de relvas esverdeado.
Thorwald Leifssen novamente aventurou-se,
cruzando o estreito, até a Terra Nova
(seu túmulo hoje em dia é ali mostrado)
e para o Canadá, aoLabrador mudou-se
o restante de seu povo posto à prova,
quando o verão foi pelo inverno dominado!
SÃO BRANDÃO V
Os marinheiros percorrem muitas terras
e portugueses aportaram pela Irlanda;
talvez movido por embriaguez nefanda,
algum falou sobre americanas serras,
que Dom Sancho Brandão, cruzando os mares,
havia visitado, temperatura bem mais
branda...
De boca em boca corre a lenda, que se
expanda,
dos Bem-Aventurados os mais santos lugares...
Em Saint Brendan tornou-se o bom Brandão,
que de Sancho para “Santo” é breve o salto:
eram as ilhas dos Mortos Abençoados!...
Até que ponto fervilhou a imaginação,
sem GPS ou satélite em ressalto!...
Quem sabe os Vikings foram relembrados?
SÃO BRANDÃO VI
Assim correm as lendas. Só me espanta
que nessas terras de origens mais inglesas,
tantos se esqueçam das gentes portuguesas
e os espanhóis, ao contrário, se descanta!
Pelos sessenta anos em que alevanta
sobre as terras lusitanas incertezas,
o império inteiro português nessas lerdezas
foi para a Holanda e a britânica garganta!
Somente após de Portugal Restauração
É que holandeses deixaram o Brasil;
Mousinho de Albuquerque foi então que retomou
Angola e Moçambique à britânica nação,
sem resistência achar demais, mas varonil.
(Com tais países velha aliança retornou.)
LETRAS A FIO I – 11 JUN 19
Entro na sala e o cheiro das palavras
as narinas me assalta pelo ar,
libélulas são, flutuando no meu lar,
fantasmas que evaporam de minhas lavras.
Cada palavra minúscula uma larva,
que em mariposa quer-se transformar,
em mim revoam num lento borbulhar,
seu beijo sopra fundo e a pele escarva.
São palavras que ninei nos meus rascunhos,
abandonadas em jardim de mofo,
cerâmica de poeira sem ter forno,
mordendo as veias grossas de meus punhos,
fios arrancados de meu pálido estofo,
o seu grotesco lamento a meu entorno.
LETRAS A FIO II
Ao mesmo tempo ouço o som revigorante
das palavras que a derredor foram impressas;
em mil livros alheios são expressas
e se impõem, igualmente, em tom vibrante.
Tem prestígio, cada qual levada adiante,
que por autor e editor foram compressas,
por entre as páginas que virar não cessas,
mil dedos mortos, carbonos em diamante.
Muitos deles em meu passado eu li,
outros aguardam sua oportunidade:
chegam livros demais neste escritório
e seus reclamos por igual sofri
ao ingressar na sala, em quantidade,
sem só de poeira querer ser depositório!
LETRAS A FIO III
Escuto ainda outro elusivo som,
versos antigos só datilografados,
jamais ao digital reconciliados,
a recordar-me seu olvidado dom,
que me levou a rascunhar seu tom
e então grafar, com meus dedos apressados,
em folhas de papel, amarfanhados,
há décadas atrás, destino bom.
E escuto mesmo certa voz fininha,
a se evolar de meu computador
ou de um pen-drive guardado em sua caixinha,
todos de mim requerem a atenção,
os muitos lidos, os de que sou autor,
dilacerando olfato e coração!...
CINEMA FEMININO I – 12 JUN 19
Nada mais que o cinema nos denota
como se esvai o transitório feminino,
por breves décadas tem adorno fescenino,
mas pouco a pouco em palidez se embota;
a tela grande de um presente ignota,
na escala gris dos filmes tange o sino,
guarda no antanho vasto sonho pequenino:
pequenas glórias que já ninguém mais nota...
Danielle Darrieux, Mylène Demongeot,
Cosetta Greco, quem as lembra agora?
Foram em tempos atrizes excelentes,
mas sem o vasto decalque que deixou
a curta fila das musas de outrora,
nomes e rostos de retorno mais frequentes.
CINEMA FEMININO II
Antigamente, quando só quadros havia,
a decadência muito menos se esfregava
em nossos olhos. Ninguém acreditava
nessa beleza que se fora e nem se via.
Depois surgiu entre nós fotografia,
daguerreótipo embaçado nos mostrava,
depois foi moda que se amarelava,
mostrando as faces de quem já morria.
Mas era preciso imaginação usar
perante os rostos de fanada palidez,
para aos retratos se poder relacionar;
e mesmo hoje, com tanto celular,
que tudo filma na maior desfaçatez,
sempre é preciso algum esforço se empregar.
CINEMA FEMININO III
Mas as atrizes e atores ainda vemos
nas telas de cinema a se mover,
as suas vozes podemos perceber
nos dramas falsos em que nos envolvemos.
E novos filmes assistir podemos,
deles mostrando o lento encanecer;
bem maquiadas, elas podem esconder,
porém o tempo aplica os seus venenos
e finalmente, aqui estão, envelhecidas...
Também os homens tiveram decadência,
mas dos atores há menor expectação,
foram mais delas nossas paixões perdidas
e sua visão reforça esta impotência
de interromper nossa igual transformação.
CINEMA FEMININO IV
Nenhuma delas teve a fama da Bardot,
a primeira a exibir expressamente
toda a nudez de seu corpo complacente.
(Segundo dizem, até pouco demudou.)
seu rosto apenas a trair como ficou.
Toda atriz que se cuida, realmente,
guarda a beleza de seu corpo surpreendente,
mas como símbolo sexual já se apagou.
E assim foram Lollobrigida ou a Sophia
Loren ou mesmo a pobre Marilyn,
Que pela Maffia
foi assassinada.
Seu transitório feminino reluzia,
breve fulgor que se conclui assim
na contemporaneidade contemplada.
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