retirada I –
13 jun 2019
eu me
entreguei a ti, sem mais reservas,
de pés e mãos atados, tão confiante
de conquistar tua mente delirante
e usufruir dos tesouros que conservas...
eu me entreguei a ti, amor sem medo,
disposto a tudo fazer abertamente,
sem me importar com as vozes dessa gente
que nunca mesmo me aceitou no enredo
de seus rituais – inúteis e banais.
eu te busquei completo e não quiseste,
não conseguiste me querer assim.
eu vejo bem não ter graças sociais,
mas sei, depois de tudo o que fizeste,
que agora é tempo de voltar pra mim...
retirada II
é como droga esse amor que me tocou:
formou em meus neurônios seus liames,
continuamente a fazer os seus reclames,
a cada vez que a mente os rejeitou.
bem sei que amor endorfina provocou
de modo igual a narcótico em enxames,
existem pontos de contato nele imanes
e seu constante ativamento me marcou.
porém de amor não há farmacopeia,
quando negado, força a retirada
e nele surgem sintomas semelhantes.
náufrago fico então nessa odisseia,
sem minhalma desejar ser resgatada,
por mais que as ondas sejam inquietantes.
retirada III
não é que me deixasses, claro está;
juntos ficamos já por tempo demorado,
mas há alguns anos não sou mais abraçado
por ti na entrega que mais perfeita vá.
algum carinho teu beijo sempre dá,
mas no conjunto estou desapontado,
com frequência me repele o teu agrado,
sinto-me longe, embora estejas cá.
nem é que amor me tenha desertado,
está presente sempre e forte ainda;
de certo modo, do teu tenho certeza,
mas não penetro em ti qual no passado,
tua mente a divagar, angústia infinda,
de que não posso apagar toda a vileza...
retirada IV
por certo é que me esforço na conserva
desta minha entrega, mesmo sendo repelido,
guardo meu lado da ponte bem mantido,
porém tuas cordas são apenas fios de erva.
e ainda te vejo, então, das dores serva,
parte do corpo, sem dúvidas sofrido,
parte da alma em nutrir subentendido,
teus demônios a fazer que sempre ferva.
porém me encontro a teu lado, ainda fiel,
sempre buscando dar-te minha energia
ou meu consolo ao deparar-te assim,
mas a balança não passa de ouropel,
metade é bronze, metade é fantasia
e sei que é tempo de voltar pra mim...
RETORNO À ARMADILHA I – 14 JUN 19
No meio do relvado encontra-se a armadilha.
Sorrateira e capciosa então nos captura.
Não há como escapar, salvo na pura agrura
De roer a própria pata firmada nessa quilha.
Achamos a arapuca que de um amor é filha
E como ao animal, a sua pressão perdura,
Sem que algo de real consiga-se de cura,
Quem ama assim percebe que à própria alma
encilha.
Só se pode libertar quem sua alma roerá,
Do sonho ali deixando um trapo bem sangrento,
Que morra essa quimera, perdido o seu alento,
Liberto o corpo então que para o alhures vá,
Farrapo ainda a pingar do antigo sentimento,
Deixado na armadilha, em que ainda gemerá.
RETORNO À ARMADILHA II
E essa mão da alma que abandonada fora,
Do meio do relvado prossegue o seu chamado,
Por mais longe o caminho, seu grito soará,
É um amor de rubi, a hemorragia de outrora.
De fato, a sensação jamais se irá embora,
Que amor despedaçado enfim rebrotará,
quando ao local do crime essa alma voltará,
a parte recobrando no estertor de agora.
Em nosso mundo estático existe um carrossel,
Pequenos cavalinhos, elefantes de madeira
E a música estridente que ali nos acompanha.
De modo igual amor, latão feito ouropel,
De novo nos assalta com precisão certeira:
Aberta está a armadilha e de novo nos apanha!
RETORNO À ARMADILHA III
Tem sido sempre assim, caso pensemos bem:
Enquanto não te vi, foi como não vivera,
Despertei de repente e quase compreendera
O sentido da vida ao te perder também!...
De novo nos achamos e então surpresa vem;
Saber que estranhamente o tempo não correra:
Dos dias afastados lembrança até perdera,
Ficando permanente a certeza que se atém,
De novo confirmada e outra vez, de novo,
Que a cada encontro nosso o encanto ressurgia
Os laços entre nós completos renovando...
Mas como relutamos! Sem crer poder que um dia,
Pudesse rebrotar, em singular renovo,
O mesmo velho amor que estava ali
espreitando!...
ANESTÉTICO I – 15 JUN 2019
Os dias vão passando em horas vãs, desnudas,
vazias de sentido, molduras só de espera,
traços de união somente, inquietações agudas,
enquanto não se cumpre, enquanto não se altera
de minha irrealidade essa aguardança morta;
percebo tudo em torno qual nunca houvera visto,
não reconheço nada, a mente não comporta
e toma como estranhos os gestos que me assisto
a praticar, quais fossem atos internos de um romance,
as cenas de uma peça, um filme que passasse,
porém que contemplasse com pura indiferença,
enquanto a vida fica, suspeita num relance,
suspensa de teus olhos, tal como se contasse
uma história mal feita e envolta de descrença...
ANESTÉTICO II
Pois não é a tua ausência que me adormenta a alma,
é antes tua presença que assim me anestesia,
que ao ver-te além, tão perto, a mente desvalia,
sem unção que renove o bálsamo que embalma
e que ainda me embalsama na desnutrida calma,
sem que um só escaravelho, amuleto em mim teria,
por entre as faixas gris, que o linho abraçaria,
não os membros do corpo, as claves de minhalma
e olho para ti com meu olhar brilhante,
contudo só observo algo baço na retina,
momento introspectivo, sem nada a reluzir
e permaneço inerme, até voltar o instante
em que noto o retorno da alma de menina,
que apenas se afastou, porém sem me fugir...
ANESTÉTICO III
Por isso é que nos versos eu busco anestesia,
de um modo diferente, que em nada me adormece;
sonetos para mim se tornam pura prece,
a dor fica apagada no verbo que a feria,
mas realmente é nela que a ânsia persistia
de ver essa alvorada que nos seus olhos desce
e então breve sorriso, por mim que nunca cesse,
justamente por saber quão pouco duraria;
ali surge o renovo, sabor de pão-de-mel,
a breve pluma alada de um dente-de-leão,
que a gente sopraria nos tempos de menino,
esperando que evole e, enfim, ache quartel
nos lábios desejados, concreta essa ilusão,
ainda anestesiada em puro desatino...
QUAL VIOLINISTA I – 16 JUN 2019
Por isso é que
te afastas; porque pensas
que no instante
em que teu corpo deres
teu mistério
esfalece, sem que esperes
conservar por
mais tempo as cordas tensas
do violino que plange minha ternura
e entregue o
corpo, em branda languidez,
não mais me
deste, em meiga placidez;
porque não mais
consigo te ler a partitura!
E a esse arco
viril, que nas mãos tomas,
recusas o
estojo; e então retomas,
em stacatto, teu sonho de martírio...
Não é assim
comigo, eu quero mais,
muito mais que
teus órgãos genitais,
embora os queira
também, no meu delírio!
QUAL VIOLINISTA II
Mulheres berço são da transmissão da raça,
seu corpo
evoluiu para a máxima atração,
não só de
feromônios se faz a sedução,
não são como
animais do cio à caça!...
De certo modo, o
imaginar perpassa
que antigamente
houvesse até estação
de um
aprestar-se para a reprodução
e só então
aceitassem, sem mais jaça,
a presença
eventual do macho humano...
mas é forçoso
para nós reconhecer
que o menstruar
ocorre a cada mês!
E desse modo,
entre nós, sem mais engano,
pode a mulher,
mensalmente, receber
um fecundar
maduro aos óvulos que então fez.
QUAL VIOLINISTA III
Mas na mulher
existe muito mais
que essa atração
da fisicalidade;
ela é a fonte do
carinho, na verdade,
companheirismo e
compreensão tem naturais.
Para os nenês
são qualidades essenciais,
mas que
transfere, com facilidade
para um homem
que a corteje em qualidade
e saiba ler suas
escalas musicais...
Por isso, eu
quero muito mais que o estojo:
meu arco quer o
apoio de tuas cordas
e partilhar
volutas gentis de dons vocais
e com minhas
mãos acariciar o bojo
do instrumento
musical com que as abordas
para um dueto
que não termine mais!...
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