MISÉRIA I – 26
jun 2019
Nem sei por
que razão amor perdi:
Era tão forte
e cego e afortunado...
Daria tudo só
para a teu lado
Poder ficar...
Pensava só em ti...
Porém não mais
quiseste meu carinho;
Não sei se
outro amor te transformou;
Não sei se apenas
teu coração mudou
E realmente
prefere estar sozinho...
Só sei que a
mágoa fundo me tocou,
Amarga e doce
como um sonho antigo,
Porque perdi
de mim mais que a metade:
Perdi aquela
que meu corpo amou;
Mas foi pior,
porque levou consigo
Minhalma sem deixar
sequer saudade...
MISÉRIA II
Viver sem alma
é coisa assaz difícil,
Especialmente
sem dela ter saudade!
A mente fica
amortecida na verdade,
Somente o
espírito lançado como um míssil
Para enfrentar
este mundo pouco dúctil;
Não cabe ao espírito
a materialidade,
Ele nos liga à
espiritualidade,
Feito de luz e
trama do inconsútil.
Por isso, ele
constrói, ao nascimento,
Uma extensão
de si, chamada “alma”,
Para reger-nos
no mundo material,
Que vai sofrer
diário acrescimento,
Furioso às
vezes, ou somente em calma,
Até o momento
da extinção mortal.
MISÉRIA III
Eu não criei
essa ideia, certamente:
“A minhalma
engrandece ao Senhor
E o meu
espírito se alegra em Deus, meu Salvador,”
Cantou Maria
no “Magnificat” dolente.
Mas é difícil
explicar a toda a gente
Que além da
alma haja um espírito de amor,
Parte de Deus,
parte do Criador,
Que para Deus
retorna, finalmente.
Isto parece
até ter em menoscabo
A ideia de uma
só encarnação,
De apenas uma
vez virmos aqui,
Porém se fala
em “vender a alma ao diabo”,
Uma evidência
desta antiga confissão...
Mas ai de
mim! Vendi minhalma a ti!...
RITUAIS I – 27 jun 2019
quando voltares e teu rosto Mudo
mostrar todo o desejo que, Contido,
velado fica pelo olhar Retiro,
traído fica pelo olhar Desnudo,
que se desloca lento por meus Lábios
e pela cova rasa do meu Queixo,
na tremura dos dedos, quando Deixo
derrames o téu cálice; dedos Sábios
para o instante das carícias, Disfarçados,
perdidos pelo vinho nos Desvelos
do líquido encarnado, quais Novelos,
levando à boca fogo ao invés de Beijos,
para queimar o fogo dos
Desejos,
que sempre acabam todos Confessados...
RITUAIS II
mas o litúrgico apenas se Efetua,
perante a tua esplêndida Presença,
a mente e o coração em lida Tensa,
quando a janela só revela a ausência Tua,
tal como se cortasse espada Nua
toda esperança de uma forma Intensa,
melancolia sobre mim se Adensa
e o amor no coração se torna em Pua,
pois meu altar não tem mais Paramentos,
nem quem ali apreste um Sodalício,
contém somente o frio à flor da Pele,
só a memória velando Sentimentos,
qual da reminiscência é o santo Ofício,
sem que a porta do santuário nunca Sele.
RITUAIS III
mas quando chegas, a memória Queima
na ara sagrada do presente Ativo,
o gelo todo derretido nesse Crivo,
o merencório inteiro se Atoleima...
para a busca de teus dedos então Teima
cada centímetro da pele com que Privo
cada carícia em sonho Redivivo
e cada poro, então se Oxigena...
que só respira minha vida do teu Lado,
quando trazes para mim a Doação,
esse teu dízimo de generoso Amor,
cada vaso ora de beijos Adornado,
cada toque uma nova Inspiração,
cada flor murcha a se fazer mimosa Flor...
RENÚNCIA I – 28 jun 19
Sonho verde de aromas marchetado,
Estertor peregrino e marginal,
Desejo apenas de esplendor fatal
De quem ao ver-te fica arrebatado...
E nem sequer pelo nome te conhece,
Mas apenas possuiu-te um só momento
De sabor capitoso, qual o vento
Carrega odores, mas amor esquece...
A te envolver na flama deste olhar,
Num abraço gentil, mas apertado,
Que o corpo aflora e a alma violenta...
Suspira o corpo, instantes a sonhar,
O coração, porém, fica agitado
E com o aroma apenas... se contenta.
RENÚNCIA II
Mas por acaso pensas que eu não sei?
Que contida inteiramente em cada verso
Em que descrevo o meu querer perverso,
Existe apenas a mentira que contei?
Que cada flama assim que te enviei
Talvez ler devas somente no reverso,
Que o nada esteja no interior imerso,
Cada poema de si mesmo apenas rei.
Algo que apenas para si floresce,
Ansioso em completar os seus quartetos,
Forjando a métrica o melhor que pode,
Sem que esse amor seja sincera prece,
Mas somente o encaixar desses tercetos,
Na esperança de que tal amor te engode!...
RENÚNCIA III
E ao mesmo tempo, amor meu, desconhecida
A quem conheço apenas pelo olhar
Em que meu verso pôde penetrar,
Ainda amor me assoberba de vencida.
Amor é parte constante desta vida,
De quem jamais te pôde contemplar
E te consegue tão-somente idealizar,
Como a mais bela mulher que foi nascida,
Só para mim, o vácuo a preencher
Que as tais que conheci não preencheram,
Na obsoleta quimera de seu beijo,
Que realmente me pudesse recolher
De corpo e alma nos olhos que me leram,
Em devaneio mais além que o meu desejo.
RESGATE I – 29 junho 2019
Meu coração, que estava tão cansado,
Somente de te ler, já se assanhou!...
Ficou pulando, em gesto deliciado,
Para te ver contente se apressou...
Meu coração, que estava tão descrente
De nesta terra achar consolação
Modificou-se assim, tão de repente,
Num subitâneo idear desta emoção.
De mim tiraste o sonho que jazia,
Pois despertando a luz que já tremia,
Meus olhos reabriste à luz primeira,
Deixando ideal antigo e tão conforme,
Quase explodindo de um desejo enorme
De tudo usufruir da vida inteira...
RESGATE II
Quanto capricho existe na ternura!
Cada frase de amor aveludada
Penetra fundo na alma ressecada,
Dali afastando a folha seca e impura,
Que amarelava sobre a argila dura
De uma renúncia pouco assimilada,
Outra mentira para ser contada,
Anestesia anelando cada agrura.
Como se torna fácil se a ansiedade
De se querer restaurar existe ainda,
Por mais coberta por serapilheira infinda,
Ou retalhada por laivos de vaidade
Que uma só frase polvilhada de harmonia
Traga do fundo o ardor que ali jazia!
RESGATE III
Assim apenas elogios me fizeste
Que sei por certo aos versos pertenceram,
Não ao autor de quem se desprenderam,
Por mais que a confusão ainda proteste,
De que minha pobre alma assim se infeste
Pelos novos devaneios que sofreram
E que perante o real reconheceram
Que esse belo arremesso tão só apreste
A cesta erguida, casual e impermanente;
E contudo, tais palavras resgataram
Mil anjos e demônios impacientes...
Por isso te agradeço, imprevidente,
Pelas minhas veias que se dilataram
Contra ferrugem de grilhões impenitentes.
A DAMA DO
XALE – 30 junho 2019
De versos
enfadonhos já cansei-me:
Eu quero
vida! Os versos só me enleiam
e mesmo
quando o meu candor me peiam
aos versos
digo: Já não mais prendei-me!...
Nesta
minha musa estranha e tão arfante
quero
inspirar-me de um ardor fogoso,
queimar-me
o corpo em beijo doloroso,
a tal
ponto que a mente, delirante,
se
entregue na amplidão deste martírio.
E deixe de
almejar um vão delírio
por um
calor que tanto mais suplica,
quanto o
mesmo calor que em mim se agita
se apaga
na voraz chama que indica
que é o
lúbrico olhar meu que a faz bonita.
A DAMA DO
XALE II
Neste
ditado feito de malícia:
“Está a
beleza nos olhos de quem vê,”
a busca de
um piropo se provê,
num adendo
capcioso de ledícia,
talvez em
traço até de impudicícia,
na busca
de escutar o que se crê,
que o
desejo perpasse o que então lê
e com ele
acaricia a sua letícia.
Mas na
verdade, aqui não há mentira,
seja desejo
feromônica ilusão,
só
incitamente para a gestação,
em seus
meandros gentileza gira,
ainda que
seja apenas de um ensejo
em que se
possa consumar igual desejo.
A DAMA DO
XALE III
Então os
versos vêm-me protestar:
“Por que
razão nos julgas sermos morte?
Não somos
de tua vida o melhor porte,
algo que
deixas quando tudo terminar?”
Sem
dúvida, tais versos vão ficar
Inseridos
na trama desse corte,
o tecido
digital de branda sorte,
enquanto a
nuvem ao menos perdurar.
Destarte,
eu viverei em digital,
pelas
teclas a subir até o visor
e nas
entranhas do computador,
tornar-me
em zero e um imaterial,
mesmo que
o corpo quisesse teu calor
e a alma
inteira ansiasse por amor.
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