AQUILÍFERO I – 2 JUN 2019 (*)
(*) Águia é “Aquila” em latim e o “u” se pronuncia.
O Aquilífero, nas legiões romanas,
era o porta-estandarte, ou seja, quem
transportava a sua águia, sempre alguém
de força e resistência sobre-humana,
porque era pesada e lhe reclama
mais robustez que a maioria tem;
era uma honra, sem dúvida, porém
responsabilidade muito vasta e soberana.
Se, por acaso, a águia lhe tomassem,
durante algum combate ou a perdesse,
mesmo quebrada, sua pena era a de morte;
e mesmo desmaiado que o encontrassem,
no campo de batalha e ali se evidenciasse
a perda desse emblema, teria essa igual sorte.
AQUILÍFERO II
Em geral, portava a águia um centurião,
o mais velho de todos na coorte
ou então este designava para o porte
o mais forte legionário em atuação;
o tribuno, comandante da legião,
ao indicar de algum assalto o norte,
dava a ordem aos aquilíferos, de sorte
que dessem esses o sinal para a missão.
Se não movesse a águia, toda a tropa
permanecia imóvel no lugar,
pois bem à frente deveria avançar;
e foi assim que conquistaram meia Europa,
por toda parte as águias implantando,
dando o aquilífero a vida em seu comando.
AQUILÍFERO III
Igual que a águia valia mais que a vida,
também eu tenho aquilífera missão,
medíocre vejo a poesia em relação
ao verso livre em fraqueza concebida,
pois verso livre não é coisa parecida
com soltar linhas sem rimas ou noção,
este requer uma real inspiração,
caso contrário foi só prosa redigida.
Por isso eu luto pela forma do soneto,
sou o aquilífero desses quatorze versos,
que cantam loas em elegantes traços
e não perco minha lida em abjeto
render-me a adversários tão dispersos,
mas firmo as hastes dos sonetos nos meus braços.
CRIANÇA I – 3 JUNHO 2019
A ti dirijo minha alma em canto e dança,
da hoste humana minúsculo recruta,
pois cabe a ti levar adiante a luta
dos ancestrais em ínclita confiança;
se por acaso hoje vives na abastança,
antepassados teus morreram em disputa
com feras e doenças e a conduta
da própria natureza em cruel modança.
Não obstante, embora assim sofressem,
para o progresso foram impulsionados,
de cada geração guardou-se a prenda,
para que a ti melhor vida hoje te dessem,
mesmo que nunca sejam contemplados,
salvo na poeira que cobre a antiga senda.
CRIANÇA II
É bem possível que sejas por demais
pequeno e descuidado em tua vereda,
teu rosto límpido, sua pele igual que seda,
em teu olhar cem visões angelicais;
e destarte, por tais motivos naturais,
ainda não possas compreender a missão leda
que hoje te cabe, contudo te segreda
a voz da raça em murmúrios seminais.
Não cabe a ti apenas o proveito
desse arcabouço de civilização,
porém precisas levar avante o archote;
mais que dever, é teu este direito
de acrescentar à antiquíssima missão
e para outra geração deixar teu dote.
CRIANÇA III
A minha parte eu fiz, deixei escritos
os mil conselhos que deves entender;
se algum de vós se dispuser a ler,
não me perdi nos versos circunscritos,
porém espero que meus ideais benditos
sejam por ti conduzidos a crescer,
que ames a arte e a possas merecer,
qual defensor contra ideólogos aflitos.
E que a ciência por ti possa progredir,
para que nutra com real veracidade
melhor as gentes que nos dias passados;
que pela história te deixes influir,
em gratidão pela arcaica humanidade
que te legou sua cultura e seus cuidados.
ARQUEÓLOGOS I – 4 JUNHO 2019
Quando Schliemann descerrou a antiga Troia,
pelas obras de Homero obcecado,
não foi buscá-la no ponto acostumado
por tradição, sem prova em que se apoia,
mas encontrou tal literária joia
em um lugar bem diverso do afamado
e bem depressa viu seu sonho confirmado
nessa colina faminta igual jiboia,
que devorara já sete cidades,
após destruição reconstruídas,
que a humanidade tende a retornar
aos lugares em que tais comunidades
se ergueram em alturas protegidas
e sobre as cinzas novamente se assentar.
ARQUEÓLOGOS II
Na verdade, essas cidades eram mais:
os arqueólogos posteriores descobriram
vinte e tantos estratos, quando abriram
escavações com modernos materiais.
De Schliemann enganos foram naturais,
de Troia o ponto seus olhos distinguiram,
mas em um estrato errôneo então a viram,
em que um tesouro de obras perenais
achou, enfim... Ali chamou somente Helena,
a sua esposa de romântico escolher,
para ajudá-lo esse tesouro a recolher,
cujo transporte para a europeia cena
foi bem difícil, bem mais um contrabando,
pois ouro e joias eles iam transportando!...
ARQUEÓLOGOS III
Algum repórter viu a máscara de ouro,
funéreos traços de algum rei que não lembrou
e de Agamemnon, por capricho, a apelidou,
uma tolice para seu total desdouro,
que o rei heleno voltou com seu tesouro
e Clitemnestra, sua esposa, o assassinou;
de Príamo o cofre nunca se encontrou,
Troia inteira destruída em mau agouro...
Mas a obra de Schliemann foi real:
foi o veraz precursor da arqueologia;
antes dele, só de Pompeia se sabia
e foi seguido por cortejo triunfal,
que de Nínive e Babilônia e até Babel
localizaram os templos e o quartel.
ARQUEÓLOGOS IV
Depois Cnossos, com o Labirinto arcano
(do Minotauro os ossos não se acharam),
porém Micenas e Tirinto se encontraram
graças ao esforço do Schliemann soberano
e mesmo em Roma os vestígios do Romano
Império sob Mussolini se escavaram
e nas Américas cem templos desfraldaram
das lianas das florestas sem mais dano.
Mas não se levam mais estátuas aos museus;
hoje a tendência é mais restauração
e demonstrar como a gente ali vivia,
porque, afinal, antepassados foram teus,
muito mais que os Faraós da tradição,
cujas pirâmides qualquer um contemplaria.
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