ATRIBUIÇÃO I – 4 jul 2019
Insistes tanto que tantos defeitos
Maculam o teu ser e o teu caráter,
Que és inconstante qual esfíncter
Que não controla mais os dons perfeitos
Entrelaçados às rosáceas puras...
Mas é que não enxergas esses dotes
Terríveis a luzir, puros archotes
Que talvez só eu veja... são agruras
Que terei de enfrentar, mas vencerei:
Vou colher o sorriso entre os trejeitos,
Vou transformar os males em bondades,
Porém teus dons inefáveis mostrarei...
E assim, podes mostrar-me os teus
defeitos,
Porque eu te gozarei das
qualidades...
ATRIBUIÇÃO II
Que tens defeitos, sei-o muito bem,
Existem no teu seio, é evidente,
Alguns deles de forma transparente,
Outros esconsos, igual como azevém
Permeado ao trigo, que a Bíblia vem
Chamar de joio e manda claramente
Separar do cereal que nos sustente,
Contudo ao gado sustentará também.
Entretanto, não és um campo arado,
No qual alguém semeou a plantação,
Mas cada falha tem lugar marcado,
De alguma qualidade bem ao lado,
Parte integrante de teu coração,
Que, retiradas, o deixam retalhado.
ATRIBUIÇÃO III
E como conhecer as qualidades,
Senão por cada falha constrastada?
Pois tudo é relativo nessa estrada,
Existe bem no fundo das maldades,
E para o mal soerguem-se bondades;
Se algo se corta da alma revelada,
A marca fica, não sendo completada
Por qualquer outra virtude ou falsidades.
Assim te amo, inteira, como és,
O que chamas de defeitos serão meus
E assim teu seio possuirei integralmente,
Nessa colheita pura de minhas fés,
Enquanto anseio que aceites como teus
Cada defeito que me dorme no inconsciente.
ARETHUSA I – 5 JUL 19
APENAS UMA ESCRAVA,
A JOVEM LUSITANA...
SUA ALDEIA DESTRUÍDA, LEVADA,
AINDA MENINA
E VENDIDA AOS EUNUCOS, PARA SER CONCUBINA
DO SUMO-SACERDOTE DE ASCLÉPIOS,
QUE SE UFANA
DE PRIMEIRO A POSSUIR,
PARA DEPOIS DEIXÁ-LA
AOS HÓSPEDES DO TEMPLO, ATÉ CHEGAR UM DIA
QUE UM PATRÍCIO ROMANO
A COMPROU E CONDUZIA
À CAPITAL DO MUNDO, QUERENDO DESPOSÁ-LA...
MAS QUANDO, FINALMENTE,
JULGAVA-SE FELIZ,
SEU AMOR MANDOU MATAR,
POR CIÚME, A IMPERATRIZ,
SEU CORAÇAO VAZANDO, EM PURO SENTIMENTO...
E ELA CHOROU, CHOROU,
QUAL CHORA O VENTO...
E AO VEREM TAIS LÁGRIMAS,
OS DEUSES SE APIEDARAM
E EM PERPÉTUA FONTE,
SALGADA AS TRANSFORMARAM...
ARETHUSA II
JULGAS, TALVEZ, SER APENAS UMA LENDA,
MAS HOUVE UM TEMPO
EM QUE TUA PRÓPRIA IGREJA
TENTOU FAZER ALI CAPELA EM QUE SE ENSEJA
SEREM LÁGRIMAS VERTIDAS, NESSA SENDA
POR MARIA MADALENA,
UMA CONTENDA,
JÁ QUE OUTROS DIZIAM QUE TAL FONTE SEJA
AS LÁGRIMAS DA VIRGEM, QUE ASSIM BEIJA
O SOLO E O SANTIFICA...
LARGA FENDA
ENTRE DUAS RELIGIÕES, COMO CHAMAVAM,
ANTIGAMENTE, AS REGRAS PARA OS MONGES...
PARECE TER SIDO
ENTRE OS DOMINICANOS
E DEPOIS OS MAIS RECENTES FRANCISCANOS,
QUE ALI CHEGAVAM DE PARAGENS LONGES,
ENQUANTO OS BISPOS
TAL CONTENDA CONDENAVAM...
ARETHUSA III
FINALMENTE, FOI O PAPA CONSULTADO:
“DE QUEM SÃO ESSAS LÁGRIMAS VERTIDAS?”
QUE OCUPADO ENTÃO
COM OUTRAS LIDAS,
DECIDIU QUE TAL DISPUTA ERA UM PECADO.
NÃO SE TRATAVA DE TERRENO CONSAGRADO,
PORÉM DE PAGANISMO
COISAS TIDAS
E APÓS AS DUAS CAPELAS DEMOLIDAS
O OLHO D’ÁGUA
JULGARAM TER TAPADO...
CONTUDO, REBROTOU E AINDA BROTA,
HOJE DE LONGE
ALI AINDA CHEGAM NAMORADOS,
BEBENDO AS LÁGRIMAS PARA AMOR PERFEITO...
EMBORA PARA ALGUNS,
ISSO DENOTA
O PERIGO DE SEREM SEPARADOS,
O SAL E A DOR
A RESSALTAR CADA DEFEITO...
A fonte de Arethusa existe na Sicília, nas
ruínas da antiga Syracusa e ainda verte águas salgadas que namorados buscam; a
lenda diz de fato que os deuses transformaram nessa fonte uma jovem
desesperada. Asclépios é o Esculápio romano, o deus da medicina, filho de
Apolo.
COMO A CHUVA SERÔDIA I -- 6 JUL 2019 (*)
(*) Fora de tempo, inesperada.
Enquanto se esperava amor fosse perfeito,
se apressaram os sonhos, em sua saga incerta,
coletando desgostos, cada qual no próprio jeito,
tratando de povoar a vastidão deserta
que eu chamava de alma, que era mais mortalha,
em que poesia e música jaziam, lado a lado,
em restos de papiro, em pó que o vento espalha...
em cacos de emoção, em coração gelado...
E então surgiste tu, tão trêmula e assustada,
suplicando favores... inúteis, quase nada,
insegura de ti, mas conhecendo ao fundo
a glória do poder, a força do profundo
perfume da mulher que teu olhar mostrava:
que tudo umedeceu na alma que secava...
COMO A CHUVA SERÔDIA II
Ainda me pergunto qual dos dois,
interna tinha ao coração maior carência;
durante anos, agiste com prudência,
entrega havida, hesitaste ainda depois,
certo receio em teus olhos de chamois, (*)
um pergaminho mostrado em intermitência,
a armadilha preparada com consciência
ou inconsciente em tuas pupilas, pois
talvez nem a ti mesma confessasses
estar armando com cuidado o laço,
para que a presa não quisesse se escapar
ou ao contrário, nem ao menos suspeitasses
que era a presa que buscava teu abraço
e então, de súbito, te viesse agrilhoar!
(*) Camurça
COMO A CHUVA SERÔDIA III
Chegou a chuva serôdia, finalmente,
para regar meu peito já cansado,
que após a chuva ergueu-se, libertado,
de teu amor total ainda descrente.
Qual de nós dois então mais assustado,
por certo mal causar a algum parente;
sempre escutara ditado tão frequente:
um par feliz sempre deixa alguém magoado.
Mas tudo se enfrentou, desceu a chuva,
bosque de amor a brotar dentro da areia,
perfeito encaixe, qual a mão e a luva...
e ainda hoje aspiro o teu perfume,
umedecido pela chuva que semeia
a vida em mim, sem apagar-me o lume...
BROTAÇÃO I – 7
jul 2019
Não me deixes
secar, mulher feita de orvalho,
Teu corpo
almiscarado oculta tantas almas!...
Umas me querem
bem, outras são calmas,
Outras me
odeiam, outras me acham falho
Em relação ao
ideal que tomaste como talho,
Embora pela
vida o tal ideal que embalmas,
Por mais
buscado fosse, fugiu por entre as palmas:
De eventos
materiais a sofrer golpes de malho...
Mas para mim,
mulher, és pura inspiração,
Aquela que
molhou meus ossos ressecados
E neles
insuflou-me a vida novamente...
Não te afastes
de mim, tão só por negação
Dos
sentimentos puros, nas veias revelados,
Dessa chuva de
sangue que me explodiu na mente!...
Brotação ii
Os versos que
escrevi, não fôra o teu carinho,
Não fora a
inconsequência de inesperado amuo,
Jamais teriam
surgido, por mim só nao estuo,
Sou tão só um
verso teu, gravado com espinho.
E quando,
alguma vez, te escondes em escaninho
E vejo assim
rompido o laço desse duo,
Meu próprio
sonho seca e então aguo
As flores com
vinagre e não gotas de vinho.
Por dias de
abandono, fenece a brotação,
Apenas
emurchece a flor enlanguescida,
Artérias entupidas em torno ao coração,
Até que do
retiro te afastes e perfumes,
Após um longo
banho, a terra empedernida
E toda a minha
tristeza incenses e defumes...
Brotação iii
Mas nunca
sei ao certo qual de ti vou encontrar,
Certa
prudência a me servir de escudo,
Que serei
sempre amado, decerto não me iludo,
Algumas há de
ti capazes de me odiar...
Porém nao só
da chuva a flor irá brotar,
Precisa igual
do sol e seu ardor agudo
E mesmo o
vento, em seu zunir desnudo,
Necessário se
revela, parasitas a afastar...
Assim teus doppelgänger recebem igualmente (*)
Meu amor
acabrunhado, contudo inda sincero
E mesmo os
mais cruéis espectros da mente
De certo modo
sentem e deixam-se abalar
a retratar-se
então de tal assalto fero,
deixando o
próprio sangue a alma a me regar..
(*)
alter-egos, personalidades múltiplas
subsistência
I – 8 julho 2019
não
quero mais só alma, mulher:
quero
teu sangue
misturado
no meu, quero teus filhos!
que
sigas lado a lado os mesmos trilhos
que
longamente estive
a
palmilhar, exangue!...
quero
teu corpo assim,
ao meu
todo enlaçado,
como
enlaçado já está ao teu meu coração,
como sei
está o teu, inerme na emoção
a que
embora resistas, mantém atribulado
teu
corpo inteiro, que de enlaçar desejas!
por isso
te parece tal ânsia uma loucura,
porque é
incontrolável,
por mais
que lhe resistas.
tal o
desejo meu, tão puro de conquistas,
quanto
agora é feroz em recobrar ensejos
ao amor
permanente, que toda a vida dura!
subsistência
II
igual
desejo ao meu, por louco que pareça,
a
depender, assim, de tanta desistência
da
individualidade,
da
própria parecência,
ansiosamente
espero que em tua alma cresça,
que
nunca bruxuleie,
que
nunca se estremeça,
quando
cair a sombra na longa deiscência,
das
sementes da morte, em vasta permanência,
que
sobre a humanidade ela esparzir não cessa;
faz
parte do tratado que nossos pais firmaram
com a
Deusa Natura,
algoz
onipresente:
que
apenas nos conceda os anos que sobraram
de
quantos faleceram ainda em tenra idade
ou em
campos de batalha, de alguma praga ingente,
deixando
de viver na sua integridade!
subsistência
III
embora
as escrituras refiram patriarcas
subsistir
por séculos, logo isso terminou
o normal
da humanidade
muito
menor ficou,
as
décadas tornadas, de fato, bem mais parcas;
e embora
sobrevivas, com os achaques arcas
de tua
senectude,
que a
própria morte adiou...
tanto de
nós já houve que um tempo desejou
não mais
trazer do tempo as impiedosas marcas!
contudo,
ainda te peço
que
fiques a meu lado,
muito
depois que julgues não mais causar desejo,
que te mires
ao espelho em triste olhar cansado,
porque
ainda busco em ti,
com meu
olhar dolente,
a sombra
amargurada que nos teus olhos vejo
e nela
deposito o amor meu permanente...
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