sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 


 

ATRIBUIÇÃO I – 4 jul 2019

Insistes tanto que tantos defeitos

Maculam o teu ser e o teu caráter,

Que és inconstante qual esfíncter

Que não controla mais os dons perfeitos

Entrelaçados às rosáceas puras...

Mas é que não enxergas esses dotes

Terríveis a luzir, puros archotes

Que talvez só eu veja...  são agruras

 

Que terei de enfrentar, mas vencerei:

Vou colher o sorriso entre os trejeitos,

Vou transformar os males em bondades,

 

Porém teus dons inefáveis mostrarei...

E assim, podes mostrar-me os teus defeitos,

Porque eu te gozarei das qualidades...

 

ATRIBUIÇÃO II

Que tens defeitos, sei-o muito bem,

Existem no teu seio, é evidente,

Alguns deles de forma transparente,

Outros esconsos, igual como azevém

Permeado ao trigo, que a Bíblia vem

Chamar de joio e manda claramente

Separar do cereal que nos sustente,

Contudo ao gado sustentará também.

 

Entretanto, não és um campo arado,

No qual alguém semeou a plantação,

Mas cada falha tem lugar marcado,

 

De alguma qualidade bem ao lado,

Parte integrante de teu coração,

Que, retiradas, o deixam retalhado.

 

ATRIBUIÇÃO III

E como conhecer as qualidades,

Senão por cada falha constrastada?

Pois tudo é relativo nessa estrada,

Existe bem no fundo das maldades,

E para o mal soerguem-se bondades;

Se algo se corta da alma revelada,

A marca fica, não sendo completada

Por qualquer outra virtude ou falsidades.

 

Assim te amo, inteira, como és,

O que chamas de defeitos serão meus

E assim teu seio possuirei integralmente,

 

Nessa colheita pura de minhas fés,

Enquanto anseio que aceites como teus

Cada defeito que me dorme no inconsciente.

 

ARETHUSA I – 5 JUL 19

 

APENAS UMA ESCRAVA,

A JOVEM LUSITANA...

SUA ALDEIA DESTRUÍDA, LEVADA,

AINDA MENINA

E VENDIDA AOS EUNUCOS, PARA SER CONCUBINA

DO SUMO-SACERDOTE DE ASCLÉPIOS,

QUE SE UFANA

DE PRIMEIRO A POSSUIR,

PARA DEPOIS DEIXÁ-LA

AOS HÓSPEDES DO TEMPLO, ATÉ CHEGAR UM DIA

QUE UM PATRÍCIO ROMANO

A COMPROU E CONDUZIA

À CAPITAL DO MUNDO, QUERENDO DESPOSÁ-LA...

MAS QUANDO, FINALMENTE,

JULGAVA-SE FELIZ,

SEU AMOR MANDOU MATAR,

POR CIÚME, A IMPERATRIZ,

SEU CORAÇAO VAZANDO, EM PURO SENTIMENTO...

 

E ELA CHOROU, CHOROU,

QUAL CHORA O VENTO...

E AO VEREM TAIS LÁGRIMAS,

OS DEUSES SE APIEDARAM

E EM PERPÉTUA FONTE,

SALGADA AS TRANSFORMARAM...

 

ARETHUSA II

 

JULGAS, TALVEZ, SER APENAS UMA LENDA,

MAS HOUVE UM TEMPO

EM QUE TUA PRÓPRIA IGREJA

TENTOU FAZER ALI CAPELA EM QUE SE ENSEJA

SEREM LÁGRIMAS VERTIDAS, NESSA SENDA

POR MARIA MADALENA,

UMA CONTENDA,

JÁ QUE OUTROS DIZIAM QUE TAL FONTE SEJA

AS LÁGRIMAS DA VIRGEM, QUE ASSIM BEIJA

O SOLO E O SANTIFICA...

LARGA FENDA

ENTRE DUAS RELIGIÕES, COMO CHAMAVAM,

ANTIGAMENTE, AS REGRAS PARA OS MONGES...

 

PARECE TER SIDO

ENTRE OS DOMINICANOS

E DEPOIS OS MAIS RECENTES FRANCISCANOS,

QUE ALI CHEGAVAM DE PARAGENS LONGES,

ENQUANTO OS BISPOS

TAL CONTENDA CONDENAVAM...

 

ARETHUSA III

 

FINALMENTE, FOI O PAPA CONSULTADO:

“DE QUEM SÃO ESSAS LÁGRIMAS VERTIDAS?”

QUE OCUPADO ENTÃO

COM OUTRAS LIDAS,

DECIDIU QUE TAL DISPUTA ERA UM PECADO.

NÃO SE TRATAVA DE TERRENO CONSAGRADO,

PORÉM DE PAGANISMO

COISAS TIDAS

E APÓS AS DUAS CAPELAS DEMOLIDAS

O OLHO D’ÁGUA

JULGARAM TER TAPADO...

CONTUDO, REBROTOU E AINDA BROTA,

HOJE DE LONGE

ALI AINDA CHEGAM NAMORADOS,

BEBENDO AS LÁGRIMAS PARA AMOR PERFEITO...

 

EMBORA PARA ALGUNS,

ISSO DENOTA

O PERIGO DE SEREM SEPARADOS,

O SAL E A DOR

A RESSALTAR CADA DEFEITO...

 

A fonte de Arethusa existe na Sicília, nas ruínas da antiga Syracusa e ainda verte águas salgadas que namorados buscam; a lenda diz de fato que os deuses transformaram nessa fonte uma jovem desesperada.  Asclépios é o Esculápio romano, o deus da medicina, filho de Apolo.   

COMO A CHUVA SERÔDIA I -- 6 JUL 2019 (*)

(*) Fora de tempo, inesperada.

 

Enquanto se esperava amor fosse perfeito,

se apressaram os sonhos, em sua saga incerta,

coletando desgostos, cada qual no próprio jeito,

tratando de povoar a vastidão deserta

 

que eu chamava de alma, que era mais mortalha,

em que poesia e música jaziam, lado a lado,

em restos de papiro, em pó que o vento espalha...

em cacos de emoção, em coração gelado...

 

E então surgiste tu, tão trêmula e assustada,

suplicando favores... inúteis, quase nada,

insegura de ti, mas conhecendo ao fundo

 

a glória do poder, a força do profundo

perfume da mulher que teu olhar mostrava:

que tudo umedeceu na alma que secava...

 

COMO A CHUVA SERÔDIA II

 

Ainda me pergunto qual dos dois,

interna tinha ao coração maior carência;

durante anos, agiste com prudência,

entrega havida, hesitaste ainda depois,

 

certo receio em teus olhos de chamois, (*)

um pergaminho mostrado em intermitência,

a armadilha preparada com consciência

ou inconsciente em tuas pupilas, pois

 

talvez nem a ti mesma confessasses

estar armando com cuidado o laço,

para que a presa não quisesse se escapar

 

ou ao contrário, nem ao menos suspeitasses

que era a presa que buscava teu abraço

e então, de súbito, te viesse agrilhoar!

(*) Camurça

 

COMO A CHUVA SERÔDIA III

 

Chegou a chuva serôdia, finalmente,

para regar meu peito já cansado,

que após a chuva ergueu-se, libertado,

de teu amor total ainda descrente.

 

Qual de nós dois então mais assustado,

por certo mal causar a algum parente;

sempre escutara ditado tão frequente:

um par feliz sempre deixa alguém magoado.

 

Mas tudo se enfrentou, desceu a chuva,

bosque de amor a brotar dentro da areia,

perfeito encaixe, qual a mão e a luva...

 

e ainda hoje aspiro o teu perfume,

umedecido pela chuva que semeia

a vida em mim, sem apagar-me o lume...

 

BROTAÇÃO I – 7 jul 2019

 

Não me deixes secar, mulher feita de orvalho,

Teu corpo almiscarado oculta tantas almas!...

Umas me querem bem, outras são calmas,

Outras me odeiam, outras me acham falho

 

Em relação ao ideal que tomaste como talho,

Embora pela vida o tal ideal que embalmas,

Por mais buscado fosse, fugiu por entre as palmas:

De eventos materiais a sofrer golpes de malho...

 

Mas para mim, mulher, és pura inspiração,

Aquela que molhou meus ossos ressecados

E neles insuflou-me a vida novamente...

 

Não te afastes de mim, tão só por negação

Dos sentimentos puros, nas veias revelados,

Dessa chuva de sangue que me explodiu na mente!...

 

Brotação ii

 

Os versos que escrevi, não fôra o teu carinho,

Não fora a inconsequência de inesperado amuo,

Jamais teriam surgido, por mim só nao estuo,

Sou tão só um verso teu, gravado com espinho.

 

E quando, alguma vez, te escondes em escaninho

E vejo assim rompido o laço desse duo,

Meu próprio sonho seca e então aguo

As flores com vinagre e não gotas de vinho.

 

Por dias de abandono, fenece a brotação,

Apenas emurchece a flor enlanguescida,

Artérias  entupidas em torno ao coração,

 

Até que do retiro te afastes e perfumes,

Após um longo banho, a terra empedernida

E toda a minha tristeza incenses e defumes...

 

Brotação iii

 

Mas nunca sei  ao certo qual de ti vou encontrar,

Certa prudência a me servir de escudo,

Que serei sempre amado, decerto não me iludo,

Algumas há de ti capazes de me odiar...

 

Porém nao só da chuva a flor irá brotar,

Precisa igual do sol e seu ardor agudo

E mesmo o vento, em seu zunir desnudo,

Necessário se revela, parasitas a afastar...

 

Assim teus doppelgänger  recebem igualmente (*)

Meu amor acabrunhado, contudo inda sincero

E mesmo os mais cruéis espectros da mente

 

De certo modo sentem e deixam-se abalar

a retratar-se então de tal assalto fero,

deixando o próprio sangue a alma a me regar..

(*) alter-egos, personalidades múltiplas

 

subsistência I – 8 julho 2019 

não quero mais só alma, mulher:

quero teu sangue

misturado no meu, quero teus filhos!

que sigas lado a lado os mesmos trilhos

que longamente estive

a palmilhar, exangue!...

quero teu corpo assim,

ao meu todo enlaçado,

como enlaçado já está ao teu meu coração,

como sei está o teu, inerme na emoção

a que embora resistas, mantém atribulado

teu corpo inteiro, que de enlaçar desejas!

por isso te parece tal ânsia uma loucura,

porque é incontrolável,

por mais que lhe resistas.

tal o desejo meu, tão puro de conquistas,

quanto agora é feroz em recobrar ensejos

ao amor permanente, que toda a vida dura!

 

subsistência II

igual desejo ao meu, por louco que pareça,

a depender, assim, de tanta desistência

da individualidade,

da própria parecência,

ansiosamente espero que em tua alma cresça,

que nunca bruxuleie,

que nunca se estremeça,

quando cair a sombra na longa deiscência,

das sementes da morte, em vasta permanência,

que sobre a humanidade ela esparzir não cessa;

faz parte do tratado que nossos pais firmaram

com a Deusa Natura,

algoz onipresente:

que apenas nos conceda os anos que sobraram

de quantos faleceram ainda em tenra idade

ou em campos de batalha, de alguma praga ingente,

deixando de viver na sua integridade!

 

subsistência III

embora as escrituras refiram patriarcas

subsistir por séculos, logo isso terminou

o normal da humanidade

muito menor ficou,

as décadas tornadas, de fato, bem mais parcas;

e embora sobrevivas, com os achaques arcas

de tua senectude,

que a própria morte adiou...

tanto de nós já houve que um tempo desejou

não mais trazer do tempo as impiedosas marcas!

contudo, ainda te peço

que fiques a meu lado,

muito depois que julgues não mais causar desejo,

que te mires ao espelho em triste olhar cansado,

porque ainda busco em ti,

com meu olhar dolente,

a sombra amargurada que nos teus olhos vejo

e nela deposito o amor meu permanente...

 


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