terça-feira, 27 de outubro de 2020


 

 

AGROMANCIA I – 22 jul 19

 

Realmente é difícil esperar o que se espera

Quando aquilo que se espera, se espera realmente,

Quando o que se deseja, deseja estar presente,

Quando o presente apenas a espera concedera...

 

Mesmo que saiba a espera um dia recompensa

Concederá ao que espera, tão cheio de impaciência,

É duro te esperar, apenas na consciência

Tua imagem resguardar, lembrar quando se pensa

 

E esquecer tantas vezes ao longo de um só dia

Imagem que retorna de espera revestida,

Imagem de aguardança na mente tão sofrida;

 

Esquecer de esperar por quanto mais se aguarda,

Esperar de esquecer o gume da alabarda

Que corta a espera e esquece o corte da agonia.

 

AGROMANCIA II

 

Encantamento da terra é agromancia,

Uma forma de aplacar a deusa Geia,

Uma forma de incluir certa epopeia

Em cada rasgo dessa forma de magia,

 

Pois pela terra se espera a cada dia,

Não saltam flores como em alcateia,

Mas lentamente a planta assim floreia,

Timidamente a oferecer-nos sua valia.

 

E nos campos semeia-se a colheita,

Um espantalho os corvos a espantar,

Um espanto lento para quem tem fome,

 

O granizo e a tempestade sempre à espreita,

Feitiço manso destarte a propiciar,

Até que o trigo nasce e o joio some.

 

AGROMANCIA III

 

De modo igual é a espera pela dama,

Que a geada e o vento podem denegar,

A geada do ciúme, o vento em cada olhar,

Nessa espera dolorosa que a reclama.

 

Tanta paciência e persistente gama

De um esforço para o campo cultivar,

De seu calor na espera a continuar,

De calúnia qualquer cortando a grama.

 

E assim espero na espera da esperança,

Assim desejo desejar o seu desejo,

Assim aguardo no aguardo da aguardança,

 

Sobre os campos de sua alma ainda a semear

Essa semente de cristalino beijo

Que me permita seu carinho acarinhar!

 

DELEÇÃO  I – 23 julho 2019

 

UMA PASTA APAGOU-SE, DESUSADA

DEPOIS DE TANTOS MESES, QUE SERVIA

PARA ENVIAR SONETOS A MIM MESMO,

JÁ QUE ABRI-LA NÃO TINHA MAIS BUSCADO.

 

E AGORA VEIO ESTA MENSAGEM: APAGADO,

TORNOU-SE TUDO, MAS CÓPIAS FIZ A ESMO

E DESSA FORMA ME FORAM DE VALIA,

APÓS A PASTA  MORTA E ABANDONADA.

 

POIS FOSTE TU, EM DIA ANTIGO, QUE A INICIASTE!

E  DE NOS COMUNICAR DEIXEI, PORÉM,

POR UM CAPRICHO OU TÃO SÓ  DESARMONIA...

 

E AGORA ELA SE FOI... A PASTA QUE CRIASTE

E FICO A IMAGINAR... SERÁ QUE UM DIA,

QUEM A CRIOU SE APAGARÁ TAMBÉM?

 

DELEÇÃO II

 

EM CADA PASTA ENCONTRA-SE UM DESEJO,

EM CADA ARQUIVO SE REGISTRA UM SONHO,

EM CADA DESISTÊNCIA, ALGO MEDONHO,

PARTE DE NÓS QUE SE APAGA NESSE ENSEJO.

 

E TAL ARQUIVO QUE SE FOI E NÃO MAIS VEJO

SEMPRE GUARDAVA EM SI QUALQUER BISONHO

TRAÇO DE MIM, UM PROJETO QUE PROPONHO,

QUE NESSE ADIAR POR MIM NADA PROTEJO.

 

MAS QUALQUER OUTRO INTERESSE ARREBATOU-ME,

DESPERDIÇADO ASSIM O TEMPO DESSA ESPERA,

ATÉ QUE ALGUM PROGRAMA, ARGUTA FERA

 

O PRÓPRIO ACESSO AOS DADOS DENEGOU-ME,

TALVEZ APENAS PARA POUPAR ESPAÇO

OU COM MALÍCIA DENEGAR-ME TEU ABRAÇO!

 

DELEÇÃO III

 

NÃO QUE O INTERESSE SE FOSSE TOTALMENTE

POR QUEM OS HAVIA CRIADO COM PRESTEZA,

PORÉM NÃO HOUVE JAMAIS GRADA CERTEZA

NESSA AMIZADE E CARINHO PERSISTENTE.

 

E COMO EU SELECIONO, CERTAMENTE,

CADA POEMA ALI ESCRITO COM CLAREZA

E O REGISTRO EM BACKUP PARA A MESA,

QUAL EM DESPENSA DE RESERVA PERMANENTE

 

DE TAL ARQUIVO ACABEI POR ME ESQUECER,

ENTRE CENTENAS SE ENCONTRAVA A PASTA

E NEM PENSEI QUE PUDERA SE APAGAR

 

QUEM INTERESSE DEMONSTRARA AO CONCEBER,

E ASSIM O DISCO RÍGIDO DEU-ME UM BASTA,

MINHA PRÓPRIA MENTE DESSA PASTA A SE CANSAR...

 

INDEFERIDO I – 24 JUL 19

 

Se um dia retornares, meiga estrela,

que não me busca nunca e nem permite

que empós ela eu vá, mesmo que incite,

na comissura dos lábios, uma bela

 

sugestão de sorriso, que um laivo dite,

de sugestão de amor provindo dela,

numa frase final, que desconfiança sela

do que ela sente...  um sorriso que admite

 

no ergástulo frio da pálida esperança,

tudo o que me promete... que não confia

em si própria ela mesma, por saber

 

como muda de humores, sem tardança...

quero que saibas, porém, com nostalgia,

que eu confiarei em ti... até morrer.

 

INDEFERIDO II

 

Deste modo, enviada a petição,

o protocolo seguido com clareza,

indeferida foi, sem gentileza,

sem meu direito conferir nessa ocasião.

 

E que fazer, senão a renovação,

vazada em outros termos, com presteza,

talvez dessa juíza que me lesa

modificassem sua interpretação.

 

Que tal sorriso que o final assina

outro carimbo preferisse usar

e conceder-me, então, oposta sina,

 

deferindo para mim consentimento,

esquecido seu primeiro denegar

e partilhasse de meu próprio sentimento.

 

INDEFERIDO III

 

Talvez não queira a responsabilidade

de dar a este caso aceitação,

ou ao contrário, repetir a negação:

sabe a que ponto oscila sua vontade.

 

Quiçá, então, se declare, na verdade,

impedida para julgar tal petição,

que lhe confunda tal conotação

que ter prefira a imparcialidade.

 

Assim imersa nessa desconfiança,

temendo dar ou indeferir amor,

transferir o julgamento sem tardança

 

e que ao invés do amor que sempre quis,

não se decida então a meu favor,

porém que a Judas nomeie por juiz!...

 

VENIAGA  I – 25 jul 19 (*)

(*) Mercadoria

 

Eu sei que pela vida os mais fogosos

Se esforçam por ganhar um corpo, um beijo

E tanto mais se esforçam se o desejo

Lhes é frustrado em momentos cobiçosos.

 

E que, após a conquista, tal anseio

Empalidece e murcha e novos alvos

Se põem a perseguir... esses papalvos,

Que abandonam seus tesouros de permeio...

 

Eu sei que os outros buscam; como cegam

A sua razão, como se orgulham disso,

Mas quando ganham, sentem um vazio.

 

Quanto a mim, não valorizo o que me negam.

Posso até insistir... lutar por isso,

Mas se ganhar enfim, cresce meu brio.

 

VENIAGA II

 

E com o brio, só cresce a gratidão,

Não fico a comentar se consegui,

Salvo em sonetos, que muitos redigi,

Sem mencionar de quem veio o galardão.

 

E francamente, como saberão

Se esse amor que em tantos versos descrevi

É o amor de uma ou muitas que narro aqui,

Ou simplesmente minha imaginação?

 

Na realidade, minha mercadoria,

Ou como a intitulei, minha veniaga,

Não é a mulher tornada em objeto,

 

Mas sim o artesanato que faria

Em ocasião feliz ou mesmo aziaga,

De mais sílabas baralhadas em soneto.

 

VENIAGA III

 

Diversa vejo agir a propaganda:

Faz do corpo da mulher um objeto.

Essa nudez vendida em abjeto

Comercialismo me parece ser nefanda.

 

Não é o sexual propalado nessa banda,

Só o material, pelo lucro tendo afeto;

Perante a objetiva, o corpo é inseto,

Que, duplicado, aos quatro céus se manda.

 

Mas para mim é sagrada essa nudez,

Pois nela vejo o esplendor da raça

Humana, que uma só apenas há.

 

E se um amor me foi dado certa vez,

Não é orgulho que sinto se me abraça,

Porém respeito ao prazer que então me dá.

 

VELÓRIO I – 26 jul 2019

 

E eu me ponho a insistir pelo teu beijo...

Que seja voluntário e casto e puro,

Que sejas tu a preparar o ensejo

Por me deixar colher fruto maduro,

 

Guardado para mim e tão negado:

Esse fruto de dúvida e incerteza,

Esse fruto, que em suspiro devorado

Não se consumirá, porém nobreza

 

Há de gerar maior que a dor do mundo;

Será um beijo de amor tal que não houve

Na vida tua e minha até agora;

 

Será um beijo de esplendor profundo,

Que dê louvor a ti e a mim não louve,

Porque esse beijo me deste e foste embora.

 

VELÓRIO II

 

Até que ponto existe amor na despedida?

Seria um beijo tão só consolação?

Seria o beijo um destilado de emoção,

Um coquetel de solidão vertida?

 

Seria o beijo só epílogo e saída,

Último ato da representação,

Coadjuvante da projetada ação,

Quando a protagonista é uma ferida

 

Rasgada em mim pelos lábios desse beijo, (*)

Que um sonho evaporou em sua saliva,

Gerando apenas o ressaibo do desejo,

 

Como o cachê do triste antagonista,

Que mesmo ator, o sonho ainda ativa

De amor real por quem não mais avista.

(*) Jogo de palavras com “lábios de ferida”.

 

VELÓRIO III

 

Assim te busco, no final da peça;

As palmas já bateram e estou só

No palco penumbroso, nenhum dó

Sentido por plateia que se apressa

 

Para interesses que usufruir não cessa,

Enquanto em fico em maranha de cipó,

Minha esperança de amor tornada em pó,

Que após a estreia é forçoso que se esqueça.

 

Mas não queria assim, que realmente

Tivera um beijo fora dos ensaios,

Sem spotlight ou holofote em face,

 

Um beijo dado então sinceramente,

Que em meu sangue fervilhasse doces raios

No mesmo fervilhar de quem me abrace.

 

FIDALGA I – 27 JUL 2019

 

NEM SEI O QUE ESCREVER NA MADRUGADA,

GÉLIDA CHAMA QUE INSUFLOU MEU PEITO

DE PÉRFIDA MALÍCIA, DE ESCORREIRO

BEIJO DE VENTO NAS FACES DA ALVORADA. 

NEM SEI O QUE ESCREVER NESTA HORA FRIA,

SE DEVO DESCREVER O QUE PERPASSA

PELA MINHA MENTE, SE ME SATISFAÇA

REDIGIR TÃO SOMENTE O QUE SENTIA

EM TAL MOMENTO DE ESTRANHA EXALTAÇÃO,

NO QUAL TÃO CLARAMENTE CONFESSASTE

O QUE SENTIAS POR MIM; TÃO SURPREENDENTE

QUE ACABASSES REVELANDO ESSA EMOÇÃO

COM QUE TANTA NOBREZA A MIM HONRASTE,

PARA FUGIRES DEPOIS, COMPLETAMENTE.

 

FIDALGA II

 

TUDO PORQUE, APÓS FEITA A CONFISSÃO

A PADRE OCULTO EM SEU CONFESSIONÁRIO,

NÃO MAIS SE BUSCA OUTRO BEIJO TER DIÁRIO,

MAS TÃO SOMENTE A SUA ABSOLVIÇÃO.

ASSIM SE AMOR ME CONFESSASTE NA OCASIÃO,

QUAL UM PRESENTE QUE SE DÁ EM ANIVERSÁRIO,

COM UM ABRAÇO TÃO SÓ CONSUETUDINÁRIO,

E TE IMISCUISTE, A SEGUIR, NA MULTIDÃO,

PENSASTE EM MIM QUAL FORA UM SACERDOTE,

ESCONSO ATRÁS DA GRADE DE MADEIRA,

QUE O IMPEDIA ASSIM DE DAR UM BOTE,

COMO UM PECADO QUE UM FINAL PORIA

NA DIMENSÃO DE TUA PARTIDA DERRADEIRA,

MAS DO QUAL NUNCA EU TE ABSOLVERIA.

 

FIDALGA III

 

TOMADO ASSIM O PALCO COMO IGREJA,

TODA A PLATEIA UMA CONGREGAÇÃO,

À ESPERA DE CATARSE EM COMUNHÃO,

INDIFERENTE À DOR QUE ASSIM POREJA

PARA QUEM RESTOS DESSA AÇÃO SE ENSEJA,

COMO OS BOCADOS DE AZEDA REFEIÇÃO,

NOS PRATOS A MOFAR SEM COMPAIXÃO,

ASSIM AO ATOR QUE PARTIR NÃO DESEJA.

E NO ENTRETANTO, PERCEBO A HONRA ESTRANHA

CONTIDA NESSA ÍMPIA CONFISSÃO,

DA DEUSA ANTIGA O INVERTIDO SACRIFÍCIO,

QUE EM MIM GERASSE GRATIDÃO TAMANHA,

NA HUMILDADE PERANTE O BENEFÍCIO

DESSE BEIJO A DILUIR TODA A ILUSÃO.

 

DISSIDÊNCIA I – 28 JUL 2019

 

O que fazer com meu amor de outono?

Se ao menos fosse fácil, quando o sono

Finalmente a outro reino me conduz

E me percebo caminhando à luz

 

Desses teus olhos mornos e salgados,

Teus passos junto aos meus, descompassados

Por sentimentos de tanta variação,

Por vezes já rendida, de outras não

 

Mais brincadeira de um vago sentimento...

Quando o alvo atinges apenas um momento

Te tornas dadivosa; mas pronto se retrai

 

Essa inconstância tua; e logo sai

De novo de tua boca o hálito da espera.

E a alma se encolhe enquanto o peito reverbera.

 

DISSIDÊNCIA II

 

Amor de outono nos traz certa impaciência,

Já que o inverno depressa se aproxima;

Só a humana raça traz a estranha sina:

Reproduzir-se assim sem previdência

 

Pelo frescor da primavera intensa;

Somente a nós o vasto ardor domina,

Os animais mantêm a espera fina

De que antes passe a frialdde densa.

 

Amor de outono, perante a biologia

É quase uma blasfêmia, que o calor

De algum verão talvez possa impedir

 

Que o fruto desse amor que se inicia

Vingar consiga permeio a seu suor,

Morta a esperança em seu frágil luzir.

 

DISSIDÊNCIA III

 

Destarte o teu amor não se daria:

Queria ser amor de algum verão,

Para gerar, em tranquila gestação

A nova vida que em teu ventre se inicia.

 

Esse instinto na mulher tem mais valia,

Mesmo sendo abandonado por razão,

Enquanto os homens, com mais frequência, são

Inconscientes do que o amor lhes propicia.

 

Seu impulso é querer posse de imediato,

Que neles age instintivamente

E só depois se pensa em descendência.

 

Mas sabendo o que te afasta do contato,

Só me resta aguardar pacientemente

Por esse beijo de calidez e redolência.

 

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