AGROMANCIA I – 22 jul 19
Realmente é difícil esperar o
que se espera
Quando aquilo que se espera, se
espera realmente,
Quando o que se deseja, deseja
estar presente,
Quando o presente apenas a
espera concedera...
Mesmo que saiba a espera um dia
recompensa
Concederá ao que espera, tão
cheio de impaciência,
É duro te esperar, apenas na
consciência
Tua imagem resguardar, lembrar
quando se pensa
E esquecer tantas vezes ao
longo de um só dia
Imagem que retorna de espera
revestida,
Imagem de aguardança na mente
tão sofrida;
Esquecer de esperar por quanto
mais se aguarda,
Esperar de esquecer o gume da
alabarda
Que corta a espera e esquece o
corte da agonia.
AGROMANCIA II
Encantamento da terra é
agromancia,
Uma forma de aplacar a deusa
Geia,
Uma forma de incluir certa
epopeia
Em cada rasgo dessa forma de
magia,
Pois pela terra se espera a
cada dia,
Não saltam flores como em
alcateia,
Mas lentamente a planta assim
floreia,
Timidamente a oferecer-nos sua
valia.
E nos campos semeia-se a
colheita,
Um espantalho os corvos a
espantar,
Um espanto lento para quem tem
fome,
O granizo e a tempestade sempre
à espreita,
Feitiço manso destarte a
propiciar,
Até que o trigo nasce e o joio
some.
AGROMANCIA III
De modo igual é a espera pela
dama,
Que a geada e o vento podem
denegar,
A geada do ciúme, o vento em
cada olhar,
Nessa espera dolorosa que a
reclama.
Tanta paciência e persistente
gama
De um esforço para o campo
cultivar,
De seu calor na espera a
continuar,
De calúnia qualquer cortando a
grama.
E assim espero na espera da
esperança,
Assim desejo desejar o seu
desejo,
Assim aguardo no aguardo da
aguardança,
Sobre os campos de sua alma
ainda a semear
Essa semente de cristalino
beijo
Que me permita seu carinho
acarinhar!
DELEÇÃO
I – 23 julho 2019
UMA PASTA APAGOU-SE, DESUSADA
DEPOIS DE TANTOS MESES, QUE SERVIA
PARA ENVIAR SONETOS A MIM MESMO,
JÁ QUE ABRI-LA NÃO TINHA MAIS BUSCADO.
E AGORA VEIO ESTA MENSAGEM: APAGADO,
TORNOU-SE TUDO, MAS CÓPIAS FIZ A ESMO
E DESSA FORMA ME FORAM DE VALIA,
APÓS A PASTA MORTA E ABANDONADA.
POIS FOSTE TU, EM DIA ANTIGO, QUE A
INICIASTE!
E DE
NOS COMUNICAR DEIXEI, PORÉM,
POR UM CAPRICHO OU TÃO SÓ DESARMONIA...
E AGORA ELA SE FOI... A PASTA QUE CRIASTE
E FICO A IMAGINAR... SERÁ QUE UM DIA,
QUEM A CRIOU SE APAGARÁ TAMBÉM?
DELEÇÃO II
EM CADA PASTA ENCONTRA-SE UM DESEJO,
EM CADA ARQUIVO SE REGISTRA UM SONHO,
EM CADA DESISTÊNCIA, ALGO MEDONHO,
PARTE DE NÓS QUE SE APAGA NESSE ENSEJO.
E TAL ARQUIVO QUE SE FOI E NÃO MAIS VEJO
SEMPRE GUARDAVA EM SI QUALQUER BISONHO
TRAÇO DE MIM, UM PROJETO QUE PROPONHO,
QUE NESSE ADIAR POR MIM NADA PROTEJO.
MAS QUALQUER OUTRO INTERESSE ARREBATOU-ME,
DESPERDIÇADO ASSIM O TEMPO DESSA ESPERA,
ATÉ QUE ALGUM PROGRAMA, ARGUTA FERA
O PRÓPRIO ACESSO AOS DADOS DENEGOU-ME,
TALVEZ APENAS PARA POUPAR ESPAÇO
OU COM MALÍCIA DENEGAR-ME TEU ABRAÇO!
DELEÇÃO III
NÃO QUE O INTERESSE SE FOSSE TOTALMENTE
POR QUEM OS HAVIA CRIADO COM PRESTEZA,
PORÉM NÃO HOUVE JAMAIS GRADA CERTEZA
NESSA AMIZADE E CARINHO PERSISTENTE.
E COMO EU SELECIONO, CERTAMENTE,
CADA POEMA ALI ESCRITO COM CLAREZA
E O REGISTRO EM BACKUP PARA A MESA,
QUAL EM DESPENSA DE RESERVA PERMANENTE
DE TAL ARQUIVO ACABEI POR ME ESQUECER,
ENTRE CENTENAS SE ENCONTRAVA A PASTA
E NEM PENSEI QUE PUDERA SE APAGAR
QUEM INTERESSE DEMONSTRARA AO CONCEBER,
E ASSIM O DISCO RÍGIDO DEU-ME UM BASTA,
MINHA PRÓPRIA MENTE DESSA PASTA A SE
CANSAR...
INDEFERIDO I – 24 JUL 19
Se um dia retornares, meiga estrela,
que não me busca nunca e nem permite
que empós ela eu vá, mesmo que incite,
na comissura dos lábios, uma bela
sugestão de sorriso, que um laivo dite,
de sugestão de amor provindo dela,
numa frase final, que desconfiança sela
do que ela sente... um
sorriso que admite
no ergástulo frio da pálida esperança,
tudo o que me promete... que não confia
em si própria ela mesma, por saber
como muda de humores, sem tardança...
quero que saibas, porém, com nostalgia,
que eu confiarei em ti... até morrer.
INDEFERIDO II
Deste modo, enviada a petição,
o protocolo seguido com clareza,
indeferida foi, sem gentileza,
sem meu direito conferir nessa ocasião.
E que fazer, senão a renovação,
vazada em outros termos, com presteza,
talvez dessa juíza que me lesa
modificassem sua interpretação.
Que tal sorriso que o final assina
outro carimbo preferisse usar
e conceder-me, então, oposta sina,
deferindo para mim consentimento,
esquecido seu primeiro denegar
e partilhasse de meu próprio sentimento.
INDEFERIDO III
Talvez não queira a responsabilidade
de dar a este caso aceitação,
ou ao contrário, repetir a negação:
sabe a que ponto oscila sua vontade.
Quiçá, então, se declare, na verdade,
impedida para julgar tal petição,
que lhe confunda tal conotação
que ter prefira a imparcialidade.
Assim imersa nessa desconfiança,
temendo dar ou indeferir amor,
transferir o julgamento sem tardança
e que ao invés do amor que sempre quis,
não se decida então a meu favor,
porém que a Judas nomeie por juiz!...
VENIAGA I – 25 jul 19 (*)
(*) Mercadoria
Eu sei que pela vida os mais
fogosos
Se esforçam por ganhar um
corpo, um beijo
E tanto mais se esforçam se o
desejo
Lhes é frustrado em momentos
cobiçosos.
E que, após a conquista, tal
anseio
Empalidece e murcha e novos
alvos
Se põem a perseguir... esses
papalvos,
Que abandonam seus tesouros de
permeio...
Eu sei que os outros buscam;
como cegam
A sua razão, como se orgulham
disso,
Mas quando ganham, sentem um
vazio.
Quanto a mim, não valorizo o
que me negam.
Posso até insistir... lutar por
isso,
Mas se ganhar enfim, cresce meu
brio.
VENIAGA II
E com o brio, só cresce a
gratidão,
Não fico a comentar se
consegui,
Salvo em sonetos, que muitos
redigi,
Sem mencionar de quem veio o
galardão.
E francamente, como saberão
Se esse amor que em tantos
versos descrevi
É o amor de uma ou muitas que
narro aqui,
Ou simplesmente minha
imaginação?
Na realidade, minha mercadoria,
Ou como a intitulei, minha
veniaga,
Não é a mulher tornada em
objeto,
Mas sim o artesanato que faria
Em ocasião feliz ou mesmo
aziaga,
De mais sílabas baralhadas em
soneto.
VENIAGA III
Diversa vejo agir a propaganda:
Faz do corpo da mulher um
objeto.
Essa nudez vendida em abjeto
Comercialismo me parece ser
nefanda.
Não é o sexual propalado nessa
banda,
Só o material, pelo lucro tendo
afeto;
Perante a objetiva, o corpo é
inseto,
Que, duplicado, aos quatro céus
se manda.
Mas para mim é sagrada essa
nudez,
Pois nela vejo o esplendor da
raça
Humana, que uma só apenas há.
E se um amor me foi dado certa
vez,
Não é orgulho que sinto se me
abraça,
Porém respeito ao prazer que
então me dá.
VELÓRIO I – 26 jul 2019
E eu me ponho a insistir
pelo teu beijo...
Que seja voluntário e
casto e puro,
Que sejas tu a preparar o
ensejo
Por me deixar colher
fruto maduro,
Guardado para mim e tão
negado:
Esse fruto de dúvida e
incerteza,
Esse fruto, que em
suspiro devorado
Não se consumirá, porém
nobreza
Há de gerar maior que a
dor do mundo;
Será um beijo de amor tal
que não houve
Na vida tua e minha até
agora;
Será um beijo de
esplendor profundo,
Que dê louvor a ti e a
mim não louve,
Porque esse beijo me
deste e foste embora.
VELÓRIO II
Até que ponto existe amor
na despedida?
Seria um beijo tão só
consolação?
Seria o beijo um
destilado de emoção,
Um coquetel de solidão
vertida?
Seria o beijo só epílogo
e saída,
Último ato da
representação,
Coadjuvante da projetada
ação,
Quando a protagonista é
uma ferida
Rasgada em mim pelos
lábios desse beijo, (*)
Que um sonho evaporou em
sua saliva,
Gerando apenas o ressaibo
do desejo,
Como o cachê do triste
antagonista,
Que mesmo ator, o sonho
ainda ativa
De amor real por quem não
mais avista.
(*) Jogo de palavras com
“lábios de ferida”.
VELÓRIO III
Assim te busco, no final
da peça;
As palmas já bateram e
estou só
No palco penumbroso,
nenhum dó
Sentido por plateia que
se apressa
Para interesses que
usufruir não cessa,
Enquanto em fico em
maranha de cipó,
Minha esperança de amor
tornada em pó,
Que após a estreia é
forçoso que se esqueça.
Mas não queria assim, que
realmente
Tivera um beijo fora dos
ensaios,
Sem spotlight ou holofote em face,
Um beijo dado então
sinceramente,
Que em meu sangue
fervilhasse doces raios
No mesmo fervilhar de
quem me abrace.
FIDALGA I –
27 JUL 2019
NEM SEI O QUE
ESCREVER NA MADRUGADA,
GÉLIDA CHAMA
QUE INSUFLOU MEU PEITO
DE PÉRFIDA
MALÍCIA, DE ESCORREIRO
BEIJO DE
VENTO NAS FACES DA ALVORADA.
NEM SEI O QUE ESCREVER NESTA HORA
FRIA,
SE DEVO DESCREVER O QUE PERPASSA
PELA MINHA MENTE, SE ME SATISFAÇA
REDIGIR TÃO SOMENTE O QUE SENTIA
EM TAL MOMENTO DE ESTRANHA EXALTAÇÃO,
NO QUAL TÃO CLARAMENTE CONFESSASTE
O QUE SENTIAS POR MIM; TÃO
SURPREENDENTE
QUE ACABASSES REVELANDO ESSA EMOÇÃO
COM QUE TANTA NOBREZA A MIM HONRASTE,
PARA FUGIRES DEPOIS, COMPLETAMENTE.
FIDALGA II
TUDO PORQUE,
APÓS FEITA A CONFISSÃO
A PADRE
OCULTO EM SEU CONFESSIONÁRIO,
NÃO MAIS SE
BUSCA OUTRO BEIJO TER DIÁRIO,
MAS TÃO
SOMENTE A SUA ABSOLVIÇÃO.
ASSIM SE AMOR
ME CONFESSASTE NA OCASIÃO,
QUAL UM
PRESENTE QUE SE DÁ EM ANIVERSÁRIO,
COM UM ABRAÇO
TÃO SÓ CONSUETUDINÁRIO,
E TE
IMISCUISTE, A SEGUIR, NA MULTIDÃO,
PENSASTE EM
MIM QUAL FORA UM SACERDOTE,
ESCONSO ATRÁS
DA GRADE DE MADEIRA,
QUE O IMPEDIA
ASSIM DE DAR UM BOTE,
COMO UM
PECADO QUE UM FINAL PORIA
NA DIMENSÃO
DE TUA PARTIDA DERRADEIRA,
MAS DO QUAL
NUNCA EU TE ABSOLVERIA.
FIDALGA III
TOMADO ASSIM
O PALCO COMO IGREJA,
TODA A
PLATEIA UMA CONGREGAÇÃO,
À ESPERA DE
CATARSE EM COMUNHÃO,
INDIFERENTE À
DOR QUE ASSIM POREJA
PARA QUEM
RESTOS DESSA AÇÃO SE ENSEJA,
COMO OS
BOCADOS DE AZEDA REFEIÇÃO,
NOS PRATOS A
MOFAR SEM COMPAIXÃO,
ASSIM AO ATOR
QUE PARTIR NÃO DESEJA.
E NO
ENTRETANTO, PERCEBO A HONRA ESTRANHA
CONTIDA NESSA
ÍMPIA CONFISSÃO,
DA DEUSA
ANTIGA O INVERTIDO SACRIFÍCIO,
QUE EM MIM
GERASSE GRATIDÃO TAMANHA,
NA HUMILDADE
PERANTE O BENEFÍCIO
DESSE BEIJO A
DILUIR TODA A ILUSÃO.
DISSIDÊNCIA I – 28 JUL 2019
O que fazer com meu
amor de outono?
Se ao menos fosse
fácil, quando o sono
Finalmente a outro
reino me conduz
E me percebo
caminhando à luz
Desses teus olhos
mornos e salgados,
Teus passos junto
aos meus, descompassados
Por sentimentos de
tanta variação,
Por vezes já
rendida, de outras não
Mais brincadeira de
um vago sentimento...
Quando o alvo
atinges apenas um momento
Te tornas dadivosa;
mas pronto se retrai
Essa inconstância
tua; e logo sai
De novo de tua boca
o hálito da espera.
E a alma se encolhe
enquanto o peito reverbera.
DISSIDÊNCIA II
Amor de outono nos
traz certa impaciência,
Já que o inverno
depressa se aproxima;
Só a humana raça
traz a estranha sina:
Reproduzir-se assim
sem previdência
Pelo frescor da
primavera intensa;
Somente a nós o
vasto ardor domina,
Os animais mantêm a
espera fina
De que antes passe
a frialdde densa.
Amor de outono,
perante a biologia
É quase uma
blasfêmia, que o calor
De algum verão
talvez possa impedir
Que o fruto desse
amor que se inicia
Vingar consiga
permeio a seu suor,
Morta a esperança
em seu frágil luzir.
DISSIDÊNCIA III
Destarte o teu amor
não se daria:
Queria ser amor de
algum verão,
Para gerar, em
tranquila gestação
A nova vida que em
teu ventre se inicia.
Esse instinto na
mulher tem mais valia,
Mesmo sendo
abandonado por razão,
Enquanto os homens,
com mais frequência, são
Inconscientes do
que o amor lhes propicia.
Seu impulso é
querer posse de imediato,
Que neles age
instintivamente
E só depois se
pensa em descendência.
Mas sabendo o que
te afasta do contato,
Só me resta
aguardar pacientemente
Por esse beijo de
calidez e redolência.
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