A FADA ARANHA -- Primeira parte de 4
(Conto fantástico original de William Lagos,
10 out 14, embora contenha os habituais elementos dos contos de fadas e leves
homenagens a Alighieri e a Borges. Esta
história foi sonhada em partes durante duas noites. A “água de angústia” é citada
na Escritura Sagrada.)
A FADA ARANHA I
Era uma vez, em um país distante,
uma pobre mulher, que nem sabia
se era casada ou ficara viúva;
de seu marido só recebera a luva
de ferro, que era então chamada “guante”,
e fora achada no campo de batalha...
Com grande brio ao inimigo espalha
perante o si o garboso Leothar,
o exército do rei a comandar,
numa vitória que ao reino salvaria!...
Diziam alguns que Leothar era
prisioneiro;
outros falavam que, sendo canibais
seus inimigos, fora preso e devorado;
mas o certo é que não fora achado;
e por ter raiva dele, o tesoureiro
suspendera o seu soldo, por despeito
e à viúva negara qualquer direito:
não merecia o soldo por lutar
e nem pensão por um vivo iria pagar,
amparado em certas leis imemoriais...
O próprio rei por Leothar nutria inveja,
pois entre as tropas era muito popular;
e algumas vezes, até perdia o sono
pelo temor que lhe tomasse o trono,
já que seu próprio avô, como se enseja,
tomara o trono a seu rei anterior;
e Leothar, com todo esse valor,
descendia da antiga dinastia
em linha direta, como se dizia,
e se quisesse, o poderia derrubar!...
Isto ocorreu, de fato, em muito império
e assim Belezzar apoiou seu tesoureiro,
embora muita gente intercedesse
que à esposa e à filha concedesse
alguma soma como um refrigério:
para Leora e sua filha, Leodiceia,
até que fosse concluída essa epopeia;
mas disse o rei que só depois de sete anos,
se o general não voltasse, eram seus planos
declará-la viúva e lhe pagar o soldo inteiro.
A FADA ARANHA II
Secretamente, com o tesoureiro combinou
que espalhasse pelo reino uns espiões
e se acaso o guerreiro retornasse,
traiçoeiramente qualquer deles o matasse
e que seu corpo lhe enterrassem ordenou;
Leora, afinal, era apenas a sua mulher
e não teria pretensão sequer;
porém incômoda seria Leodiceia,
da dinastia descendente, ao que se creia:
para matá-la precisaria de boas razões...
Contudo Leora conseguiu uma audiência
com a rainha Belegilde e a comoveu,
que deu-lhe emprego, por pura caridade:
não mais do que servente, na verdade,
mas garantia de sua subsistência;
entre os criados teve alojamento,
para si e a filha a certeza do alimento;
e Belezzar com a esposa concordou,
e desta forma a rival inocente conservou
sob suas vistas, depois que a recebeu.
Partiu Leora então para o castelo,
a carregar as poucas coisas que possuía
em duas trouxas, incluindo o guante,
levando a filha pela mão adiante,
longa alameda subindo nesse zelo;
de ambos os lados bandeiras drapejavam
e como símbolo heráldico mostravam,
vista de costas, grande aranha vermelha,
sobre campo amarelo qual centelha,
“goles” e “jalde”, conforme se dizia.
Leodiceia foi indagando pela estrada:
“Por que essas aranhas, mamãezinha?”
“São os símbolos do reino, minha querida:
a aranha em goles a vitória garantida,
o campo em jalde a riqueza acumulada.”
“Mas nunca vi qualquer aranha vermelha...
Tenho até medo dessa aranha velha!”
“Vou-lhe contar então grande segredo,
mas nunca fale a ninguém, por maior medo,
especialmente nem ao rei, nem à rainha...”
A FADA ARANHA III
“Essa aranha provêm da antiga dinastia:
pintada no escudo do avô desse seu pai,
que foi derrotado pelo avô do atual rei,
que ocupa o trono contra nossa lei;
pela justiça, Leothar se assentaria...
Essa aranha lhe pertence, minha querida,
mas se souberem, será perseguida:
embora seja somente uma criança,
à pretensão de reinar tem esperança
e pela aranha grão respeito mostrar vai!...”
Ficou a menina muito surpreendida
e prometeu não contar nunca o segredo,
grave silêncio a guardar pelo caminho.
O mordomo encarou-a, com carinho:
“Essa é a filha do general perdido?
Decerto será muito corajosa...”
Porém ficou Leodiceia silenciosa;
em um quartinho as duas se alojaram;
como era tarde, logo se alimentaram,
Leodiceia dormindo sem ter medo...
No outro dia, Leora recebeu
um uniforme, balde e os utensílios
adequados às suas novas funções;
a menina a conquistar os corações
e Leora logo confiança mereceu,
encarregada de lavar os corredores
e a encerá-los com belos esplendores,
seu trabalho fielmente a executar,
sem por um único momento se queixar,
deixando os pisos em luzentes brilhos...
Contudo, já passada uma semana,
iniciando a trabalhar de madrugada,
viu uma aranha correndo para ela
e sem pensar, com a vassoura bateu nela:
matando o artrópode, escuro como lama!...
Seguiu varrendo, misturando-a ao lixo,
horrorizada com o tamanho de tal bicho!
Então surgiram dois criados, que indagavam
se ela vira o animal que procuravam...
“Eu a matei...” – disse Leora, descansada.
A FADA ARANHA IV
“Você a matou?
Matou a aranha do rei?”
Os dois criados mal podiam acreditar!...
“Por que, fiz mal? – disse ela, surpreendida.
“Era a mascote do rei! Decerto com sua vida
irá pagar por quebrantar-lhe a lei!...”
Nesse momento, entrou pela janela
o primeiro raio de sol; e só então ela
viu ser vermelha a aranha que matara!...
Em vão protestou que ela a atacara:
foi amarrada para ante o rei se apresentar...
Belezzar só apareceu daí a uma hora,
deixando Leora a esperar, acorrentada,
só aos poucos compreendendo o que
fizera,
ao ver a consternação que o ato gera...
Primeiro ao rei apresentaram uma
senhora:
“Você deixou a minha aranha se escapar?”
“Sim, Majestade,” disse ela, a
balbuciar.
“Foi a redoma que caiu e ela fugiu,
chamei os servos e a gente a perseguiu,
quando a achamos, já fora
assassinada!...”
“A culpa é sua e por tal negligência
você será executada ao entardecer!...”
Levaram a mulher ainda a implorar...
Para Leora então voltou-se Belezzar,
seu rosto triste a demonstrar paciência.
“Minha filha, por que tal crime
cometeu?”
“Pensei fosse daninha! Nunca me ocorreu
que ainda existisse essa aranha
vermelha;
pensei que fosse tão só uma lenda
velha...
Ela atacou e apenas quis me
defender!...”
“Até compreendo que com ela se assustou,
mas tais aranhas são mansas e cuidadas
há gerações, como símbolos do reino;
entendo que apenas começou seu treino:
foi o mordomo que nada lhe explicou!...”
E ordenou que cinquenta chibatadas
ao entardecer, lhe fossem aplicadas.
“Mas o que farei com você, a assassina?”
“Majestade, apiade-se de minha sina:
Nunca pensei que aranhas fossem consagradas!”
A FADA ARANHA V
“Elas garantem da dinastia a continuidade!...”
disse-lhe então, em tom tristonho, Belezzar.
“Só que agora elas se encontram em extinção!
A última fêmea você matou, sem ter razão!...
Compreende de seu crime a enormidade...?”
“Não, Majestade, de fato, nem pensei:
tive um impulso e com a vassoura a esmaguei...”
“Entendo bem, mas não a posso perdoar;
por negligência, irei aos outros castigar;
quanto a você, vou meu Conselho consultar...”
“E seu castigo só depois determinar.
Nunca antes foi tal crime cometido
e nem calculo qual será a sua tortura;
será levada à prisão de mais agrura:
pela manhã a mandarei buscar...”
“E minha filhinha? Quem vai dela tomar conta?”
“Essa é sua preocupação de menor
monta...
Mas aproveite para rezar bastante
e se prepare para um ordálio delirante,
que o reino inteiro você deixou
comprometido!”
De sua cela, ela escutou as chibatadas
nas costas do mordomo desferidas;
da ama da aranha a execução por
negligência,
a suplicar de pavor e de impotência...
Muito mais que das torturas esperadas
ela chorava por sua filha Leodiceia;
somente as pedras das paredes sua
plateia...
Somente em vão ao carcereiro suplicou
notícias da menina, quando este lhe
entregou
seu pão e água e saiu sem despedidas...
No dia seguinte, levaram–na até o rei
e então Leora ajoelhou-se, tiritando...
Um
fora espancado, a outra enforcada!
A
que castigo seria ela condenada?
“Sei crime é grave e não a perdoarei,”
disse-lhe Belezzar, “mas não é crime de morte:
há três maneiras de expiar sua sorte:
primeiro, pode se casar com o macho velho!”
“Mas sou casada, senhor!...” “O meu Conselho
sua viuvez já está considerando...”
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