sábado, 10 de outubro de 2020

 

 

AMOR MITÔMANO I – 28 MAIO 2019

 

Teu amor é um bezoar, algo de oculto e mágico,

formado nas entranhas de teus macios cabelos;

em minha desvalia, me esforçarei por tê-los

na rede auricular de meu destino trágico.

 

Teu amor é manticore, ofídico e pelágico,

perdido em tuas escamas, cascata de desvelos,

antídoto perfeito, espasmo de meus zelos,

nas cinzas de minha sina, espesso véu nostálgico.

 

Teu amor Ragnarok, destino meu final,

porém sem contrair-me em total dissolução,

somente o fim completo de meu estranho errar,

 

quando em teus braços acho a luz de meu fanal

e nele me consumo, resgatado na emoção,

qual feito chispa gris num espiral girar.

 

AMOR MITÔMANO II

 

Teu amor é meu Ophir, aurífera morada,

teu amor é Parvaim, de instilação secreta,

igual Sete Cidades de Cipolla, em completa

revelação de união ciclópica e dourada.

 

Teu amor é meu Parnaso, escala marchetada

dos sonhos de poetas de duração provecta,

de um sonho de alfinete, cabeça circunspecta

em que mil anjos sentam em calma consagrada.

 

Amor feito em pulsar, fantástico crisólito

bdélio multicor, turmalina enganadora,

pechblenda perigosa em oculta radiação,

 

enclusurado todo em tal amor insólito,

na espuma aurifulgente de praia redentora

em que cristalizei meu próprio coração.

 

AMOR MITÔMANO III

 

Teu amor é para mim como essa arco-íris ponte,

Bifrost que me liga do mundo material

ao mundo além dos deuses em canto triunfal,

amor pura esmeralda surgindo no horizonte.

 

Teu amor é para mim como Castália fonte,

de tudo inspiração, dióscuro embornal,

amor de bardo, enfim, anêmona e sinal

de quanto posso achar por trás da meiga fronte

 

que circunda tua mente e me faz perquirir

que ainda possa um dia, navícola estelar,

através de tuas veias, teu crânio penetrar

 

e me fundir em ti, num espástico luzir,

com faixas multicores das redes tuas neurais

e em ti me desfazer quais sonhos fantasmais.

 

A ÁRVORE DO CÉU I – 29 MAIO 2019

 

Subi em madrugada na árvore do céu:

punhado recolher assim de mil estrelas,

o “Poema do Louco” fingir que fosse meu,

das mil constelações na escolha das mais belas.

 

A árvore se erguia, ereta como arpéu,

com raízes de gaza e gases de procela,

os ramos cirenaicos de fulgiforme véu,

na saga multissom de cálidas lamelas,

 

cada galho formado por lágrimas de vento,

cada flor numa nuvem grisácea de portento,

cada folha quimera que a me tocar desfolha,

 

cada botão a tônica de angelical acento,

enquanto o sangue verde as minhas palmas molha

e a seiva empalidece em plácido lamento.

 

A ÁRVORE DO CÉU II

 

Não se encontra essa árvore em ponto desta Terra,

nem tampouco se ergue sobre ondular de lago,

não brota sobre o fogo de ondulante afago

e nem sequer nos ares essa visão se gera.

 

É nas plagas de minhalma quando minhalma altera

e por luminescente momento em canto gago

se alteia sobre um erro botânico de mago

e arranca de meu peito a mágoa que ele encerra.

 

Não é fácil abrir do esterno a portinhola:

são vinte e quatro chaves postadas nas costelas,

sob a tranca pertinaz da cepa peitoral.

 

Só quando a desventura pertinazmente assola

e extrai de minhas artérias gotículas mais belas,

que hemácias se condensam além do bem e mal.

 

A ÁRVORE DO CÉU III

 

Porém não consegui de estrelas a mancheia,

havia matéria negra que os fulcros escudava,

só por momentos íris nos dedos meus achava,

na chama branca e fria que a pele me incendeia.

 

Busquei então cometas de comatosa teia,

porém de mim zombavam na escuridão escrava,

soltavam fragmentos em minha pobre aljava,

saltavam para além na frágua que os permeia.

 

Pensei então poder colher-me meteoros,

da Nuvem de Orth, talvez, ou além de Marte,

mas as pedras me fugiam em galhofeiros gritos,

 

a incinerar-me os galhos desta ambição de esporos;

de nada desfrutei no cósmico reparte,

salvo a pólvora escassa de alguns meteoritos...

 


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