A FADA ARANHA VI -- SEGUNDA PARTE DE QUATRO
“Normalmente, sete anos lhe daria,
antes da morte de seu marido
decretar;
contudo, diante destas
circunstâncias,
poderemos pôr de lado estas
instâncias
e então com o macho você se
casaria...”
“Quer casar-me com uma aranha, meu senhor...?”
“Segundo a lenda, com mulher foi
genitor
um outro macho... Foi assim que nos
surgiram
as aranhas vermelhas... Vocês juntos
gerariam
algumas fêmeas, para a espécie
continuar!...”
Belezzar bateu palmas, firmemente:
“Tragam o noivo, para ela conhecê-lo!”
Então trouxeram de vidro uma redoma
em que enorme aranha negra ali
assoma:
olhos vermelhos, preto o pelo
inteiramente...
“Segundo dizem, muitas vezes no
passado
mulher humana tais aranhas tem
gerado...”
Ao ver o monstro, Leora desmaiou!...
Porém depois que alguém a reanimou,
nem sequer erguia o rosto para
vê-lo!...
Riu Belezzar, com falsa
benevolência:
“Segundo entendo, não deseja se
casar...”
Leora pôde apenas gaguejar:
“O macho é negro! De nada iria adiantar...”
“Ah, nessa espécie só têm rubra
aparência
as fêmeas... Nascem os machos de
outra cor.
Ele está velho, mas é um bom
reprodutor...
Mas tudo bem, existe outra
alternativa...
Agora nos tragam a segunda
cativa!...”
“Majestade, não pode apenas me
matar?”
“Sem a menor dúvida, se você prefere
a morte!...”
Chegou uma caixa de vidro
retangular:
sobre lençóis de linho, lá estirada
a imóvel Leodiceia podia ser
contemplada...
Leora gritou: “Ai, que terrível
sorte!
Minha pobre filhinha!... Mas por que
a mataram?”
“Não está morta... Só a narcotizaram,
mas de fato, deve ser morta na
ocasião
e o punhal desferirá sua própria
mão!
Seu jovem sangue irá ao macho
alimentar...”
A FADA ARANHA VII
“Segundo afirma o meu bom
tesoureiro,
essas aranhas são hermafroditas (*)
e conseguem a si mesmas fecundar,
igual minhocas, para a espécie
continuar...
Mas sangue virgem deve obter
primeiro...”
“Majestade, não pode meu sangue
receber?...”
“Obviamente, sendo mãe, você é
mulher...
Já sua menina, tendo apenas cinco
anos,
nos satisfaz completamente os
planos:
conseguiremos aranhazinhas bem
bonitas!...”
(*) Animais inferiores, cada qual com ambos os sexos.
“Ah, Majestade, suplico seu
perdão!...”
E dirigindo-se aos demais presentes:
“Nobres senhores, não tendes
caridade?
Nem ao menos um triste pingo de
bondade?”
Mas ninguém veio mostrar-lhe
compaixão;
alguns até a parecer rir à socapa,
bocas cobertas por chapéu ou capa...
Belezzar os encarou, severamente:
“Não há motivo para qualquer riso
indecente:
é um sortilégio que nos vem de
antigas gentes!...”
E disse o rei: “Entreguem-lhe o
punhal!”
“Majestade, como quer que a filha eu
mate?”
“Eu poderia ordenar a outra pessoa,
mas o crime foi seu e outrem destoa:
só você pode reparar seu próprio
mal!
Prefere o macho?” “Não, por quanto é santo!”
Leora exclamou, já debulhada em
pranto.
O rei fingiu seus conselheiros
consultar
e então falou: “Terceira chance
vou-lhe dar;
não haverá outra, caso essa não
acate!...”
“Então me diga qual é, meu
soberano!”
“Você pode outra aranha fêmea ir
procurar.
Dizem que existem algumas lá no
norte,
talvez até de extraordinário
porte...
Eu lhe darei um dia e mais um
ano!...
Se dentro desse prazo não voltar,
a sua menina alguém irá sacrificar
e seu sangue virgem servirá de
refeição
para causar a hermafrodita
mutação!...
Aceita esta, ou também vai
recusar?...”
A FADA ARANHA VIII
“Na sua ausência, será a menina bem
tratada;
não lhe negaremos o quanto precisar;
somente será conservada no castelo,
como refém, a garantir o seu
desvelo;
se não voltar, ela será sacrificada
e por sua própria culpa irá pagar,
a aranha macho seu sangue a
alimentar!...”
“Eu o farei!” – exclamou Leora, com
coragem.
“Pois muito bem. Levem-na à torre de menagem,
onde o retorno de sua mãe irá
aguardar!...”
Leora não pôde despedir-se ou dar um
beijo
na filha presa em seu vítreo caixão.
“Pois muito bem,” – disse o ímpio
Belezzar.
“Numa caverna costumavam-nas
avistar,
porém lhe aviso que há gerações o
ensejo
de contemplá-las não alcançou
qualquer pastor;
anteriormente, as combatiam com
ardor,
pois costumavam comer as suas ovelhas
os machos negros mais do que as
vermelhas:
tem pela frente uma longa
expedição!...”
“Procurarei, Majestade...” – disse
Leora,
“e dentro de seu prazo eu voltarei!”
“Terá de ir sozinha, compreendeu?
Tendo uma escolta, não será mérito
seu...
Mas lhe darei certos favores nesta
hora:
Você receberá o Manto da Tristeza,
a Água da Angústia e, com plena
certeza,
o Pão da Mágoa... E em sinal de
minha bondade,
levará os Tamancos da Adversidade...
E mais um saco de moedas lhe
darei!...”
“Obrigado, Majestade, sei seres um
rei justo.”
“Não é justiça, porém necessidade:
precisa o reino de seu total sucesso
e assim aguardarei o seu regresso;
deu-lhe o Conselho estes dotes de
alto custo:
o Manto é tecido de poderosa teia;
com os Tamancos, do que pisar não se
arreceia;
um Anel de Pelo do macho irá levar;
como a Água e o Pão, só o deverá
utilizar
com grão critério e muita
sobriedade!...” (*)
(*) Feito de espículas e não de pelo igual ao dos mamíferos.
A FADA ARANHA IX
Marchou Leora em direção ao norte,
com a Água no cantil, Pão no bornal
e mais um saco de moedas
esverdeadas,
por enfrentarem o ar, azinhavradas
e se dispôs a buscar a melhor
sorte...
Mas assim que ela partiu, o rei
ordenou:
“Leve esse bicho para o lugar de que
o tirou!
Mal consigo contemplar tal ser nojento!...”
Então mandou chamar, em tal momento,
Mordomo e aia, para premiá-los,
afinal!...
“Vocês agiram muito bem e a
recompensa
ser-lhes-á paga por meu
tesoureiro!...”
Sem discutir, todos dois agradeceram
e a Aranha Negra levou seu
carcereiro,
para guardá-la na masmorra imensa...
Eram elas símbolos da antiga
dinastia
e Belezzar a sua raiva só fingia,
como pretexto para mostrar ao povo,
na eliminação do último renovo
dessa linhagem que reinara ali
primeiro.
De fato, não esperava que Leora
de sua missão jamais pudesse
retornar;
e se o fizesse, tarde demais seria,
porque a menina muito antes
mataria...
De qualquer modo, ordenou que tropa
fora
Leora em todo o caminho a
espionar...
Se por acaso, chegasse a retornar,
que a lançassem num buraco fundo!...
Pois votava a Leothar ódio profundo
E só queria mais mal lhe
provocar!...
Após um mês de marcha, sem sucesso,
a uma floresta tenebrosa chegou
Leora,
sendo atacada por um bando de
ladrões!
Desapontados com o cinábrio dos
dobrões,
bastante depreciados no seu preço,
eles abriram seu cantil e seu
bornal,
recuando ao ver como cheiravam mal
aquele Pão e aquela Água que
repassa:
“Vá-se embora! É mensageira da desgraça!”
E até as moedas lhe devolveram nessa
hora...
A FADA ARANHA X
Sem entender por que a haviam libertado,
ia Leora prosseguindo o seu caminho,
quando os ladrões, sem aviso,
retornaram
e sem palavra, num poço seco a
derrubaram,
sem qualquer súplica lhe terem
escutado!
Ela batia com força nas paredes,
Mas o Manto a protegia como redes
e caiu em pé sobre seus dois
Tamancos,
mas nesse escuro só se movia aos
trancos,
presa no fundo tenebroso de
azevinho...
Mas tão logo no exterior caiu a
noite,
sem lhe mostrar sequer a luz de
estrelas,
divisou Leora uma luzinha vermelha
por uma fresta da parede velha
e começou a puxar tijolos com
afoite,
a rubra luz cada vez mais
aparente...
Seria uma aranha? – pensou
ansiosamente.
Mas ao invés, uma Salamandra
apareceu;
num insuflar de fogo frio a
acometeu,
mil revoada de centelhas belas!...
Mas o Manto da Tristeza a protegeu,
as faíscas só a brilhar ao seu
redor.
A Salamandra feito um gato chia,
Surpreendida por que a Leora não
feria:
“Quem é você que meu ninho
surpreendeu?”
“Não pretendia em nada perturbá-la;
neste poço me jogaram; abri a vala,
vermelha aranha procurando achar...”
“Mas por que quer a elas
encontrar?...”
Contou-lhe a jovem sua história sem
temor.
“De fato, encontra-se no caminho
certo:
grande bem lhe fizeram os
salteadores,
sem saber nada ou
deliberadamente...”
“De amaldiçoada chamou-me aquela
gente...”
“Seu alvo não se encontra nada
perto,
mas é um atalho e caso o siga com
coragem
os seus Tamancos lhe darão
portagem...
Sabia o rei realmente o que lhe
dava...?”
“Seguiu o Conselho no que lhe
determinava,
não acredito que conhecesse reais
valores...”
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