sábado, 3 de outubro de 2020

 

 

A FADA ARANHA VI -- SEGUNDA PARTE DE QUATRO

 

“Normalmente, sete anos lhe daria,

antes da morte de seu marido decretar;

contudo, diante destas circunstâncias,

poderemos pôr de lado estas instâncias

e então com o macho você se casaria...”

“Quer casar-me com uma aranha, meu senhor...?”

“Segundo a lenda, com mulher foi genitor

um outro macho... Foi assim que nos surgiram

as aranhas vermelhas... Vocês juntos gerariam

algumas fêmeas, para a espécie continuar!...”

 

Belezzar bateu palmas, firmemente:

“Tragam o noivo, para ela conhecê-lo!”

Então trouxeram de vidro uma redoma

em que enorme aranha negra ali assoma:

olhos vermelhos, preto o pelo inteiramente...

“Segundo dizem, muitas vezes no passado

mulher humana tais aranhas tem gerado...”

Ao ver o monstro, Leora desmaiou!...

Porém depois que alguém a reanimou,

nem sequer erguia o rosto para vê-lo!...

 

Riu Belezzar, com falsa benevolência:

“Segundo entendo, não deseja se casar...”

Leora pôde apenas gaguejar:

“O macho é negro!  De nada iria adiantar...”

“Ah, nessa espécie só têm rubra aparência

as fêmeas... Nascem os machos de outra cor.

Ele está velho, mas é um bom reprodutor...

Mas tudo bem, existe outra alternativa...

Agora nos tragam a segunda cativa!...”

“Majestade, não pode apenas me matar?”

 

“Sem a menor dúvida, se você prefere a morte!...”

Chegou uma caixa de vidro retangular:

sobre lençóis de linho, lá estirada

a imóvel Leodiceia podia ser contemplada...

Leora gritou: “Ai, que terrível sorte!

Minha pobre filhinha!... Mas por que a mataram?”

“Não está morta... Só a narcotizaram,

mas de fato, deve ser morta na ocasião

e o punhal desferirá sua própria mão!

Seu jovem sangue irá ao macho alimentar...”

 

A FADA ARANHA VII

 

“Segundo afirma o meu bom tesoureiro,

essas aranhas são hermafroditas (*)

e conseguem a si mesmas fecundar,

igual minhocas, para a espécie continuar...

Mas sangue virgem deve obter primeiro...”

“Majestade, não pode meu sangue receber?...”

“Obviamente, sendo mãe, você é mulher...

Já sua menina, tendo apenas cinco anos,

nos satisfaz completamente os planos:

conseguiremos aranhazinhas bem bonitas!...”

(*) Animais inferiores, cada qual com ambos os sexos.

 

“Ah, Majestade, suplico seu perdão!...”

E dirigindo-se aos demais presentes:

“Nobres senhores, não tendes caridade?

Nem ao menos um triste pingo de bondade?”

Mas ninguém veio mostrar-lhe compaixão;

alguns até a parecer rir à socapa,

bocas cobertas por chapéu ou capa...

Belezzar os encarou, severamente:

“Não há motivo para qualquer riso indecente:

é um sortilégio que nos vem de antigas gentes!...”

 

E disse o rei: “Entreguem-lhe o punhal!”

“Majestade, como quer que a filha eu mate?”

“Eu poderia ordenar a outra pessoa,

mas o crime foi seu e outrem destoa:

só você pode reparar seu próprio mal!

Prefere o macho?”  “Não, por quanto é santo!”

Leora exclamou, já debulhada em pranto.

O rei fingiu seus conselheiros consultar

e então falou: “Terceira chance vou-lhe dar;

não haverá outra, caso essa não acate!...”

 

“Então me diga qual é, meu soberano!”

“Você pode outra aranha fêmea ir procurar.

Dizem que existem algumas lá no norte,

talvez até de extraordinário porte...

Eu lhe darei um dia e mais um ano!...

Se dentro desse prazo não voltar,

a sua menina alguém irá sacrificar

e seu sangue virgem servirá de refeição

para causar a hermafrodita mutação!...

Aceita esta, ou também vai recusar?...”

 

A FADA ARANHA VIII

 

“Na sua ausência, será a menina bem tratada;

não lhe negaremos o quanto precisar;

somente será conservada no castelo,

como refém, a garantir o seu desvelo;

se não voltar, ela será sacrificada

e por sua própria culpa irá pagar,

a aranha macho seu sangue a alimentar!...”

“Eu o farei!” – exclamou Leora, com coragem.

“Pois muito bem.  Levem-na à torre de menagem,

onde o retorno de sua mãe irá aguardar!...”

 

Leora não pôde despedir-se ou dar um beijo

na filha presa em seu vítreo caixão.

“Pois muito bem,” – disse o ímpio Belezzar.

“Numa caverna costumavam-nas avistar,

porém lhe aviso que há gerações o ensejo

de contemplá-las não alcançou qualquer pastor;

anteriormente, as combatiam com ardor,

pois costumavam comer as suas ovelhas

os machos negros mais do que as vermelhas:

tem pela frente uma longa expedição!...”

 

“Procurarei, Majestade...” – disse Leora,

“e dentro de seu prazo eu voltarei!”

“Terá de ir sozinha, compreendeu?

Tendo uma escolta, não será mérito seu...

Mas lhe darei certos favores nesta hora:

Você receberá o Manto da Tristeza,

a Água da Angústia e, com plena certeza,

o Pão da Mágoa... E em sinal de minha bondade,

levará os Tamancos da Adversidade...

E mais um saco de moedas lhe darei!...”

 

“Obrigado, Majestade, sei seres um rei justo.”

“Não é justiça, porém necessidade:

precisa o reino de seu total sucesso

e assim aguardarei o seu regresso;

deu-lhe o Conselho estes dotes de alto custo:

o Manto é tecido de poderosa teia;

com os Tamancos, do que pisar não se arreceia;

um Anel de Pelo do macho irá levar;

como a Água e o Pão, só o deverá utilizar

com grão critério e muita sobriedade!...” (*)

(*) Feito de espículas e não de pelo igual ao dos mamíferos.

 

A FADA ARANHA IX

 

Marchou Leora em direção ao norte,

com a Água no cantil, Pão no bornal

e mais um saco de moedas esverdeadas,

por enfrentarem o ar, azinhavradas

e se dispôs a buscar a melhor sorte...

Mas assim que ela partiu, o rei ordenou:

“Leve esse bicho para o lugar de que o tirou!

Mal consigo contemplar tal ser nojento!...”

Então mandou chamar, em tal momento,

Mordomo e aia, para premiá-los, afinal!...

 

“Vocês agiram muito bem e a recompensa

ser-lhes-á paga por meu tesoureiro!...”

Sem discutir, todos dois agradeceram

e a Aranha Negra levou seu carcereiro,

para guardá-la na masmorra imensa...

Eram elas símbolos da antiga dinastia

e Belezzar a sua raiva só fingia,

como pretexto para mostrar ao povo,

na eliminação do último renovo

dessa linhagem que reinara ali primeiro.

 

De fato, não esperava que Leora

de sua missão jamais pudesse retornar;

e se o fizesse, tarde demais seria,

porque a menina muito antes mataria...

De qualquer modo, ordenou que tropa fora

Leora em todo o caminho a espionar...

Se por acaso, chegasse a retornar,

que a lançassem num buraco fundo!...

Pois votava a Leothar ódio profundo

E só queria mais mal lhe provocar!...

 

Após um mês de marcha, sem sucesso,

a uma floresta tenebrosa chegou Leora,

sendo atacada por um bando de ladrões!

Desapontados com o cinábrio dos dobrões,

bastante depreciados no seu preço,

eles abriram seu cantil e seu bornal,

recuando ao ver como cheiravam mal

aquele Pão e aquela Água que repassa:

“Vá-se embora!  É mensageira da desgraça!”

E até as moedas lhe devolveram nessa hora...

 

A FADA ARANHA X

 

Sem entender por que a haviam libertado,

ia Leora prosseguindo o seu caminho,

quando os ladrões, sem aviso, retornaram

e sem palavra, num poço seco a derrubaram,

sem qualquer súplica lhe terem escutado!

Ela batia com força nas paredes,

Mas o Manto a protegia como redes

e caiu em pé sobre seus dois Tamancos,

mas nesse escuro só se movia aos trancos,

presa no fundo tenebroso de azevinho...

 

Mas tão logo no exterior caiu a noite,

sem lhe mostrar sequer a luz de estrelas,

divisou Leora uma luzinha vermelha

por uma fresta da parede velha

e começou a puxar tijolos com afoite,

a rubra luz cada vez mais aparente...

Seria uma aranha? – pensou ansiosamente.

Mas ao invés, uma Salamandra apareceu;

num insuflar de fogo frio a acometeu,

mil revoada de centelhas belas!...

 

Mas o Manto da Tristeza a protegeu,

as faíscas só a brilhar ao seu redor.

A Salamandra feito um gato chia,

Surpreendida por que a Leora não feria:

“Quem é você que meu ninho surpreendeu?”

“Não pretendia em nada perturbá-la;

neste poço me jogaram; abri a vala,

vermelha aranha procurando achar...”

“Mas por que quer a elas encontrar?...”

Contou-lhe a jovem sua história sem temor.

 

“De fato, encontra-se no caminho certo:

grande bem lhe fizeram os salteadores,

sem saber nada ou deliberadamente...”

“De amaldiçoada chamou-me aquela gente...”

“Seu alvo não se encontra nada perto,

mas é um atalho e caso o siga com coragem

os seus Tamancos lhe darão portagem...

Sabia o rei realmente o que lhe dava...?”

“Seguiu o Conselho no que lhe determinava,

não acredito que conhecesse reais valores...”

 

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