domingo, 25 de outubro de 2020

 

 

AZEDUME I – 12 jul 19

ou me aceitas inteira como estou,

sem restrições, completa em meus direitos

de gozar à vontade meus defeitos,

e não me odeies pelo que não sou;

ou me aceitas assim, pura e neurótica,

de humor instável, sempre insatisfeita,

buscando sempre à esquerda e já à direita,

com que satisfazer-me a sede exótica;

ou não me terás mais, pois não desejo

ser mais que sombra e gosto de teu beijo,

num áspero guinchar de cornamusa;

não quero ser poema -- quero vida!...

antes tornar-me vil mulher perdida,

que reduzir-me à sombra de uma musa!...

 

AZEDUME II

quer a mulher saber-se desejada

por quem deseja e a quem selecionou,

não por homem qualquer que a ela aviltou,

querendo a carne sem mentir-lhe ser amada;

mas aquele que a quis por bem-amada,

porém desejo não lhe manifestou,

no coração o desconfiar lhe despertou,

por que não é por tal amado cobiçada?

o que pretende, afinal, a par com ela,

será apenas usufruir de um passatempo?

por mais romântico o amor de uma novela,

é coisa apenas para a televisão!

pois não pretende desperdiçar seu tempo

num vazio de fracassada relação.

 

AZEDUME III

por mais que negue ser isto verdade

e nem mesmo para si então confesse,

a maioria professa oculta prece

de ter amor com exclusividade,

pode dizer que companhia é que lhe agrade,

que é tudo que da vida instante cresce,

alguém que a ampare se algum dia adoece,

alguém que seja seu na realidade,

mas no fundo permanece esta intenção

inconsciente ou a si mesma declarada,

do instinto biológico que então

aflora sempre na tragédia vivenciada

pelos hormônios que a dominarão.

 

 AZEDUME IV

pode até mesmo tornar-se mãe solteira,

por sua vontade ou para seu desgosto,

oculta a lamentar-se ao sol posto

ou adotar uma amiga por parceira,

mas não se sente feminina por inteira,

sem do desejo ter pressentimento,

melhor daquele com que partilha o leito,

mas arquivando o olhar em sua esteira,

por mais desperte em si enojamento,

como um preito a que tem pleno direito.

 

AZEDUME V

e quando o homem que acredita amar

e por quem acredita ser amada

não lhe permite sentir-se desejada,

sempre a incerteza lhe surge a dominar;

porque se delimita o seu beijar,

sem que a ela busque em quente madrugada,

como o veículo da raça intermediada,

único ventre que pretende fecundar?

quando tal homem não revela seu desejo,

somente pode despertar-lhe a desconfiança,

que busque outra e que seja fantasia,

com que a ilude ao partilhar seu beijo

e se rebela, em meio acinte de criança,

para abraçar a quem seu ventre buscaria.

 

AZEDUME VI

de certa coisa nunca fiz segredo,

que em relação de amor tenha buscado

a musa antiga que me tem lançado

inspiração como fruto de um enredo

de novos versos a sangrar-me o dedo,

mais do que, realmente, um ser amado

só por si mesma, como ideal sagrado,

quer me conceda aceite, quer degredo;

mas nem por isso é um pretexto apenas,

na realidade, enquanto amor recente,

em ara oculta a tenho entronizada,

até o momento de em mais perfeitas cenas

guardar sua vida completa e permanente,

pela poesia ardente completada.

 

REPULSA I – 13 julho 19

 

Uma promessa te fiz, sem que pedisses,

Chegou como surpresa e desagrado:

Jamais querias responsabilizado

Fosse teu comportamento ou que sentisses

 

Que fiel a mim também ser tu devesses...

Eu que senti, por estranheza completado,

Que era a ti que amava e em véu alado,

Ergueu-se o sentimento -- merecesses

 

Que te fosse fiel, já que te amava;

E a partir do instante em que me deras

Certeza que esperavas, me apressei:

 

Era uma prova de amor que assim te dava.

Mas carne é carne; e se não sei se esperas,

É muito triste, amor... mas trairei.

 

REPULSA II

 

Porque, no fim das contas, cada jura

Foi feita mesmo para ser quebrada,

Quando o tempo já a torna ultrapassada

E não sentimos por igual emoção pura.

 

E nem ao menos torna-se em perjura,

Quando a longa insensatez é revelada,

De fiel permanecer à bem-amada,

Nesta certeza que por toda a vida dura,

 

Se não se encontra a reciprocidade

E nem sequer nutrimos tal certeza,

Que seja amor o que de fato nos professe,

 

Mesmo porque, com racionalidade,

Não nos jurou, por medo ou por defesa,

Que a vida inteira a nós fiel permanecesse.

 

REPULSA III

 

Destarte existe da quebra uma razão:

Sem essa espera por nós tanto esperada,

Toda promessa pode ser quebrada,

Na falsidade de sua expectação;

 

Que uma jura de amor tem relação

Com a certeza de ser reciprocada,

Sem haver dúvida de que seja respeitada

Por quem juramos essa eterna adoração.

 

Porém, dentro de nós, jura quebrada

Quebrou também da alma um fragmento,

Essa a razão de nos causar tanta tristeza,

 

Igual da mente alguma coisa estilhaçada

Pela morta integridade de um momento,

Em que essa jura proferimos sem vileza!...

 

DIMENSÃO I – 14 jul 19

 

Sempre me percebi a este corpo alheio,

Não mais que um condenado, um prisioneiro,

A viver encerrado, a viver estrangeiro,

Sem poder encontrar via de escape, um meio

 

De achar uma saída, enfim, de libertar

Aquilo que sou eu, lançar-me pelo espaço,

Sem as peias da carne, perder-me no regaço

Das almas imortais, sem ter de suportar

 

Esse viés de amargura que tanto me restringe.

E hoje, mais que nunca percebo a sensação

De ser um ser que habita tão só uma redoma.

 

Meus olhos clarabóias, o mundo não me atinge,

Estou preso, estou só, jamais tive um irmão,

Pois quanto me dá a vida, sorrindo me retoma...

 

DIMENSÃO II

 

Contudo, há muitos anos, duas coisas aprendi,

De antiga peça de teatro na leitura do roteiro,

Que até hoje conservo, em alicerce corriqueiro

E que nem toda a mulher que desejei possuí:

 

Que aquelas me contentem que da vida recebi

E que perceba sempre que existe algo traiçoeiro,

Mas se pode ser pior, que o julgue um bem primeiro,

Sem indagar o porquê dos males que sofri.

 

Não creio em um destino, porém na falsidade

Do livre-arbítrio, pela certa consequência

De cada escolha que fiz, tomado de imprudência,

 

Ou deixei de fazer, a qual, na realidade,

Acabou sendo-me imposta, tornando-se meu fado,

Que nesse doravante me conserva atribulado.

 

DIMENSÃO III

 

Contudo, uma suspeita conservo em meu pensar,

Que nascer eu escolhi, qual reza o bramanismo,

A fim de vivenciar, no mais pleno integralismo,

Certa função humana, completa até esgotar.

 

Desse modo o destino eu quis determinar

Por minha própria escolha real ou ilusionismo

E cabe a mim cumprir tal obra em ativismo

Que a opção primeira me fez assim buscar.

 

Então, quando me sinto da carne prisioneiro,

De mim mesmo é que o sou, meu próprio carcereiro,

Só me libertarei quando o arbítrio trucidar,

 

O que de forma alguma consigo executar,

Que estou preso na redoma que constituí primeiro,

Até que a obra completa permita-me alforriar.

 

DOADOR I – 15 jul 2019

 

Meu corpo é tua cidade, minhas veias são tuas ruas,

Caminhas dentro em mim, como se fossem tuas

Minhas artérias todas: meu ventre é teu destino,

Meus rins teu hospital; regato cristalino

 

É o fluxo da linfa que segue o imunológico

Sistema de defesa; meu campo neurológico

Tu fazes de teatro, cinema e até de estádio,

Meus sentidos a tevê, a Internet e o rádio.

 

Tuas compras todas em minhas carnes fazes,

São lojas tuas meus músculos... respiras

Nos brônquios dos pulmões, sem compaixão;

 

Meu fígado é farmácia e nele te refazes;

E quando sentes fome ou por beber suspiras

Se torna em restaurante meu próprio coração.

 

DOADOR II

 

Mas doação maior não posso descrever,

Salvo a final do cérebro em que habito;

Que dele tomes posse agora te concito,

Que vivas no que sou, que fui e que vou ser.

 

Que pelo meu quiasma o mundo possas ver,

Que pelas minhas cocleias escutes cada mito

E tomes do hipotálamo o instinto mais bonito

E possas te banhar no centro do prazer.

 

Que sejam teus passeios as redes minhas neurais

E frequentes da memória as filas de museus,

Da memória auditiva trio, quarteto e sinfonia,

 

Meu inconsciente aberto com sonhos sensoriais,

Dos quais a maioria verás que são só teus,

Que bem antes de te ver, por ti eu já sofria...

 

DOADOR III

 

Segundo dizem, qualquer poesia é erótica,

Mesmo evitando ter conotação sexual,

Ou ainda referindo qualquer ardor sensual,

Quando sua imageria se apresenta mais despótica

 

Em referência à vida, por mais seja caótica,

Sem se afundar demais em canto espiritual,

Porém a referir-se ao mundo material,

Mantida a perspectiva em tessitura ótica.

 

E desse modo aceito que sejam estes versos,

Na sua maioria, composições de Eros,

Por mais que nem refiram qualquer pornografia

 

E nesta doação dos órgãos mais diversos

Tem tal definição os seus sentidos veros,

Embora seja, enfim, não mais que fantasia...

 

MAESTRIA I  --  16 julho 2019

 

Escuta agora, mulher de tez perfeita,

Confiante sempre de seu poderio,

Catálise e fiel de nosso brio,

Perfil sensato e mente que deleita:

 

Quero que sejas sempre quem ajeita,

Na mesma limpidez a luz que nos uniu:

Mesmo quando para beijo nenhum ardor surgiu,

Mas sabes entender quão sorrateira peita

 

Nos brotará da vida, se apenas permitirmos,

Quando a sondagem finalmente concluirmos

E continuarmos, inda que seja por brinquedo.

 

Que a ternura é real, embora tenhas medo

Que dela usufruindo, em mais e mais se torne

E enfim o coração só nela se conforme...

 

MAESTRIA II

 

Conheço plenamente ser mais precipitado

E ao mundo recusar feroz o meu aceite

De que limites ponha a meu sensual deleite

Que somente contigo assim foi alcançado.

 

Se dependera de mim, tudo seria lançado

Ao espaço sideral, sem que nada nos peite,

Senão a persistência do amor de mel e azeite

Que desvendo contigo e me faz consagrado.

 

Fui ungido por ti no fiel da nostalgia,

Minha cabeça coberta pelo flagrante ideal,

Acima e muito além de que antes sonharia...

 

E assim quero somente que nosso amor perdure

Apenas para nós, sem trono triunfal,

Mas que de ardor alheio inteiro nos depure...

 

MAESTRIA III

 

Porém sei mais ainda o quanto és cautelosa

Dos limites do mundo em que temos de viver,

Não basta simplesmente os ombros encolher,

Que a reação rodeia, feroz e tenebrosa...

 

No mais pleno verão, saraiva cobre a rosa,

Tal qual vento de inverno que faça amor tremer

Em ira contingente e o queime até morrer,

Assim da sociedade a inveja perniciosa.

 

Destarte, deixo a dia mediar os movimentos,

Até que seja aceito, por mais que de mau-grado,

Da forma que recebe outros relacionamentos,

 

Que seja racional teu plano, finalmente,

E decidas, por fim, qual o momento azado

De sem medo se impor o voto permanente.

 

MAESTRIA IV

 

Portanto, esperarei, envolto no furtivo,

Ocasião de te ver, se queres que te veja,

Ocasião de te olhar, quando ocasião se enseja,

Ocasião de cruzar o imaculado crivo,

 

Que possa perdurar em ânimo incisivo,

Apesar da maldade que sobre nós adeja,

Sem que o cinismo mau que tanto amor aleija

Sobre nós se derrame de modo mais nocivo.

 

Concedo assim a ti o dom da maestria,

Pois tocarás a orquestra de cada sentimento

Na pausa necessária até o final momento

 

Em que possa ribombar de esplendor a sinfonia,

Num toque de clarim, em tímpano potente,

No amor desenfreado que a alma me alimente!

 


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