AZEDUME I –
12 jul 19
ou me
aceitas inteira como estou,
sem
restrições, completa em meus direitos
de gozar à
vontade meus defeitos,
e não me
odeies pelo que não sou;
ou me
aceitas assim, pura e neurótica,
de humor
instável, sempre insatisfeita,
buscando sempre
à esquerda e já à direita,
com que
satisfazer-me a sede exótica;
ou não me
terás mais, pois não desejo
ser mais
que sombra e gosto de teu beijo,
num áspero
guinchar de cornamusa;
não quero
ser poema -- quero vida!...
antes
tornar-me vil mulher perdida,
que
reduzir-me à sombra de uma musa!...
AZEDUME II
quer a
mulher saber-se desejada
por quem
deseja e a quem selecionou,
não por
homem qualquer que a ela aviltou,
querendo a
carne sem mentir-lhe ser amada;
mas aquele
que a quis por bem-amada,
porém desejo
não lhe manifestou,
no coração
o desconfiar lhe despertou,
por que não
é por tal amado cobiçada?
o que
pretende, afinal, a par com ela,
será apenas
usufruir de um passatempo?
por mais
romântico o amor de uma novela,
é coisa
apenas para a televisão!
pois não
pretende desperdiçar seu tempo
num vazio
de fracassada relação.
AZEDUME III
por mais
que negue ser isto verdade
e nem mesmo
para si então confesse,
a maioria
professa oculta prece
de ter amor
com exclusividade,
pode dizer
que companhia é que lhe agrade,
que é tudo
que da vida instante cresce,
alguém que
a ampare se algum dia adoece,
alguém que
seja seu na realidade,
mas no
fundo permanece esta intenção
inconsciente
ou a si mesma declarada,
do instinto
biológico que então
aflora
sempre na tragédia vivenciada
pelos
hormônios que a dominarão.
AZEDUME IV
pode até
mesmo tornar-se mãe solteira,
por sua
vontade ou para seu desgosto,
oculta a
lamentar-se ao sol posto
ou adotar
uma amiga por parceira,
mas não se
sente feminina por inteira,
sem do
desejo ter pressentimento,
melhor
daquele com que partilha o leito,
mas
arquivando o olhar em sua esteira,
por mais
desperte em si enojamento,
como um
preito a que tem pleno direito.
AZEDUME V
e quando o
homem que acredita amar
e por quem
acredita ser amada
não lhe
permite sentir-se desejada,
sempre a
incerteza lhe surge a dominar;
porque se
delimita o seu beijar,
sem que a
ela busque em quente madrugada,
como o
veículo da raça intermediada,
único
ventre que pretende fecundar?
quando tal
homem não revela seu desejo,
somente
pode despertar-lhe a desconfiança,
que busque
outra e que seja fantasia,
com que a
ilude ao partilhar seu beijo
e se
rebela, em meio acinte de criança,
para
abraçar a quem seu ventre buscaria.
AZEDUME VI
de certa
coisa nunca fiz segredo,
que em
relação de amor tenha buscado
a musa
antiga que me tem lançado
inspiração
como fruto de um enredo
de novos
versos a sangrar-me o dedo,
mais do
que, realmente, um ser amado
só por si
mesma, como ideal sagrado,
quer me
conceda aceite, quer degredo;
mas nem por
isso é um pretexto apenas,
na
realidade, enquanto amor recente,
em ara
oculta a tenho entronizada,
até o
momento de em mais perfeitas cenas
guardar sua
vida completa e permanente,
pela poesia
ardente completada.
REPULSA I – 13 julho 19
Uma promessa te fiz, sem que pedisses,
Chegou como surpresa e desagrado:
Jamais querias responsabilizado
Fosse teu comportamento ou que sentisses
Que fiel a mim também ser tu devesses...
Eu que senti, por estranheza completado,
Que era a ti que amava e em véu alado,
Ergueu-se o sentimento -- merecesses
Que te fosse fiel, já que te amava;
E a partir do instante em que me deras
Certeza que esperavas, me apressei:
Era uma prova de amor que assim te dava.
Mas carne é carne; e se não sei se esperas,
É muito triste, amor... mas trairei.
REPULSA II
Porque, no fim das contas, cada jura
Foi feita mesmo para ser quebrada,
Quando o tempo já a torna ultrapassada
E não sentimos por igual emoção pura.
E nem ao menos torna-se em perjura,
Quando a longa insensatez é revelada,
De fiel permanecer à bem-amada,
Nesta certeza que por toda a vida dura,
Se não se encontra a reciprocidade
E nem sequer nutrimos tal certeza,
Que seja amor o que de fato nos professe,
Mesmo porque, com racionalidade,
Não nos jurou, por medo ou por defesa,
Que a vida inteira a nós fiel permanecesse.
REPULSA III
Destarte existe da quebra uma razão:
Sem essa espera por nós tanto esperada,
Toda promessa pode ser quebrada,
Na falsidade de sua expectação;
Que uma jura de amor tem relação
Com a certeza de ser reciprocada,
Sem haver dúvida de que seja respeitada
Por quem juramos essa eterna adoração.
Porém, dentro de nós, jura quebrada
Quebrou também da alma um fragmento,
Essa a razão de nos causar tanta tristeza,
Igual da mente alguma coisa estilhaçada
Pela morta integridade de um momento,
Em que essa jura proferimos sem vileza!...
DIMENSÃO I – 14 jul 19
Sempre me percebi a este corpo alheio,
Não mais que um condenado, um prisioneiro,
A viver encerrado, a viver estrangeiro,
Sem poder encontrar via de escape, um meio
De achar uma saída, enfim, de libertar
Aquilo que sou eu, lançar-me pelo espaço,
Sem as peias da carne, perder-me no regaço
Das almas imortais, sem ter de suportar
Esse viés de amargura que tanto me restringe.
E hoje, mais que nunca percebo a sensação
De ser um ser que habita tão só uma redoma.
Meus olhos clarabóias, o mundo não me atinge,
Estou preso, estou só, jamais tive um irmão,
Pois quanto me dá a vida, sorrindo me retoma...
DIMENSÃO II
Contudo, há muitos anos, duas coisas aprendi,
De antiga peça de teatro na leitura do roteiro,
Que até hoje conservo, em alicerce corriqueiro
E que nem toda a mulher que desejei possuí:
Que aquelas me contentem que da vida recebi
E que perceba sempre que existe algo
traiçoeiro,
Mas se pode ser pior, que o julgue um bem
primeiro,
Sem indagar o porquê dos males que sofri.
Não creio em um destino, porém na falsidade
Do livre-arbítrio, pela certa consequência
De cada escolha que fiz, tomado de imprudência,
Ou deixei de fazer, a qual, na realidade,
Acabou sendo-me imposta, tornando-se meu fado,
Que nesse doravante me conserva atribulado.
DIMENSÃO III
Contudo, uma suspeita conservo em meu pensar,
Que nascer eu escolhi, qual reza o bramanismo,
A fim de vivenciar, no mais pleno integralismo,
Certa função humana, completa até esgotar.
Desse modo o destino eu quis determinar
Por minha própria escolha real ou ilusionismo
E cabe a mim cumprir tal obra em ativismo
Que a opção primeira me fez assim buscar.
Então, quando me sinto da carne prisioneiro,
De mim mesmo é que o sou, meu próprio
carcereiro,
Só me libertarei quando o arbítrio trucidar,
O que de forma alguma consigo executar,
Que estou preso na redoma que constituí
primeiro,
Até que a obra completa permita-me alforriar.
DOADOR I – 15 jul 2019
Meu corpo é tua cidade, minhas veias são tuas
ruas,
Caminhas dentro em mim, como se fossem tuas
Minhas artérias todas: meu ventre é teu
destino,
Meus rins teu hospital; regato cristalino
É o fluxo da linfa que segue o imunológico
Sistema de defesa; meu campo neurológico
Tu fazes de teatro, cinema e até de estádio,
Meus sentidos a tevê, a Internet e o rádio.
Tuas compras todas em minhas carnes fazes,
São lojas tuas meus músculos... respiras
Nos brônquios dos pulmões, sem compaixão;
Meu fígado é farmácia e nele te refazes;
E quando sentes fome ou por beber suspiras
Se torna em restaurante meu próprio coração.
DOADOR II
Mas doação maior não posso descrever,
Salvo a final do cérebro em que habito;
Que dele tomes posse agora te concito,
Que vivas no que sou, que fui e que vou ser.
Que pelo meu quiasma o mundo possas ver,
Que pelas minhas cocleias escutes cada mito
E tomes do hipotálamo o instinto mais bonito
E possas te banhar no centro do prazer.
Que sejam teus passeios as redes minhas neurais
E frequentes da memória as filas de museus,
Da memória auditiva trio, quarteto e sinfonia,
Meu inconsciente aberto com sonhos sensoriais,
Dos quais a maioria verás que são só teus,
Que bem antes de te ver, por ti eu já sofria...
DOADOR III
Segundo dizem, qualquer poesia é erótica,
Mesmo evitando ter conotação sexual,
Ou ainda referindo qualquer ardor sensual,
Quando sua imageria se apresenta mais despótica
Em referência à vida, por mais seja caótica,
Sem se afundar demais em canto espiritual,
Porém a referir-se ao mundo material,
Mantida a perspectiva em tessitura ótica.
E desse modo aceito que sejam estes versos,
Na sua maioria, composições de Eros,
Por mais que nem refiram qualquer pornografia
E nesta doação dos órgãos mais diversos
Tem tal definição os seus sentidos veros,
Embora seja, enfim, não mais que fantasia...
MAESTRIA I -- 16
julho 2019
Escuta agora, mulher
de tez perfeita,
Confiante sempre de
seu poderio,
Catálise e fiel de
nosso brio,
Perfil sensato e
mente que deleita:
Quero que sejas
sempre quem ajeita,
Na mesma limpidez a
luz que nos uniu:
Mesmo quando para
beijo nenhum ardor surgiu,
Mas sabes entender
quão sorrateira peita
Nos brotará da vida,
se apenas permitirmos,
Quando a sondagem
finalmente concluirmos
E continuarmos, inda
que seja por brinquedo.
Que a ternura é real,
embora tenhas medo
Que dela usufruindo,
em mais e mais se torne
E enfim o coração só
nela se conforme...
MAESTRIA II
Conheço plenamente
ser mais precipitado
E ao mundo recusar
feroz o meu aceite
De que limites ponha
a meu sensual deleite
Que somente contigo
assim foi alcançado.
Se dependera de mim,
tudo seria lançado
Ao espaço sideral,
sem que nada nos peite,
Senão a persistência
do amor de mel e azeite
Que desvendo contigo
e me faz consagrado.
Fui ungido por ti no
fiel da nostalgia,
Minha cabeça coberta
pelo flagrante ideal,
Acima e muito além de
que antes sonharia...
E assim quero somente
que nosso amor perdure
Apenas para nós, sem
trono triunfal,
Mas que de ardor
alheio inteiro nos depure...
MAESTRIA III
Porém sei mais ainda
o quanto és cautelosa
Dos limites do mundo
em que temos de viver,
Não basta simplesmente
os ombros encolher,
Que a reação rodeia,
feroz e tenebrosa...
No mais pleno verão,
saraiva cobre a rosa,
Tal qual vento de
inverno que faça amor tremer
Em ira contingente e
o queime até morrer,
Assim da sociedade a
inveja perniciosa.
Destarte, deixo a dia
mediar os movimentos,
Até que seja aceito,
por mais que de mau-grado,
Da forma que recebe
outros relacionamentos,
Que seja racional teu
plano, finalmente,
E decidas, por fim,
qual o momento azado
De sem medo se impor
o voto permanente.
MAESTRIA IV
Portanto, esperarei,
envolto no furtivo,
Ocasião de te ver, se
queres que te veja,
Ocasião de te olhar,
quando ocasião se enseja,
Ocasião de cruzar o
imaculado crivo,
Que possa perdurar em
ânimo incisivo,
Apesar da maldade que
sobre nós adeja,
Sem que o cinismo mau
que tanto amor aleija
Sobre nós se derrame
de modo mais nocivo.
Concedo assim a ti o
dom da maestria,
Pois tocarás a
orquestra de cada sentimento
Na pausa necessária
até o final momento
Em que possa ribombar
de esplendor a sinfonia,
Num toque de clarim,
em tímpano potente,
No amor desenfreado
que a alma me alimente!
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