sábado, 24 de outubro de 2020

 

 

entranhas I – 9 jul 19

 

vivemos sempre essa dicotomia

entre alma e corpo, mente e coração;

sempre falei quão pura é a emoção

que me prendeu a ti em harmonia.

e agora, chegas perto e te retrai

o medo de que algo de concreto

ocorra entre nós dois, se sob um teto

nos achemos a sós, temor que sai

justamente de um frágil coração.

não obstante, não é um temor incorpo,

porque amas a mente e a alma também,

mas te congelas da carne só à menção,

pois ao tocar-te no íntimo do corpo,

a carne, com certeza, diz: “amém!”

 

entranhas II

 

bem reconheço que tal dicotomia

é fácil de entender: amor de mente,

por mais que tenha ardor subjacente,

de certo modo se controlaria,

pois do hormônio do prazer dependeria,

distribuído intra cérebro somente,

quando o consciente ainda está potente

e reprimir seu aguilhão conseguiria,

no usufruto do prazer emocional

ou na luxúria do prazer intelectual,

sem depender dos impulsos do passado,

enquanto o feromônio age mais forte,

potência a apresentar de maior porte,

tornando o corpo inteiro agrilhoado.

 

entranhas III

 

contudo, amor de hormônio é limitado,

a mente o pode facilmente peneirar

e incluso o coração acha lugar,

quando o desejo o faz bater mais apressado.

há muitos casos de amor apaixonado

que a história registrou e vem contar,

em que o carnal ocupou raro lugar,

e nem por isso tornou-se desbotado,

mas o amor carnal desencadeado

por feromônios da reprodução

é mais potente que simples emoção,

depois de solto não mais pode ser adiado

e encontrará para si nova ocasião

a cada vez que um simples beijo for trocado.

 

FANFARRAS I – 10 jul 2019

 

Desta vez os sentimentos de inocentes se arrojam,

Envoltos em momentos de aura tão estranha!...

Que a própria atmosfera assim nos acompanha

E reveste em palores que quase, enfim, te enojam.

 

O que terá levado então a linda cabecinha,

Que tanto quereria ouvir de fada e alumbre,

Soerguer-se ao pedestal, no mesmo ideal deslumbre,

De quem do pedestal a desce e se avizinha...

 

De quase desnudá-la da semi-virgindade,

,Na velha e antiga luta, em que a obscuridade

Transforma o macegal em gruta de diamante...

 

E disposta estaria, num mesmo ardor selvagem,

A seus olhos abrir, num ato de amostragem

Que a exalte e humilhe assim em giesta triunfante...?

 

FANFARRAS II

 

Nem todo sentimento de pureza é manifesto,

Afinal, ódio e rancor igual são sentimentos,

Inveja, ciúme e orgulho têm seus encantamentos,

Preguiça desconforme exala o seu protesto.

 

E quando alguém de amor idealizar tem gesto,

Traz ramalhete inconsútil no sibilar dos ventos,

Por mais gráceis pretenda ardores dos momentos,

Emoções se intercalam e repelem nesse incesto.

 

Assim, não trago amor de inocência só forjado,

Já que é mesclado em mim de nuances mais impuras,

Das quais eu não conheço qual proporcionalidade

 

E se encontrares dominação ou desprezo entrelaçado,

Não podes me culpar por mentira ou amarguras,

Entranhadas de astúcia em buquê de falsidade.

 

FANFARRAS III

 

Um senso de domínio envolve a humilhação,

Há um laivo de tristeza na maior alacridade,

Um som desarmonioso na perfeita intensidade,

Um acorde de nona a macular a orquestração.

 

E sabes muito bem tens alcateia de emoção,

Existe uma hetaira no palor da divindade,

Existe a magarefe a mutilar sinceridade,

A ânsia de ferir sempre a irisar qualquer paixão.

 

E quantas vezes sei que te puseste a meditar,

De cada reação mil razões a investigar,

Sequer sabes tu mesma porque agiste ou assim falaste

 

E quando a autoanálise for real, pura e sincera,

Quantas vezes descobriste que furiosa besta-fera

A pretexto desse amor, maugrado teu soltaste?

 

CÁLICE  I – 11 JULHO 19

 

Na cadência sutil de mel e alfombras,

eu renasci um dia em sortilégio,

da multidão febril no privilégio

de amor gozar a carne e bem as sombras...

 

Incrédulo a rever, nesse teu vulto

o ídolo sonhado em pedestal,

o retinir de sinos de cristal,

burlar da morte, num final indulto...

 

E tendo a meu alcance inteiramente

a carne e o sonho que tão poucos tem

[carne em amor talvez seja frequente,

 

de amor o sonho algures sempre vem,

tão raro é ambos juntos ter presente...]

Carne não quis -- e amor foi-se também...

 

CÁLICE II

 

Não é só minha esta característica,

que já em novela romântica é descrita,

que a bem-amada, por mais seja bonita,

é entronizada em altar qual rosa mística...

 

E não se trata de gentileza artística,

ou eufemismo que ao olhar agita,

porém coisa real, que nos incita

a dar ao amor conotação mais crística.

 

Nem é questão do charme ultrapassado

desse período de vitoriana ética,

a belle époque, que tão pouco perdurou,

 

mas que foi por duas guerras massacrado,

a morte e a dor assumindo nova estética,

que em zombaria a gentileza desprezou...

 

CÁLICE III

 

Ao invés disso, surgiu certa vergonha

de um sentimento assim manifestar,

com os amigos sem poder compartilhar,

em sarcasmo a chamar-nos de pamonha.

 

Talvez algum até mesmo se disponha

a nos substituir diante do altar,

num sacrifício à Astarteia milenar:

ter o real que o enamorado sonha.

 

Pois a verdade é que o desejo é universal,

qualquer que seja a mulher desconhecida,

com quem se busque praticar amor casual,

 

mas quando amor nos domina de verdade,

essa atitude chega mesmo a ser banida:

outras se buscam, porém nela a castidade.

 

CÁLICE IV

 

Mas nem toda mulher isso compreende:

que essa ausência de desejo é temporária

e se fará posteriormente necessária

a consumação do amor que então atende.

 

Mas nesta época que o consumar pretende

o mais rápido possível, é até nefária

essa atitude romântica e precária

qualquer paciência por quem não a entende.

 

E sendo o físico amor tão corriqueiro,

sempre é possível que o consumará ligeiro

com quem não tenha tal romântica ilusão.

 

E assim envolta nessa ficção de ardor,

apaixonou-se por seu novo parceiro

e com o corpo, perdi também o amor!

 


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