entranhas I – 9 jul 19
vivemos sempre essa dicotomia
entre alma e corpo, mente e coração;
sempre falei quão pura é a emoção
que me prendeu a ti em harmonia.
e agora, chegas perto e te retrai
o medo de que algo de concreto
ocorra entre nós dois, se sob um teto
nos achemos a sós, temor que sai
justamente de um frágil coração.
não obstante, não é um temor incorpo,
porque amas a mente e a alma também,
mas te congelas da carne só à menção,
pois ao tocar-te no íntimo do corpo,
a carne, com certeza, diz: “amém!”
entranhas II
bem reconheço que tal dicotomia
é fácil de entender: amor de mente,
por mais que tenha ardor subjacente,
de certo modo se controlaria,
pois do hormônio do prazer dependeria,
distribuído intra cérebro somente,
quando o consciente ainda está potente
e reprimir seu aguilhão conseguiria,
no usufruto do prazer emocional
ou na luxúria do prazer intelectual,
sem depender dos impulsos do passado,
enquanto o feromônio age mais forte,
potência a apresentar de maior porte,
tornando o corpo inteiro agrilhoado.
entranhas III
contudo, amor de hormônio é limitado,
a mente o pode facilmente peneirar
e incluso o coração acha lugar,
quando o desejo o faz bater mais apressado.
há muitos casos de amor apaixonado
que a história registrou e vem contar,
em que o carnal ocupou raro lugar,
e nem por isso tornou-se desbotado,
mas o amor carnal desencadeado
por feromônios da reprodução
é mais potente que simples emoção,
depois de solto não mais pode ser adiado
e encontrará para si nova ocasião
a cada vez que um simples beijo for trocado.
FANFARRAS I – 10 jul 2019
Desta vez os sentimentos de inocentes se
arrojam,
Envoltos em momentos de aura tão estranha!...
Que a própria atmosfera assim nos acompanha
E reveste em palores que quase, enfim, te
enojam.
O que terá levado então a linda cabecinha,
Que tanto quereria ouvir de fada e alumbre,
Soerguer-se ao pedestal, no mesmo ideal
deslumbre,
De quem do pedestal a desce e se avizinha...
De quase desnudá-la da semi-virgindade,
,Na velha e antiga luta, em que a
obscuridade
Transforma o macegal em gruta de diamante...
E disposta estaria, num mesmo ardor selvagem,
A seus olhos abrir, num ato de amostragem
Que a exalte e humilhe assim em giesta
triunfante...?
FANFARRAS II
Nem todo sentimento de pureza é manifesto,
Afinal, ódio e rancor igual são sentimentos,
Inveja, ciúme e orgulho têm seus encantamentos,
Preguiça desconforme exala o seu protesto.
E quando alguém de amor idealizar tem gesto,
Traz ramalhete inconsútil no sibilar dos
ventos,
Por mais gráceis pretenda ardores dos momentos,
Emoções se intercalam e repelem nesse incesto.
Assim, não trago amor de inocência só forjado,
Já que é mesclado em mim de nuances mais
impuras,
Das quais eu não conheço qual proporcionalidade
E se encontrares dominação ou desprezo
entrelaçado,
Não podes me culpar por mentira ou amarguras,
Entranhadas de astúcia em buquê de falsidade.
FANFARRAS III
Um senso de domínio envolve a humilhação,
Há um laivo de tristeza na maior alacridade,
Um som desarmonioso na perfeita intensidade,
Um acorde de nona a macular a orquestração.
E sabes muito bem tens alcateia de emoção,
Existe uma hetaira no palor da divindade,
Existe a magarefe a mutilar sinceridade,
A ânsia de ferir sempre a irisar qualquer
paixão.
E quantas vezes sei que te puseste a meditar,
De cada reação mil razões a investigar,
Sequer sabes tu mesma porque agiste ou assim
falaste
E quando a autoanálise for real, pura e
sincera,
Quantas vezes descobriste que furiosa
besta-fera
A pretexto desse amor, maugrado teu soltaste?
CÁLICE I – 11 JULHO 19
Na cadência sutil de mel e alfombras,
eu renasci um dia em sortilégio,
da multidão febril no privilégio
de amor gozar a carne e bem as sombras...
Incrédulo a rever, nesse teu vulto
o ídolo sonhado em pedestal,
o retinir de sinos de cristal,
burlar da morte, num final indulto...
E tendo a meu alcance inteiramente
a carne e o sonho que tão poucos tem
[carne em amor talvez seja frequente,
de amor o sonho algures sempre vem,
tão raro é ambos juntos ter presente...]
Carne não quis -- e amor foi-se também...
CÁLICE II
Não é só minha esta característica,
que já em novela romântica é descrita,
que a bem-amada, por mais seja bonita,
é entronizada em altar qual rosa mística...
E não se trata de gentileza artística,
ou eufemismo que ao olhar agita,
porém coisa real, que nos incita
a dar ao amor conotação mais crística.
Nem é questão do charme ultrapassado
desse período de vitoriana ética,
a belle époque, que tão pouco perdurou,
mas que foi por duas guerras massacrado,
a morte e a dor assumindo nova estética,
que em zombaria a gentileza desprezou...
CÁLICE III
Ao invés disso, surgiu certa vergonha
de um sentimento assim manifestar,
com os amigos sem poder compartilhar,
em sarcasmo a chamar-nos de pamonha.
Talvez algum até mesmo se disponha
a nos substituir diante do altar,
num sacrifício à Astarteia milenar:
ter o real que o enamorado sonha.
Pois a verdade é que o desejo é universal,
qualquer que seja a mulher desconhecida,
com quem se busque praticar amor casual,
mas quando amor nos domina de verdade,
essa atitude chega mesmo a ser banida:
outras se buscam, porém nela a castidade.
CÁLICE IV
Mas nem toda mulher isso compreende:
que essa ausência de desejo é temporária
e se fará posteriormente necessária
a consumação do amor que então atende.
Mas nesta época que o consumar pretende
o mais rápido possível, é até nefária
essa atitude romântica e precária
qualquer paciência por quem não a entende.
E sendo o físico amor tão corriqueiro,
sempre é possível que o consumará ligeiro
com quem não tenha tal romântica ilusão.
E assim envolta nessa ficção de ardor,
apaixonou-se por seu novo parceiro
e com o corpo, perdi também o amor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário