WHISTERIAS (GLICÍNIAS) I – 23 maio 2019
Volto à janela, de novo a contemplar
essa presença do verde sem floradas...
Mas outras flores brilham, encarnadas.
Por que o granizo busca apenas derrotar
essa glicínia de violeta apaziguar,
lágrimas roxas de seus ramos penduradas,
como nos olhos dos racimos consagradas,
qual em místico castigo a derrubar?...
Hoje é outono e compreendo, certamente,
que não é tempo de glicínia em floração,
porém o clima em descontrole se acha,
pois os ares se aquecem, de repente,
e muita flor já espia em seu botão,
só a glicínia ainda triste e cabisbaixa...
WHISTERIAS II
Contudo, em certos anos, amentilho
bem protegido sob a rama da folhagem,
resiste ao vento e da chuva à sua voragem,
qual se amarrado por arame em fio de atilho;
de pouco orvalho se assenhora o brilho,
quase não move ao bafo de uma aragem,
firme aguardando talvez sua reciclagem,
de minha glicínia o derradeiro filho...
De meus colegas sei que já morreu
a vasta maioria e os professores;
tantos rostos já não marcham pelas ruas...
Qual a folhagem que me protegeu
da geada e da tormenta em seus penhores,
ainda em meu ramo pendurado pelas gruas?...
WHISTERIA III
Como as glicínias, conservo-me ainda verde,
mas ao contrário delas, amo o frio,
quando no corpo mais me arde o cio,
quando a saraiva como bênção herde;
pois não me despetala e não se perde
o meu vigor, nem meu erguer adio,
sempre é o inverno que me amplia o brio
e me envigora, quando o calor me lerde.
Essas dores que se queixam ter no inverno
opostamente a mim assaltam no verão:
contra a alegria alheia é minha tristeza
e a brisa gélida para mim é um beijo terno,
dou largos passos, sem mais inquietação,
sem pender, qual o amentilho, em sua lerdeza!
AMOR EM TECLAS I – 24 MAIO 2019
Amor avantajado, nos olhos debruado,
Amor desmilinguído nos tímpanos do ouvido,
Amor adormecido nas gárgulas do olvido,
Amor semialcançado nos lábios relembrado...
Amor de belo ensejo no palpitar do beijo,
Amor no corpo havido em táctil sentido,
Amor nalma nutrido, marcado num gemido,
Amor de leve adejo que só nos olhos vejo...
Amor de beijo ardente, por mais indiferente,
Amor de malvasia no instante em que fazia
Amor de hipertensão nos palpos da emoção...
Amor quase inconsciente, que surge de repente,
Amor feito alforria no espasmo que sentia,
Amor sem condição em plena escravidão...
AMOR EM TECLAS II
Pois certamente amor é puro descontrole,
Quando se quer alguém bem mais do que se tem,
Amor feito azevém a balbuciar também
No coração atado, arfante como um fole!
Amor uma armadilha, no corpo inteiro bole,
Amor que vem do além e para o além nos vem,
Amor de bem e mal, de mal tornado bem,
De bem tornado mal, que inteiro nos engole!
Quem nalma não sentiu tal pura escravidão
Só passou pela vida, na vida não viveu
O amor que nos invade e tolhe a liberdade,
Porém nos alforria na mesma redenção,
A única razão que o corpo não morreu
Até cumprida a sina de toda a humanidade!
AMOR EM TECLAS III
E que seria de ti, sem ter amor?
Por isso tantos dormem nessa entrega,
Sem tal calor a vida não se apega,
Melhor deitar-se sob a terra, sem temor.
Mas é de ti que o amor brota em seu valor
E pouco importa que a amada seja cega
E pelo teu amor, amor algum te lega,
Em ti é que arde toda a brasa desse ardor.
Sempre é possível amor se distribuir,
Seja a parentes, a amigos, ao trabalho,
Ou mesmo às simples flores do jardim,
Embora tal amor que vem de nós fluir
Não seja aquela servidão de fino talho
Que eu sentiria, caso olhasses para mim!
MARATONAS NOTURNAS I – 25 MAIO 2019
Meus olhos correm, contudo não percebo
que sob as pálpebras não param de correr.
Em seu ergástulo, não o posso conceber,
Estou cativo e sinto-me em placebo.
Não eu mesmo verdadeiro, mas me embebo
De onírico fulgor e me vejo a percorrer
As hipnagógicas paragens de meu ser,
Das quais a origem e a fonte mal concebo.
Sei que me dizem que o movimento REM
Está a indicar de meu sonho a duração.
Para onde bate, então, meu coração?
Será que o eu do sonho vai também
Sonhar que está sonhando e seu olhar
Por sob as pálpebras não pare de ondular?
MARATONAS NOTURNAS II
Mais de uma vez, enquanto adormecido,
Os pampas de minhalma percorrendo,
Sinto no sono estar adormecendo,
Para sonhar no sonho ainda incontido.
Não sei se isso é comum, não tenho lido
Sobre sonhos intra um sonho acontecendo.
Mas é certo que nos meus vem ocorrendo
E então nem sei se permaneço recolhido
No espaço onírico, seja no inconsciente
Chamado coletivo por Jung, esse judeu,
Que contrariou a Freud, judeu e mestre seu
Ou se acaso me acordei na noosfera
Do bom padre Teilhard, que então me gera
Os pensamentos alheios no presente.
MARATONAS NOTURNAS III
Somente sei que meus sonhos são vibrantes
E dentro deles posso sempre dominar.
Se não me agrada para onde caminhar,
Lembro que é sonho nesses tais instantes
E modifico suas inflexões constantes
Para outro algo que me agrade vivenciar.
Por vezes, é igual que estivesse a partilhar
O mesmo sonho com parceiras cintilantes...
Nesses momentos é que pareço adormecer
Dentro do sonho, quiçá em devaneio,
Sem um impulso externo, não me acordo
Dos sonhos vívidos, iguais que em meu viver,
Tato, cheiro, sabor, brotando sem arreio,
De que minhas pálpebras demarcam o rebordo.
MARATONAS NOTURNAS IV
Seria vulgar, neste ponto, apresentar
A já multimencionada indagação:
Sobre se os olhos se abrem na ocasião
Da realidade ou em tal sonho singular.
Mas não sinto ser assim.
Venho acordar
Para o vento da rua e essa canção
Dos passarinhos no beiral desta mansão,
Modesta embora, mas verdadeiro lar.
Mas como saberei se os olhos correm
Por sob as pálpebras, se não olhar de fora?
Somente alguém a meu lado o pode ver...
E nesse dia em que meus olhos morrem.
Para onde irão os sonhos meus de outrora,
Sem mais retinas para percorrer?
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