domingo, 18 de outubro de 2020

 

 

A HÓSPEDE I – 22 JUN 2019

 

então, ainda acreditas ser preciso

combinar previamente a tua visita?

pois teu chegar meu coração concita

a um vigor novo de sonho, em que reviso,

gota por gota, os frascos da memória,

os tempos vãos, angústias do semblante,

os tempos bons tão raros, de anelante

expectação de anil e ideal de glória...

os tempos que são teus há tantos meses,

prouvera-me que fossem tantos anos,

que de fato a ti somente pertencessem...

que o coração é teu, por tantas vezes,

quantas as muitas que marcam desenganos,

antes que a ti apenas meus sonhos percebessem...

 

A HÓSPEDE II

 

Porque hóspede, de fato, para mim não és,

em minha casa a vir ficar fim-de-semana,

pois és a dona de mim, nisto se irmana

que quanto eu tenha já deponha ante teus pés;

em tua presença assim não há qualquer revés,

o hóspede sou eu, eu sou quem mais se afana,

para atender teus mil caprichos de romana,

antiga ama de mim, igual perenes fés...

assim te espero aqui, mesmo que nunca venhas,

sem lamentar jamais o tempo dessa espera,

sem nunca me afoitar em ver o que fizeste,

no aguardo desse tempo que enfim para mim tenhas,

para que ao lar vazio que a tua presença altera

retorne a luz tal qual no antanho me acendeste...

 

A HÓSPEDE III

 

desse modo, vem depressa e chega logo,

já que me encontro sujeito totalmente

e meu amor anseia se apresente

a ocasião do cumprimento de meu rogo,

porque na tua ausência em água faz-se o fogo

que as veias e entranhas percorre onipresente;

só teu retorno então acorda esse inerente

aquecimento vital que dê razão ao jogo;

quando minhalma te aguarda junto à porta,

meu coração suspenso da janela,

a mente inteira acorrentada no portão

e caso alguém chegar, em pouco ou nada importa,

por mais se imponha a mim a sua figura bela,

a outra amortecido qualquer laivo de emoção.

 

REALIDADE I – 23 jun 2019

 

Não sei bem definir as coisas que hoje sinto,

Mas desde que partiste, o tempo suspendeu-se,

É como se estivesse em névoa de absinto,

Vagueando em sonho falso, que em torno a mim teceu-se.

 

Eu já sentira antes, em parte, o que ressinto:

Parece-me vivia somente as poucas horas

Passadas a teu lado, instantes que pressinto

Ligavam-se bem firmes, zombando das demoras...

 

E agora eu sei que espero apenas o momento

De te encontrar de novo; e meu pressentimento

É ver clarear depressa os dedos do nevoeiro,

 

Que os olhos me pressionam, em muda brincadeira,

Tal como se afastasse pesado reposteiro

No instante em que te saiba de novo verdadeira.

 

REALIDADE II

 

Apenas sei agora que a vaga ausência tua,

Não foi presente nunca algures no passado,

Tão só em devaneio te percebi ao lado,

Qual caco de cristal que o coração estua.

 

Nem sei ao menos ter uma lembrança nua

Que me possa indicar ao  peito atribulado

Haver em certo dia escaninho do encantado

Em que se fez matéria a argêntea luz da lua...

 

Enfim, é bem possível, por mais que isso rejeite,

Que na verdade nunca tenhas existido,

Gáseo semblante que imaginei no olvido,

 

Bálsamo puro de açafrão e verde azeite

E que somente foi em sonho que te vi,

Sem esquecer a noite antiga em que vivi.

 

REALIDADE III

 

Mas que tu sejas apenas fragmento

De minha imaginação, solerte vulto,

Que me persegue sem me dar indulto.

Dos calabouços de meu pensamento...?

 

Mas carcereiro não sou nesse momento,

Pôr-te um grilhão seria atroz insulto;

Mais sacerdote que te renda culto,

Ou prisioneiro, quiçá, de teu alento...

 

E da neblina afasto o reposteiro,

Pensando te avistar nessa vereda,

Porém eu vejo apenas meu quarto estar deserto...

 

Onde será então que te encontrei primeiro,

Essa figura tênue e gentil que me conceda

Fechar as chagas do coração aberto!...

 

MARINA I – 24 junho 19

Por que não posso te chamar por este nome?

Delicado e soa bem, sugere a flor e o mar,

talvez recorde estela, os raios do luar,

refletidos nas ondas que a vastidão consome...

 

Mas uma estrela viva, um asterídeo azul,

cujos braços se movem, em busca de um amor,

ou só por alimento, curiosa, ou por temor,

uma estrela macia... e de esplendor exul...

 

uma estrela que, um dia, subiu à praia e olhou,

olhos meigos nos olhos de um homem a pescar,

sem nunca encher a rede, um velho ainda menino,

 

que só de nostalgia seu coração buscou...

Quem sabe se essa estrela, saída assim do mar,

será um dia a estrela a brilhar no meu destino...?

 

MARINA II

 

Nos tempos de criança, ouvi frequentemente

certa canção gentil que nem escuto mais:

“um pequenino grão de areia”, em seus fatais

sonhos de amor, fitando estrela reluzente...

 

Que sendo um pobre sonhador, igual que a gente

desenvolveu  em si vazios amores siderais,

voltados a essa estrela de cósmicos fanais,

sem contar que a luz dela lhe fosse indiferente...

 

Imerso em férvida ilusão, mesmo pensou

que certo dia de antanho, pudera até a abraçar,

que então ela se fora, porém que lhe deixara,

 

para que o acalentasse, o dom que lhe ficou,

minúscula estrelinha, flutuando assim no mar,

que em forma inexplicável, com a bela ele gerara!

 

MARINA III

 

Também eu sou assim, igual que o grão de areia:

o cosmos contemplei, ali querendo alçar-me,

mesm que férvido fulgor pudesse devorar-me,

até longínqua estrela que a alma me incendeia!

 

Quisera ter vivido, nos anos de minha teia,

a descida dos homens em Marte a alegrar-me,

posta de lado a Lua, para assim desapontar-me,

após cinquenta anos que a quimera me clareia!

 

Mal posso acreditar, já um século passado,

depois de tanto ler romances espaciais,

que ali não haja ainda humano acampamento...

 

E fico a me indagar, de coração pesado,

igual que algum amor que imaginei demais,

será que ali pousaram, de fato, algum momento?

 

PETIÇÃO [para a estrela Marina] – 25 junho 2019

Tu me disseste um dia chegares sempre tarde,

que alguém antes de ti depressa havia tomado,

alguém a quem terias com beijos abraçado

e a quem quiseste amar, tranquila e sem alarde...

 

E agora, então sem pejo, a vista destes versos

que te mandei, confessas, de novo, ter paixão...

De fato isto me alegra, de orgulho, o coração:

que possa te alegrar com meus silvos dispersos...

 

Que deste simples modo, por tudo o que sofreste,

por teu choro de sal, que então lançaste aos ventos,

pudesse te enviar o antídoto do inferno...

Doce elixir, enfim, forjado em som agreste,

Amor composto assim dos mais ternos momentos,

Amor que seja feito de algum momento eterno...

 

PETIÇÃO II

 

Não sei a quem suplico, cometa ou asteróide,

a Júpiter fulgente, a Saturno revelado

pela vaidade ingente de ser todo anelado,

ou a qualquer meteoro de formação globóide.

 

Ao Sol, talvez, sua vasta radiância de esferóide,

ou à estrela distante que tenha contemplado,

no arenoso destino de por tantos ser pisado,

onde possa encontrar tal imagem humanóide,

 

que um dia lastimou-se, chorando ao pé do ouvido,

descrente ser do amor, já tanta vez perdido,

a quem, em meu desdouro, mal pude consolar;

em qual sonho perdido, qual mundo paralelo,

eu lhe mandei meu verso, feito de amor singelo,

somente um pergaminho, que possa amarfanhar?

 

PETIÇÃO III

 

Conservo nos meus versos memória do elixir

que prometi mandar aos lábios da donzela,

a quem no coração ergui sagrada estela,

cuja presença viva não quis-me permitir

 

qualquer poder arcano, etéreo a reluzir,

que sobre a fronte minha, sem dó, constante vela

e meus sonhos desfaz nas orlas da procela

e cada intento meu, zombando, faz partir.

 

Imerso em meu fracasso, então te desejei,

donzela triste e frágil, a quem nunca abracei,

que outrem te fabrique o mágico elixir

e que esse demiurgo, atroz e impertinente,

se possa desfazer, perante a fé nascente

de um novo amor-milagre que venha me atingir!

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