A HÓSPEDE I – 22 JUN 2019
então, ainda acreditas ser preciso
combinar previamente a tua visita?
pois teu chegar meu coração concita
a um vigor novo de sonho, em que reviso,
gota por gota, os frascos da memória,
os tempos vãos, angústias do semblante,
os tempos bons tão raros, de anelante
expectação de anil e ideal de glória...
os tempos que são teus há tantos meses,
prouvera-me que fossem tantos anos,
que de fato a ti somente pertencessem...
que o coração é teu, por tantas vezes,
quantas as muitas que marcam desenganos,
antes que a ti apenas meus sonhos percebessem...
A HÓSPEDE II
Porque hóspede, de fato, para mim não és,
em minha casa a vir ficar fim-de-semana,
pois és a dona de mim, nisto se irmana
que quanto eu tenha já deponha ante teus pés;
em tua presença assim não há qualquer revés,
o hóspede sou eu, eu sou quem mais se afana,
para atender teus mil caprichos de romana,
antiga ama de mim, igual perenes fés...
assim te espero aqui, mesmo que nunca venhas,
sem lamentar jamais o tempo dessa espera,
sem nunca me afoitar em ver o que fizeste,
no aguardo desse tempo que enfim para mim tenhas,
para que ao lar vazio que a tua presença altera
retorne a luz tal qual no antanho me acendeste...
A HÓSPEDE III
desse modo, vem depressa e chega logo,
já que me encontro sujeito totalmente
e meu amor anseia se apresente
a ocasião do cumprimento de meu rogo,
porque na tua ausência em água faz-se o fogo
que as veias e entranhas percorre onipresente;
só teu retorno então acorda esse inerente
aquecimento vital que dê razão ao jogo;
quando minhalma te aguarda junto à porta,
meu coração suspenso da janela,
a mente inteira acorrentada no portão
e caso alguém chegar, em pouco ou nada importa,
por mais se imponha a mim a sua figura bela,
a outra amortecido qualquer laivo de emoção.
REALIDADE I – 23 jun 2019
Não sei bem definir as coisas que hoje sinto,
Mas desde que partiste, o tempo suspendeu-se,
É como se estivesse em névoa de absinto,
Vagueando em sonho falso, que em torno a mim teceu-se.
Eu já sentira antes, em parte, o que ressinto:
Parece-me vivia somente as poucas horas
Passadas a teu lado, instantes que pressinto
Ligavam-se bem firmes, zombando das demoras...
E agora eu sei que espero apenas o momento
De te encontrar de novo; e meu pressentimento
É ver clarear depressa os dedos do nevoeiro,
Que os olhos me pressionam, em muda brincadeira,
Tal como se afastasse pesado reposteiro
No instante em que te saiba de novo verdadeira.
REALIDADE II
Apenas sei agora que a vaga ausência tua,
Não foi presente nunca algures no passado,
Tão só em devaneio te percebi ao lado,
Qual caco de cristal que o coração estua.
Nem sei ao menos ter uma lembrança nua
Que me possa indicar ao
peito atribulado
Haver em certo dia escaninho do encantado
Em que se fez matéria a argêntea luz da lua...
Enfim, é bem possível, por mais que isso rejeite,
Que na verdade nunca tenhas existido,
Gáseo semblante que imaginei no olvido,
Bálsamo puro de açafrão e verde azeite
E que somente foi em sonho que te vi,
Sem esquecer a noite antiga em que vivi.
REALIDADE III
Mas que tu sejas apenas fragmento
De minha imaginação, solerte vulto,
Que me persegue sem me dar indulto.
Dos calabouços de meu pensamento...?
Mas carcereiro não sou nesse momento,
Pôr-te um grilhão seria atroz insulto;
Mais sacerdote que te renda culto,
Ou prisioneiro, quiçá, de teu alento...
E da neblina afasto o reposteiro,
Pensando te avistar nessa vereda,
Porém eu vejo apenas meu quarto estar deserto...
Onde será então que te encontrei primeiro,
Essa figura tênue e gentil que me conceda
Fechar as chagas do coração aberto!...
MARINA
I – 24 junho 19
Por que não posso te chamar por este nome?
Delicado e soa bem, sugere a flor e o mar,
talvez recorde estela, os raios do luar,
refletidos nas ondas que a vastidão
consome...
Mas uma estrela viva, um asterídeo azul,
cujos braços se movem, em busca de um amor,
ou só por alimento, curiosa, ou por temor,
uma estrela macia... e de esplendor exul...
uma estrela que, um dia, subiu à praia e
olhou,
olhos meigos nos olhos de um homem a
pescar,
sem nunca encher a rede, um velho ainda
menino,
que só de nostalgia seu coração buscou...
Quem sabe se essa estrela, saída assim do
mar,
será um dia a estrela a brilhar no meu
destino...?
MARINA II
Nos tempos de criança, ouvi frequentemente
certa canção gentil que nem escuto mais:
“um pequenino grão de areia”, em seus
fatais
sonhos de amor, fitando estrela
reluzente...
Que sendo um pobre sonhador, igual que a
gente
desenvolveu
em si vazios amores siderais,
voltados a essa estrela de cósmicos fanais,
sem contar que a luz dela lhe fosse
indiferente...
Imerso em férvida ilusão, mesmo pensou
que certo dia de antanho, pudera até a
abraçar,
que então ela se fora, porém que lhe
deixara,
para que o acalentasse, o dom que lhe
ficou,
minúscula estrelinha, flutuando assim no
mar,
que em forma inexplicável, com a bela ele
gerara!
MARINA III
Também eu sou assim, igual que o grão de
areia:
o cosmos contemplei, ali querendo alçar-me,
mesm que férvido fulgor pudesse devorar-me,
até longínqua estrela que a alma me
incendeia!
Quisera ter vivido, nos anos de minha teia,
a descida dos homens em Marte a alegrar-me,
posta de lado a Lua, para assim
desapontar-me,
após cinquenta anos que a quimera me clareia!
Mal posso acreditar, já um século passado,
depois de tanto ler romances espaciais,
que ali não haja ainda humano
acampamento...
E fico a me indagar, de coração pesado,
igual que algum amor que imaginei demais,
será que ali pousaram, de fato, algum
momento?
PETIÇÃO
[para a estrela Marina] – 25 junho 2019
Tu me disseste um dia chegares sempre
tarde,
que alguém antes de ti depressa havia
tomado,
alguém a quem terias com beijos abraçado
e a quem quiseste amar, tranquila e sem
alarde...
E agora, então sem pejo, a vista destes
versos
que te mandei, confessas, de novo, ter
paixão...
De fato isto me alegra, de orgulho, o
coração:
que possa te alegrar com meus silvos
dispersos...
Que deste simples modo, por tudo o que
sofreste,
por teu choro de sal, que então lançaste
aos ventos,
pudesse te enviar o antídoto do inferno...
Doce elixir, enfim, forjado em som agreste,
Amor composto assim dos mais ternos
momentos,
Amor que seja feito de algum momento
eterno...
PETIÇÃO II
Não sei a quem suplico, cometa ou
asteróide,
a Júpiter fulgente, a Saturno revelado
pela vaidade ingente de ser todo anelado,
ou a qualquer meteoro de formação globóide.
Ao Sol, talvez, sua vasta radiância de
esferóide,
ou à estrela distante que tenha
contemplado,
no arenoso destino de por tantos ser
pisado,
onde possa encontrar tal imagem humanóide,
que um dia lastimou-se, chorando ao pé do
ouvido,
descrente ser do amor, já tanta vez
perdido,
a quem, em meu desdouro, mal pude consolar;
em qual sonho perdido, qual mundo paralelo,
eu lhe mandei meu verso, feito de amor
singelo,
somente um pergaminho, que possa
amarfanhar?
PETIÇÃO III
Conservo nos meus versos memória do elixir
que prometi mandar aos lábios da donzela,
a quem no coração ergui sagrada estela,
cuja presença viva não quis-me permitir
qualquer poder arcano, etéreo a reluzir,
que sobre a fronte minha, sem dó, constante
vela
e meus sonhos desfaz nas orlas da procela
e cada intento meu, zombando, faz partir.
Imerso em meu fracasso, então te desejei,
donzela triste e frágil, a quem nunca
abracei,
que outrem te fabrique o mágico elixir
e que esse demiurgo, atroz e impertinente,
se possa desfazer, perante a fé nascente
de um novo amor-milagre que venha me
atingir!
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