terça-feira, 13 de outubro de 2020

 

 

AMOR AMORTECIDO I – 6 JUN 19

 

Quando se ama alguém, não há como parar,

Se pensa a cada instante, de noite e em claro dia,

Não como a obsessão que alguém descreveria,

Mas qual um pensamento que se quer acalentar.

 

Quando se ama alguém, não há como pensar,

Pois nem se considera o fim dessa elegia,

Para nós tal sentimento eterno duraria,

Por cem anos e um dia, mais um mês e sem cessar...

 

De fato, não se para em busca de razões,

Já que a mente nos afasta do verdadeiro amor,

Que abranda seu fulgor, se sujeito a analisar.

 

Esse foi o meu erro: olhei as emoções,

Em busca de motivos para seu ideal calor

E esvaiu-se em neblina que nem sequer pude beijar!

 

AMOR AMORTECIDO II

 

Deixei que amor se fosse, sem nem tentar segui-lo;

Há um certo sentimento, de fato, que é melhor

Apenas na memória conter, manter de cór,

Como ideal cintilante, sem refazer-lhe o estilo.

 

A traça é que nos prende no vão no seu sigilo,

Revelador de um nada que era ainda maior

Do que esse ardor interno, profuso regador

De artérias perfuradas, sem conceder asilo

 

Ao sangue hemorragiado que esguicha no papel,

Nessa visão de túnel de arguta inflorescência,

Tricúspide e mitral a nos rugir do coração;

 

Melhor então deixar que escorra essa paixão,

Na morte de si mesma, sem mais correspondência,

Salvo em mágoa amargosa de cem favos de fel.

 

AMOR AMORTECIDO III

 

Não haverá final, se não me achar presente;

As coisas são assim, por mais que seja inglória

Essa onania mental esfeita em pó e escória,

Depois achincalhada em poema descontente.

 

Não há como fugir: o completar da história,

Quando não nos calcina em confusão ardente,

Requer o seu gatilho apertado incontinenti,

Por tuas próprias mãos a suicidar tua glória.

 

Assim, do mesmo modo que a mente me reclama,

De modo igual que o corpo constante assim me exige,

Amor amortecido processa suas demandas,

 

Restos mortais de cinza que um rubro ainda proclama,

Pingos de sangue gris que um coágulo redige

E igual que em calmaria, se estanca em velas pandas.

 

LEQUE OFUSCANTE I – 7 JUNHO 2019

 

Ainda busco em mim um sonho sintomático

Desse buquê de ardis que a alma me devora,

Da ampla variedade de aptidões de outrora,

Em manso digladiar sem em nada ser enfático.

 

Quando há um só caminho para um destino tático

E em nada mais se pode agir na incerta hora,

É fácil tudo mais poder mandar embora

E seguir nesse sendeiro, por mais seja lunático.

 

Mas quando deparamos com tais facilidades,

Tanta senda de fato podendo percorrer,

Ficam a nos exigir mil planos nascituros,

 

Em que se possa ver quais oportunidades

Que de outra estrada mais nos possa demover

E assim tentamos todas, das nobres às impuras.

 

LEQUE OFUSCANTE II

 

Somente houve um caminho de eterna recorrência,

Ainda a persistir sobre o lodo da sapiência,

A debater-se sempre contra múltipla exigência

Da arte, da oratória, dos ramos da ciência...

 

Por entre as tentativas que a nada me levaram,

Embora tenha tido sucesso em quase todas,

Apenas uma prenda remanesceu nas rodas:

Aonde quer que eu fosse, mil versos me alcançaram...

 

E hoje em dia, enfim, que me acho aposentado

E posso me manter com a renda que obtive,

Mais uma vez eu cedo ao mesmo ideal alado,

 

Embora muita vez já o tenha rejeitado,

Abrindo uma outra porta que ainda redivive,

Forçado a ser poeta em sonho indesejado.

 

LEQUE OFUSCANTE III

 

Contudo, estes rascunhos redijo em mil cartões

E seu reverso atrai com frequência minha atenção,

Ás vezes para a história breves frases chamarão,

Em outras para as línguas de que tenho dotações.

 

Apesar de minha idade, amplio as coleções

De palavras e frases que produz cada nação

E a memória sujeito a tais flores em botão,

Enquanto me recolho “a pensar com meus botões”,

 

Na espera de meu sono, devaneio hipnagógico,

Longas listas de palavras, cem frases a compor

Em qualquer língua alheia àquela em que eu escrevo;

 

Para os sonhos moribundos lanço um canto demagógico

E dos sonhos sintomáticos mal posso ver pendor,

Senão na noosfera a que então meus passos levo.

 

A RUSSA RECLINADA I – 8 de junho de 2019

 

Sempre existe uma coisa que não posso compreender:

É porque tantos julgam ser algo de excitante,

A perfazer contraste com a nudez exuberante,

Saltos altos nos pés da modelo ainda se ver!...

 

De fato, muita vez já aconteceu-me ter

Exposto a meu olhar um vulto assim vibrante,

O corpo inteiro exposto, despudorado instante,

Cabelos longos soltos, gentis como se quer...

 

Contudo ainda trazendo nos firmes tornozelos

As tiras dos sapatos, no acréscimo da altura,

Como novo complemento de sua figura esguia

 

Ou então só encaixados nos calcanhares belos,

Como o suporte falso de calculada jura,

Tais saltos altos que hoje a moda ainda aprecia...

 

A RUSSA RECLINADA II

 

Acho a nudez perfeitamente natural,

Essencial e complemento à sua vaidade,

Mármore e óleos já com vivacidade

Mostram há séculos o corpo material.

 

Quando Coco Chanel moda inicial

Deu aos banhos de sol em liberdade,

A consequência lógica, em verdade

Era nas praias essa nudez total...

 

Foram as roupas aos poucos descartando,

Para poder “bronzear” um trecho a mais,

Chegou o biquini, de início bem discreto,

 

Mas que depois foi-se aos poucos encurtando,

Até o monoquini, os seios e o demais,

Sem que exista na mulher qualquer ponto secreto...

 

A RUSSA RECLINADA III

 

Se uma jovem pretende agora ser modelo

E para o book se faz fotografar,

Hoje em dia é necessário se mostrar

Completamente nua em seu desvelo.

 

Expondo ao mundo até o seu órgão mais belo,

Abertamente e às claras, de forma a declarar

Que não é um travesti, ali pronta a ostentar

A prova clara e firme do atual ideal de gelo

 

Que tanto nos expõe que a excitação se esvai

E para os jovens, pouco a pouco, a embaça,

Deixa de ser do corpo o fruto proibido...

 

Talvez por isso hoje é que tanta gente vai

Das estranhas perversões sair à caça,

Para a libido retomar com seu gemido.

 

A RUSSA RECLINADA IV

 

De fato, essa modelo é até discreta:

Expoe os seios com naturalidade,

Sinal feliz de sua fertilidade,

De lado mostra o corpo e só afeta

 

Sorriso pálido de timidez dileta;

Curvilínea se encontra na realidade,

Não mais no ideal de emagricidade

Que o padrão de Hollywood antes completa.

 

Faz muito bem em mostrar-se como é,

Pois há o castigo transitório ao feminino,

Provavelmente, aos poucos, vai engordar,

 

Especialmente se demonstrar sua fé

Por esse fato natural em seu destino,

No ato sagrado de seu engravidar!

 


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