ARTHUR
PENDRAGON I – 17 JUN 2019
Tenho em
minha casa belo exemplo nobre
de gato
persa, mas me lembra mais inglês
embriagado
de cerveja em placidez
num pub antigo cujas paredes cobre
a sombra
acastanhada que ali sobre
de mil
charutos e cachimbos, que se fez
evolar
lentamente, cinza-azul de maciez,
que contra
o teto assume um tom mais dobre.
O pobre
bicho em pequeno foi castrado
e em
resultado cresceu imensamente,
seu pelo
branco e gris, castanho impertinente,
com certas
mechas de negror ali mesclado,
porém
algum vizinho judiou-o cruelmente
e pela
timidez mesmo agora está marcado.
ARTHUR
PENDRAGON II
Sem dúvida
me acha um amigo de confiança,
contudo se
arrepela ante o menor ruído,
parece pressentir o antigo mal havido,
nos tempos
de filhote, não mais que uma criança;
dorme
perto de mim, que aqui acha bonança,
horas a
fio à espera outra vez de ser nutrido
e então
vem insistir de novo o seu pedido,
até que me
comporte conforme sua ordenança.
Então
lambe os bigodes, fingindo não querer,
enquanto
espero eu, junto ao portão da escada;
somente
quando fecho, tal felina majestade
se ergue
finalmente, dispondo-se a descer
e o abro
novamente à impaciência airada,
seu poder
a demonstrar e sua superioridade.
ARTHUR
PENDRAGON III
E quando
quer sair, é idêntica a atitude,
a fitar-me
impertinente à beira da janela;
com um
suspiro atendo essa figura bela,
mas lambe
seus bigodes, de novo assim me ilude
e vai a
outra janela, demonstrar desprezo rude,
olhando de
soslaio, ao pé dessa cancela
e quando
abro o postigo, o pulo não revela
e no maior
descaso outra intenção me alude.
Porém o aprecio, embora preferisse
de um cão
mais submisso maior docilidade;
às vezes
contra os pés um obrigado esfrega
por tê-lo
obedecido da forma que insistisse
e um salto
dá por fim, em ágil veleidade,
para
deitar-se ao sol que seu capricho apega.
ARTHUR
PENDRAGON IV
Sempre
escutei dizer que o lugar dos gatos
seria bem
tranquilo, no interior do lar,
enquanto
para os cães se marcaria lugar
no pátio
ou no telheiro, claros fatos,
contudo
aqui em casa, mas sem motivos latos
as coisas
se inverteram e dentro vai ficar
Gremlin, o
shitzu; e esse gato singular,
Arthur
Pendragon, talvez saia a caçar ratos.
No início
da manhã, no aguardo da ração,
saltando à
minha janela, não para de miar,
no horário
que pretenda para si mais conveniente
e em
litania repete o rosário da oração,
cada miado
torna já um pouco mais potente,
até que,
finalmente, me force a levantar!
ARTHUR
PENDRAGON V
De gatos
eu só sei os caprichosos
humores
que possuem; são mulheres
os machos
igualmente, mas conferes
a eles
teus abraços carinhosos,
mas só
fazem o que querem, quando querem;
ao ser
chamados, fingem não ouvir;
se
ignorados, voltam a insistir,
até
ganharem o carinho que requerem...
E como não
os busco, um mau amigo,
ao chegar
em uma casa, vêm-me ao colo,
a requerer
meu abrigo e meu consolo...
Infelizmente,
às mulheres não consigo
Ignorar;
destarte, não se importam
em me
atrair... e assim não me confortam...
ZOMBARIA I
– 18 JUN 19
(Para
Maritza Pérez, que nunca quis ser Guedes)
Durante
toda a vida ela sentiu-se unida
ás plagas
espanholas de velhos ancestrais,
como se
todos fossem espanhóis e nada mais
sem que
ela descendesse sequer de uma guarida
que
espanhola não fosse, ali sendo excluída
a origem
portuguesa e as outras naturais,
cujo
sangue jorrou, em sóis conceptuais
para
compor o seu e conceder-lhe a vida!
E nela a
teimosia espanhola traz sinal,
aprova
inteiramente essa sua estranha
forma de
ser, quais católicos e ateus...
E um dia,
ao escutar a zombaria final,
caprichoso
sorriso luziu nos olhos seus:
querer
expor-se nua ao sol da Espanha!
ZOMBARIA
II
Não creio
ainda deseje tal destino,
já se
passaram três décadas e mais,
desejos
mudam por motivos naturais,
o seu
nudismo foi de instante pequenino,
mais destinado
a provocar meu desatino,
que
poderia chamar de ciúme por demais,
pois não
queria eu que os olhares estivais
descessem
sobre a pele exposta ao sol a pino...
que seu
desejo seja ainda apenas meu
e que em
troca só a mim conceder possa
a
perfeição sutil de seu corpo dourado,
que por
impulsos de amor me pertenceu,
mas que o
capricho seja apenas troça
de quem
percebe ainda ser dela enamorado.
ZOMBARIA
III
Hoje ela
sonha bem mais com Istambul,
que
visitamos numa semana breve
e da
Sicília sonhar também se atreve,
de uma
cabana poder fitar o mar azul...
Mas sem
vaidade de ali expor seu corpo exul,
e em praia
usar tão só vestido leve;
eu até
mesmo preferia fosse a neve
que ela
trilhasse, muito além do sul.
E a
seguiria, sem lhe dar meu sobrenome,
diante do
orgulho com que conserva o seu,
por mais
que nela já o espanhol seja distante,
que em
cada geração já nos consome
pura etnia
e já a sua se escondeu
nos
emaranhos da genética inconstante.
ADJUDICAÇÃO
I – 19 JUN 19
Nunca
pensei te achasses disponível
ou que por
mim pudesses ter desejo
e aquela
confissão leal, sem pejo,
tomou-me
de surpresa indescritível,
pois
despertou em mim uma indizível
nostalgia
por abraços ou por beijo,
de bocas
do passado, cada ensejo
esmaecido
já, na intransponível
neblina
que recobre o bem gozado
Foi um
choque, talvez... mas superei
e na
lembrança dos beijos que não dei
luziu
somente este esplendor inglório
das
saudades de um futuro inesperado,
na espera
de um presente transitório.
ADJUDICAÇÃO
II
Há muito
tempo que sei me contentar
com as
mulheres que a vida já me deu,
atrás das
fascinantes, qual sandeu,
mui
certamente não quero me humilhar.
Segundo
dizem, só poderás contar
que uma em
dez sinta desejo teu;
não foi
tal número que me acometeu,
que minha
tendência é com uma só ficar.
Porém se
ganho um presente inesperado
é bem
difícil que o queira resistir,
por mais
problemas que me venham a surgir
e me
convenço, por ilusão domado,
que causar
um desaponto é crueldade
e ao novo
beijo acolho sem maldade...
ADJUDICAÇÃO
III
Mas nem
por isso lhe faço uma escritura
de minha
vida, nem sequer usucapião;
dou-lhe
fatias de meu rubro coração,
mas dentro
em mim conservo a alma pura,
que sabe
retribuir toda a ternura
e assim
partilha dos beijos em botão,
porém
conservo o controle da emoção,
enquanto a
emoção dela perdura...
Em minha
vaidade, me suponho caridoso,
por
aceitar quem antes não quisera,
sabendo
embora ser dela a doação,
trilhando
a beira do abismo perigoso,
em que me
espreita do amor a besta-fera,
que então
devora inteira a minha razão!
FIDEICOMISSO I – 20 JUN 19
Quero teu beijo agora, doce e puro:
que seja dado em breve, silencioso,
que só o pulsar do coração zeloso
interfira na certeza desse escuro
momento, em que o céu assim se apaga,
em que o sorriso e a dor se desvanecem,
em que o tempo e a terra já se esquecem,
nessa emoção que alma e carne esmaga;
porque esse beijo deve ser eterno,
um beijo que transcenda céu e inferno,
quando comprimes teu peito contra o meu;
quero que seja o beijo de um momento,
um beijo que transcenda o casamento
e que demonstre o quanto ainda sou teu...
FIDEICOMISSO II
Mas este amor que te lego por herança
deverá ser repartido a co-herdeira,
essa que amei, talvez por vez primeira,
seu rosto vago já na minha lembrança,
mas sobrenada na memória mansa;
e caso seja após ti a derradeira,
que então lhe deixes minhalma por inteira,
já que por morte não mais queres minha bonança,
porque esse amor e o beijo que te dei
são para ti, não para os descendentes,
que nunca vi e talvez não mais verei,
já que este codicilo somente vigirá
depois que eu mesmo volva às minhas sementes
e um beijo morto jamais retornará.
FIDEICOMISSO III
Mas a intenção do beijo que te dei
não era nunca a de ser legado por herança,
mas em ti permanecer ampla bonança,
pois nesse beijo minhalma te mandei;
contudo o amor que assim aprimorei
é transitório de acordo com a ordenança,
até que a morte, em sua final mudança,
nos separe... de maugrado o aceitarei,
pois o momento, aquele instante divinal,
em que foi dado o beijo doce e puro,
transportarei comigo além da morte,
sem que te imponha dever tão residual,
que sejas livre de amar em teu futuro,
com meu sincero almejar da melhor sorte.
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