A BOA PULGA E O REI MALVADO
(Adaptação e versificação
de um conto infantil de Victor Hugo)
A Boa Pulga e o Rei Malvado
I -- 9 ago 2019
Certo país sofria, por
desgraça,
Nas mãos de um certo rei
malvado,
Todo o povo por ele
maltratado:
De mais impostos sempre
andava à caça!
Mas por mais que o povo
lastimasse,
Não havia jeito de
livrar-se dele,
Montara vasto exército que
o vele
E uma revolta bem rápido
esmagasse!
De fato, a tropa só para
tal servia;
O reino há muito não fazia
guerra,
Os seus vizinhos, mais além
da serra
Eram pacíficos e até de
serventia,
Pois lhe pagavam tributos
anualmente
E embora o rei, às vezes,
os aumentasse,
Não tinham tropa que a eles
apoiasse
E tinham medo de ofender
tal rei potente,
O qual, de fato, tinha um
filho que era bom,
Mas a quem igualmente
maltratava;
O rapaz os seus castigos
suportava,
Sem sequer queixas proferir
em nenhum tom.
A Boa Pulga e o Rei Malvado
II
Não era um príncipe
covarde, mas valente,
Sempre ia à caça de feras
perigosas
E quando achava as decisões
mais perniciosas,
Ia ao povo defender
constantemente.
Um dia, o pai até mandou
prendê-lo,
Se bem não fosse em real
calabouço,
Porém nos aposentos do bom
moço,
Lacrada a porta com seu
real selo.
Ora, havia no reino pulga
boa,
Por seus pais muito bem
educada,
Que se abstinha de qualquer
picada,
Salvo se a fome em suas
entranhas doa.
E mesmo assim, não picava
qualquer um!
Só avarentos, ladrões e
outros malvados
Com suas picadas eram
castigados,
Sem muito sangue tirando de
nenhum!
Mas aos poucos escutou, em
suas andanças
Como o povo sofria e
lastimava
E como ao príncipe o rei
encarcerava
E decidiu fazer certas
mudanças!...
A Boa Pulga e o Rei Malvado
III
Tomou carona em um dos
cortesãos
E assim entrou no salão-mór
do rei.
Quando chegar mais perto, eu pularei,
Pensou a pulga, mas sem alardes vãos...
E de fato, alcançou as
vestimentas
Que o rei usava, dos
tecidos mais preciosos
E se ocultou em seus
bordados tão formosos,
Só se movendo de maneiras
lentas...
Desse modo, nunca foi pressentida,
Até que o rei, afinal,
foi-se deitar,
Na camisola real a se
enfiar,
Sem chamar atenção, ainda
escondida...
Mas no momento em que o rei
já cochilava,
Desferiu-lhe uma picada
violenta!
No seu leito o rei depressa
senta
E a agressora já lesto procurava!
Mas ela sempre movia-se
depressa
E o rei só conseguia se
coçar,
Sem que pudesse a tal pulga
alcançar,
Ainda que a busca por ela
não cessa...
A Boa Pulga e o Rei Malvado
IV
Finalmente, achando tê-la
afugentado,
Voltou o rei ao seu
travesseiro,
Fechando os olhos para
dormir ligeiro,
No mesmo instante de novo a
ser picado!
De um salto, o rei
ergueu-se novamente,
Tirou a roupa, despiu a
camisola,
Dos chinelos examinou até a
sola,
Sem descobrir a visita que
o atormente!
E como o rei era meio
supersticioso,
Dispos-se a indagar em alta voz:
“Quem és tu que assim
perturbas nós?”
Usando o plural majestático
orgulhoso.
E escutou, para sua grã
surpresa,
Uma vozinha fina, mas
segura:
“Sou uma pulga de linhagem
pura,
Tenho direito de picar-te,
com certeza!”
Reagiu o rei de modo
violento:
Além de despir-se
totalmente,
Desfez a cama, num esforço
ingente,
Rasgou lençóis e cobertores
num momento!
A Boa Pulga e o Rei Malvado
V
Mas não achou a pulga em
ponto algum;
Chegou mesmo a virar o seu
colchão;
Em parte alguma por que
passou a mão
Achou o inseto que o picava
tão comum!
“Mas o que queres de mim?”
– deblaterou.
“Que trates bem os súditos
do reino
E que libertes teu filho,
cujo engenho
É bem melhor do que seu pai
mostrou!”
“Mas de onde tiraste tal
ideia?”
Bateu palmas, chamando seus
criados,
Todos os cantos do aposento
revirados,
Mesmo o corpo nu do rei
nessa epopeia!
Porém a pulga achar nunca
puderam;
O rei mandou chamar os seus
cientistas,
Que envidassem por
encontrar pistas:
Com microscópios toda a
câmara revisaram,
Mas a pulga estava bem
aconchegada
Na longa barba do rei e bem
quietinha,
Afinal, tinha cheia a
barriguinha,
Pelo sangue real
alimentada!
A Boa Pulga e o Rei Malvado
VI
Então o rei mandou
desmantelar,
Inteiramente, toda a câmara
real,
Verificando cada ponto
material,
Até a cama mandando
desmanchar!
Das paredes arrancaram o
papel,
Foram os tapetes todos
enrolados,
Os ladrilhos do piso até
arrancados,
Porém da pulga não acharam
o quartel!
O rei então foi dormir em
outro quarto,
Com novas roupas trazidas
do vestiário,
Mas embora o ambiente fosse
vário
E se sentisse das picadas
muito farto,
Assim que os olhos fechou
para dormir,
A pulga pespegou-lhe outra
picada!
Mesmo que fosse muita gente
ali chamada,
Achar a pulga não puderam
conseguir...
E desta forma o sofrimento
continuou,
Por mais de mês não pôde o
rei dormir,
Até ao jardim procurou dela
fugir
E o animalzinho mesmo ali
ainda o picou!
A Boa Pulga e o Rei Malvado
VII
Morde-que-te-morde! Pica-que-te-pica!
Já o rei estava todo
machucado,
Pelos tapas que em si mesmo
havia dado,
Mais cada marca que das
picadas fica!
O rei ordenou se
exterminassem
Todas as pulgas que
houvesse na cidade.
Mataram mesmo uma grande
quantidade,
Mesmo que inseticidas então
não existissem.
Mas como a pulga o
continuou a picar,
Exasperado por não poder
dormir,
Mandou o exército, com
ordem de punir
Qualquer pessoa em que
pulga fosse achar!
E muita gente assim foi
castigada,
Obrigados a tomar banho
gelado!
O agressor, porém, não foi
achado,
Sofrendo o rei à força de
picada!
Examinaram o palácio
inteiro
E descobriram que onde o
príncipe ficava,
Nem sequer uma pulga ali se
achava:
Seria em outro ponto o seu
viveiro...
A Boa Pulga e o Rei Malvado
VIII
Finalmente, o rei não se
aguentou:
É terrível um mês inteiro
sem dormir!
“Pulga, pulga, não vais
nunca desistir?”
“Só se me obedecer,” ela
falou.
“Mas, afinal, o que é que
você quer?”
“Eu quero apenas o bem
fazer ao povo,
Eles precisam é de um rei
mais novo,
Passe o trono a seu filho,
se quiser,
“Que sua pele eu pare de
morder...”
“Mas eu não quero meu trono
abdicar!”
“Então o meu picar vai
continuar,
Já está bem magro, pode até
morrer!
Assim, nem mais precisa
abdicar,
Você morre e seu filho
reinará,
Diferença para mim então
não há,
Se você morre, vai o povo
se aliviar...”
“Mas eu preciso levar o meu
tesouro,
Alguns servos, uma tropa de
soldados!”
“De forma alguma deverão
ser perturbados,
Leve um cavalo e duas
bolsas só de ouro!”
A Boa Pulga e o Rei Malvado
IX
E dessa forma, o rei
malvado foi-se embora,
Para viver na solidão de
uma casinha,
Feliz que a pulga não mais
dele se avizinha,
Sem retornar sequer por uma
hora!
E o bom príncipe em seu
lugar reinou,
“Felicidade geral dessa
nação”, (*)
Em que pulgas, após tal
perseguição,
Em parte alguma do país se
achou!...
Mas a nossa pulga boa
continuou,
Limitando-se a picar algum
cachorro,
Ou quem morasse para além
do morro,
Até que um dia também sua
vida terminou...
Mas como era uma pulguinha
muito boa,
Ao céu das pulgas depressa
foi chegar,
Não precisando nunca mais
picar,
Só dançando e a dar pulos à
toa!...
E se esta história acaso
lhe agradou,
Peça ao Vovô para contar
mais uma...
Se por acaso não lembrar de
mais nenhuma,
No meu blog muita história se guardou!
(*) Alusão à frase famosa
de D. Pedro I.
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