domingo, 8 de novembro de 2020


O PAÍS DA JUVENTUDE

(Skaz (Conto de Fadas) Russo, recontado por Victor Hugo,

adaptado e versificado por William Lagos, 5 SET 2019)

PRIMEIRA PARTE DE DUAS





 

                                                            A FONTE DA JUVENTUDE


 

O PAÍS DA JUVENTUDE

(Skaz (Conto de Fadas) Russo, recontado por Victor Hugo,

adaptado e versificado por William Lagos, 5 SET 2019)

 

O PAÍS DA JUVENTUDE I – Primeira Parte

 

Quando o Tzar Dmitri certo dia adoeceu,

dessa moléstia ninguém sabia a causa;

cem tratamentos recebeu sem pausa,

não se curou, mas também não piorou...

e como os médicos não o podiam curar,

consultou os curandeiros populares,

infelizmente, com idênticos azares,

ninguém sua cura conseguia adivinhar!

 

Finalmente, ali chegou um pope velho, (*)

que com rezas e homilias o abençoou,

porém nem disso a sua cura resultou,

contudo, ele deixou-lhe um bom conselho:

“Paizinho”, disse ele.  Era o costume

referir-se assim na Rússia ao soberano,

como se fosse o pai de cada humano,

“somente Bog sua plena cura assume.” (+)

 

“Não obstante, ouvi falar de certa terra

a que chamam o País da Juventude,

e maravilhosa lenda ali se alude,

que fonte existe que todo o bem encerra...

dizem alguns ser a Fonte da Saúde,

outros que a nós confere longa vida,

outros que cura qualquer doença havida,

talvez de vossa moléstia vos escude...”

(*) Título de padre ortodoxo russo.  (+) Deus.

 

O PAÍS DA JUVENTUDE II

 

“E onde fica essa fonte?” quis saber

o bom tzar, que de fato era bondoso,

com o bem-estar de seu povo cuidadoso.

“Só que fica bem ao sul ouvi dizer...

Mas essa água, caso seja conseguida,

poderia ser vendida a grande preço;

quem a buscar vos deve ter em muito apreço,

sem que a ambição o leve de vencida...”

 

“Será uma longa viagem, no entretanto,

mas com minhas orações preservarei

a vida e a energia a meu bom rei,

até que Bog o proteja com seu manto...

Eu mesmo para o Tzar a iria buscar,

mas estou velho demais para a viagem

e nem sei se resistir teria coragem

à tentação de nessa água abeberar...”

 

“Sugiro alguém envie de sua total confiança,

que seja forte o suficiente para a empresa,

jovem bastante para tal proeza

e que pelo seu bem-estar tenha aguardança.”

Pensou o Tzar e, na sua ingenuidade,

escolheu enviar seu filho e herdeiro,

o Tzarevitch Mikhail, ainda solteiro,

                                         que acreditava amá-lo de verdade.

 

O PAÍS DA JUVENTUDE III

 

Desse modo, chamou a Mikhail

e claramente explicou-lhe a situação,

deu-lhe dinheiro e vasta provisão,

sem julgar nele qualquer intenção vil.

Na verdade, Mikhail só esperava

que o pai morresse para sucedê-lo;

lamentou mesmo esperançoso vê-lo,

pois pelo seu passamento até ansiava...

 

Mas concordou em ir a terra procurar

que chamavam de País da Juventude,

só foi adiando, na esperança que demude

para pior de seu pai o bem-estar...

seguiu então um alfarrábio a consultar

e de fato os arquivistas procurou

e nos arquivos do reino se encontrou

um certo mapa, tal país a indicar...

 

E não podendo a tarefa mais adiar,

decidiu-se a viagem a empreender,

com soldados e servos a valer,

 seu conforto assim a conservar...

Claramente foi o mapa consultado

e a Samarkand finalmente ele chegou,

mas seus prazeres logo experimentou

e ali ficou, gozando descuidado!...

 

O PAÍS DA JUVENTUDE IV

 

Passado o tempo, como o filho não voltava,

pensou o Tzar que tivesse até morrido,

sem o remédio ter-lhe conseguido:

ficava estável, mas tampouco melhorava...

Chamou então o seu segundo filho,

O Tzarevitch Alexander e lhe confiou

Igual missão.  Com soldados o dotou,

Muitos servos, de rublos grande brilho! (*)

 

A essa altura, Alexander já esperava

que seu irmão tivesse se perdido;

seria ele o tzar, após ter falecido

o seu pai – e viajar não lhe agradava:

se em sua ausência o velho rei morresse,

talvez dessem o trono a seu irmão,

o Tzarevitch Vladimir, nessa ocasião,

porém negar-se a obedecer jamais pudesse.

 

E assim partiu, com a cópia desse mapa,

a Samarkand chegando, eventualmente,

em que encontrou desaponto bem potente:

seu irmão a desfrutar vida bem guapa!

Contudo, escondeu seu desaponto

e os dois irmaos ficaram a gozar

as delícias da cidade sem parar,

de sua viagem todo esquecido o ponto...

(*) Moeda tradicional russa.

 

O PAÍS DA JUVENTUDE V

 

Passado o tempo, como não voltavam,

o Tzar se entristeceu sobremaneira,

julgando que os dois filhos já perdera,

sem saber como os tais o desprezavam!

Então o mais moço, o Tzarevitch Vladimir,

permissão lhe pediu para tentar

o perigoso empreendimento a realizar,

mas o Tzar recusou-se a permitir.

 

“Perdi dois filhos, você é o herdeiro agora,

quando eu morrer, ocupará meu trono;

não posso permitir seu abandono,

firme deve aguardar por essa hora!”

Mas Vladimir, que o amava realmente,

ao ver como a sua saúde se esgotava,

para buscar essa cura muito ansiava

e decidiu-se a partir secretamente...

 

Porém acesso ao mapa lhe negaram;

os arquivistas clara ordem receberam

e desse intento firmemente o demoveram;

sequer um rublo os tesoureiros repassaram!

Mas o príncipe reuniu os seus haveres

e fingiu que ia partir numa caçada,

sua companhia deixando abandonada

e seguindo a realizar filiais deveres!...

 

O PAÍS DA JUVENTUDE VI

 

Seguiu sozinho pela longa estrada,

sem ter certeza de qual fosse seu caminho;

como do mapa nunca vira o pergaminho,

Samarkand foi por ele ultrapassada;

atravessou, ao invés, largo deserto,

o Kizyl Kum, de fato perigoso

e o Karakorum transpôs, bem corajoso,

até que, enfim, divisou o mar aberto...

 

Do Oceano Índico era o extremo norte;

ninguém pudera indicar o seu caminho...

uma mulher bem velha, num ranchinho,

ali vivia a depender da boa sorte...

Pois a senhora do mancebo se apiedou,

percebendo a extensão de seu cansaço,

serviu-lhe peixes e, num forte abraço,

em sua própria enxerga o acomodou...

 

Pois Vladimir já gastara o quanto tinha,

as próprias vestes em trapos transformadas,

pela exaustão suas faces transtornadas...

tratou-o a velha, sem em nada ser mesquinha.

Depois de um mês, recobrou-se Vladimir

e lhe explicou as razões de sua viagem...

ela falou, recompensando sua coragem:

“Sei muito bem para onde deve ir...”

 


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