sábado, 7 de novembro de 2020


SOMENTE EM ROSA



 

          (FOTO RARA DA ATRIZ FAY WRAY, PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO VINTE)


SOMENTE I  - 26 AGO 19

 

Eu não quero fazer qualquer soneto agora,

só depois que eu voltar: aí, então, farei,

dependendo de como o tempo desgastei,

se foi contigo ou na sombra de um outrora...

 

Eu não quero fazer nenhum poema à hora

de partir para ti, inconsciente se terei

os teus olhos de vinho, se beijos ganharei,

se juntos gozaremos orgasmo que amor doura.

 

Eu não quero fazer, mas versos assanhados

me sobem desde as gônadas, assim descompassados,

e se entregam a ti, num beijo de martírio...

 

Queria então saber se a dúvida conversa

em certeza seria, à luz do meu delírio,

ou em versos apenas seria então dispersa...

 

SOMENTE II

 

Possui toda mulher qualquer sabedoria

que falta ao homem movido por razão,

pior ainda, no controle da emoção:

conhece coisas que só ela saberia.

 

E salvo algum a quem a vida ensinaria

como burlar a mulher em direção

que mais conduza ao que tem por intenção,

que busca mesmo obter por vilania,

 

é a mulher que demonstra maestria

nesse jogo de amor, mesmo inconsciente,

por mais que hormônios a queiram dominar

 

peças movendo na aparência de folia,

mas cuja inconsequência é apenas aparente,

pois o alvo reconhece e bem sabe alcançar...

 

SOMENTE III

 

O homem, no entretanto, por mais seja romântico,

por mais pretenda agir racionalmente,

contra o impulso hormonal vê-se impotente,

em torno dela a entoar constante cântico,

 

“Eu te amo!” a repetir, em verso quântico,

sempre na espera de obtê-la totalmente,

com mil agrados na busca assim frequente,

repetição constante de um som mântrico.

 

E assim sou eu, por mais seja veraz

o mantra que repito diariamente,

a cada vez que meu olhar se embaça,

 

em nosso encontro a desfrutar da paz

que após o amor no corpo se apresente,

nessa certeza que o tempo descompassa!

 

DECLÍNIO I – 27 AGO 19

 

Amei profundamente, como nunca

Amara antes ou hei de amar um dia:

Aquele amor de entrega, que te junca

De ansiosas intenções de rebeldia,

 

Contra o mundo, o dever e a sociedade,

Aquele amor que enfrenta e que escolhia

Trocar pela mulher, sem mais saudade,

Tudo quando no antanho se queria!...

 

Mas esse amor se foi desvanecendo,

Foi morte delicada, sem trovão,

Por mal correspondido e por descaso,

 

Sendo amor somente inútil, cujo ocaso,

Por ser mal retribuído, foi doendo,

Até que enfim murchou no coração...

 

DECLÍNIO II

 

Há tanto amor como esse neste mundo!

Há tanto homem que insiste até morrer,

Sem ter em conta seu imenso padecer,

Nessa aguardança do prêmio mais profundo...

 

E que se afoga em pensar meditabundo,

Por alcançar o antigo alvo e perceber,

(Maior ainda o espasmo do sofrer!),

Que não era em absoluto assaz rotundo,

 

Como esperava, após tanta insistência...

A dama cede, talvez por desfastio,

Ou por nada de melhor ter conseguido,

 

Ainda assim a tratar com impaciência

Esse amante e a destroçar-lhe o brio

Por nessa esmola de amor ter insistido!

 

DECLÍNIO III

 

Amor nos vem, amor se vai, risonho,

Tantas flechas que tem no seu carcaz,

Quanta ilusão qual verdadeira faz

No coração que domina assim bisonho...

 

E em tudo isso, o que há de mais medonho

É que esse amor defunto nunca jaz

Na sepultura que o seu declínio traz,

Mas alevanta a face em novo sonho,

 

Perturbando o novo amor recompensado

Pelo amor de quem se encontra a nosso lado

E a quem amamos até sinceramente,

 

E como zomba esse fantasma do passado,

Que nosso corpo atravessa, de inclemente,

Por mais que o novo amor tenha chegado!

 

ESPASMO I – 28 ago 2019

 

Por ti serei capaz de mil proezas

tentar: por conservar-te do meu lado;

meu coração já foi despedaçado,

mas recompôs depressa suas defesas,

 

a um ponto de as tornar de novo tesas,

estava mudo e cego, desconfiado,

ou antes certo que amor atribulado

as emoções não deixaria ilesas...

 

É de espantar que eu tente novamente!...

--- depois de tanto esgar, de tanta mágoa,

encher de ti de novo o coração;

 

depois de ver em ti, indiferente,

a voz e o olhar, uma seca, outro sem água,

nesse estertor sutil de uma ilusão...

 

ESPASMO II

 

E contudo, como é forte essa quimera

que o peito infunde num esgarçar de sonho!

Quanto esforço nessa busca então reponho,

por mais que enxergue derretida a cera

 

de meu círio, no momento em que se abeira

de ti, num riso alvar, triste, bisonho,

quando minha alma sem temor exponho,

quando a certeza desse amor jamais se altera,

 

por mais que falecida se encontrasse

de seu realizar toda a esperança...

Até que ponto numa ilusão se alcança!

 

Até que ponto amor pode ser cego,

nessa sua busca febril por mais apego,

onde apenas mais desdém ali se achasse!

 

ESPASMO III

 

O fato é que esse amor foi espasmódico,

por cada vez que desisti, recomecei,

na mesma senda em que tanto tropecei,

para colher maior sofrer sendo metódico...

 

enquanto foi para ela apenas lúdico,

talvez somente a sua piedade achei,

se nisso existe amor, vencer não poderei,

nem mesmo no ideal mais puro e búdico!

 

Porque esse amor requestado em demasia,

recalcitrado em laivos de paciência,

nunca obtém a sua completa fruição,

 

pois no final, quando a dama consentia,

logo partia ante a primeira desavença,

sem sentir nada enraizado ao coração.

 

ESTOPIM I – 29 ago 19

 

Atualizei o amor, como um arquivo,

Que se baixa da rede...  mais sinais

Do que se pode perceber, fanais

Das possibilidades que revivo

 

De um começo novo, de um altivo

Mostrar ao mundo tudo, quanto mais

Se está disposto a pagar pelos totais

Prazeres de um querer tão redivivo...

 

Porque é estranha, afinal, é caprichosa,

Nem sequer a si mesma se compreende,

Dominada, por sinal, pela emoção

 

Que apela a mim também: é contagiosa

Esta musa fatal, que só se acende

Quando sente algum tremor no coração...

 

ESTOPIM II

 

Não que pretenda, no real, ser minha musa,

Pois ela insiste em ser si mesma, apenas

E assim me envolve em laços às centenas,

Sem sequer apresentar qualquer escusa...

 

E no inesperado de afeição profusa,

Aceita os ramalhetes de açucenas,

Contudo é pertinaz como as dracenas

E nenhum corte afeta a sua recusa...

 

Somente quando quer é carinhosa

E muita vez enrola-se em mutismo,

Tal e qual se a estivesse a aborrecer...

 

Mas no momento seguinte, caprichosa,

“Estou atacada!” – declara, sem sofismo,

Um sorriso a me mostrar de bem-querer...

 

ESTOPIM III

 

E desta forma, sempre que me achego,

O seu amor por mim eu atualizo,

Algumas vezes sem razão ou siso,

Enquanto afirma conservar-me apego...

 

Mas que isso me perturbe jamais nego,

Por mais que seja meu coração altivo,

Esse constante atualizar revivo,

Não manipulo tal arquivo cego...

 

Então ressurge nela esse tremor,

Que a compele, enfim, para meus braços

E rendo graças, porém de pé atrás,

 

Por ver a estranha constância desse amor,

Manifestado em tão diversos traços,

Mas cuja posse plena nunca traz...

 

INADEQUADO I – 30 ago 19

 

de certo modo, eu sou inexperiente:

há certas situações, certos momentos

por que nunca passei, atos nojentos

que partilham os outros, tão frequente!

 

não me agrada mentir, nem caluniar,

nada fiz proposital que a alguém magoasse,

nunca quis competir, por mais buscasse

o mesmo bem que os outros alcançar.

 

e assim, se alguém diz que me acredita,

eu creio de inocente; e então me altero,

ao passar outra vez por desenganos,

 

ao perceber, enfim, que em mim palpita,

no fim das contas, um coração sincero,

que conserva a pureza de oito anos...

 

INADEQUADO II

 

não que o esteja de fato a lamentar,

pois tenho meus valores e os conservo;

das influências alheias não sou servo,

nem fico os comerciais a acompanhar.

 

contudo, vejo tanta coisa a se mudar!

esses valores que fiel preservo

são meio antigos, mas nisso me reservo,

tenho o direito de o que amo conservar.

 

pois até hoje não comprei um celular!

minha esposa e meus filhos têm os seus,

até mesmo meus netos já têm um...

 

temo que o mundo venha a me obrigar;

tantos aplicativos há que não são meus,

porque jamais desejei baixar nenhum!

 

INADEQUADO III

 

e reconheço como nisso estou atrasado:

não posso acompanhar o falatório

de what’saps, instagrams e palanfrório,

talvez eu seja realmente ensimesmado!

 

por videogueimes nunca fui interessado,

nem joysticks, que empregam qual cibório,

sacudindo diariamente esse velório

de mil horas de tempo descartado!...

 

ao invés disso, o meu perene apego

é pela música erudita em elepê (*)

ou em cedê, mas não em devedê...

 

não que me mostre para um filme cego,

mas na verdade, sou mais um auditivo

e para a estética sou bem mais sensitivo.

(*) LP, o que hoje estão chamando de vinyl.

 

INADEQUADO IV

 

muitas horas já passei a contemplar

algum quadro ou escultura num museu

ou simples cópia que o pecê me recolheu,

à qual concedo este meu pleno apreciar...

 

e ao mesmo tempo aprecio classificar

meus milhares de selos... como ateu,

em simples culto ao tesouro que foi meu,

por muitas décadas nesse esforço de juntar...

 

e leio ainda livros aos milhares,

quase sempre em sua língua original,

todos eles com bom cheiro de papel!...

 

sem apreciar os seus modernos pares,

esses pixels de qualquer livro digital,

inadequado como um monge de burel!...


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