RECORDAÇÃO III
Um só tremor ainda, umedecido,
Um latejar de sangue, um estertor,
A boca muito aberta nesse amor:
Os dedos a encobrir grito contido,
Mas que se escapa enfim, pelas narinas,
E a mão se afasta e a língua se revela,
Se enrola contra os dentes, na procela:
Prazer e dor, em lutas peregrinas...
Os lábios tensos como é tenso o ventre,
Os olhos cintilantes e mortiços,
Enquanto o orgasmo o corpo inteiro adentre;
É luminosa a noite da paixão;
Os anos mortos ganham novos viços
E as almas... se estilhaçam num vulcão.
RECORDAÇÃO IV
E depois para a noite, o rosto no portão,
As pedras lisas e retangulares
A palmilhar, no ventre as singulares
Memórias de outro ventre aberto então,
Por longo instante breve; e a brotação
Se faz fecunda, por entre os tumulares
Comprimidos de hormônios perdulares
Que extinguem num massacre a multidão
De todo aquele esperma expectante,
Que se dispõe a morrer, no mesmo instante,
Pela esperança de uma só ovulação;
Mas que perecem todos, massacrados,
Pela morte do óvulo arrastados
Para o estertor da raça em extinção...
RECORDAÇÃO V
Foi breve o gozo apenas; e a seguir:
"Não deixes nos lençóis tua lava branca;
Já derramaste em mim; agora, estanca,
Chega de cinza e enxofre -- de partir
A hora se aproxima, a noite é breve,
Lança-te já àquela que te espera,
Não fiques a sonhar, na triste espera
De quem tudo a perder doido se atreve."
Mas, apesar de quanto a mim dizia,
Vulcão fervente sob a cinza ardia,
Pronto a explodir em nova erupção;
Porque não tinha a dar só lava branca:
Na exaltação em que o amor se estanca
A mente se faz lava; só é cinza o coração.
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