SACRAMENTO I -- 7 NOV
2019
Havia amortecido e ela me trouxe
de volta à luz que peregrina brilha
de permeio à neblina; e assim minha trilha
retilínea ante os olhos de novo revelou-se;
ela me trouxe esperança: que se eu fosse
somente pertinaz, então a quilha
da nave do destino, milha a milha
poderia conduzir... e aproximou-se
muito de mim, feliz em seu capricho,
para fugir depois, ensimesmada,
a refugiar-se em seu antigo nicho.
A musa se afastou, porém a vida
por ela tão somente despertada
ficou nos cacos de versos refletida.
SACRAMENTO II
Só sua presença, que tanto me animou,
já foi ato de amor, um sacramento;
com o seu beijo de meigo sentimento,
a cabeça febril me batizou
e com o seu abraço me crismou,
sem noivar, celebramos casamento,
muito mais que em igreja foi portento:
para a poesia assim me confirmou.
Porém sua ausência foi como extrema-unção
e pela perda de seus sacros refolhos
de receber deixei os santos óleos.
Não houve missa para minha redenção,
mas ao contrário, passado o carnaval,
em mil poemas redigi novo missal...
SACRAMENTO III
Nesse missal eu venero uma saudade,
que embora seja aos outros invisível,
entre meus dedos a sinto bem tangível,
mais que uma ausência, é pequena divindade,
pequena apenas; não para a humanidade,
mas para meu amor inexaurível,
que essa ausência tornou inatingível,
numa aporia a intransponibilidade.
Não é a saudade imagem de escultura
e realmente não lhe presto um culto,
peço à tristeza que me traga indulto,
porque a saudade é a musa mais segura,
não está conosco, mas não se vai também
nunca se perde, porque é nada o que se tem...
desrima I – 8 nov 2019
espera enfim que o tempo
amadureça
espera por tabiques perigosos e
venenos
espera por golfadas adornos
repentinos
espera por sorrisos amargos
salaciosos
aguarda então na espera dolorosa
aguarda então em teu ideal
desfeito
aguarda e 'chora o teu passado
amado'
aguarda então os anos desvalidos
resume teu passado em vã memória
resume teu presente na ampulheta
resume teu futuro em pó de sombras
recebe tal futuro inexistente
recebe inerte a taça da alvorada
recebe em luz vazia as ilusões
desrima II
consciente de que são apenas
vultos,
consciente de que morrem sem
nascer
consciente de que desprezam
epopeias
consciente de que herói não lhes
faz jus
sabedor de que são apenas sombras
sabedor de que um herói não as
projeta,
sabedor de que um vate também
cansa
sabedor de que o mundo é apenas
gás,
silencioso em seu nada conceder
silencioso em seu basto inexistir
silencioso e tartamudo em sua nudez
contudo são minhas próprias
ilusões,
contudo são as sombras que
retenho,
contudo a fonte de toda a minha
desrima
desrima III
porém se em tentativa desrimei
porém se nisso esforço
pleno fiz,
porém se o resultado me
acabrunha,
porém se a sombra dorme em seu
martirio
porem irão as métricas anástrofes
porem irão os versos contraponto,
porem irão as cesuras
equipolências
porem irão os ritmos alfarrobas
mesmo assim a frase ainda
registra
mesmo assim o pensamento
vagabundo
mesmo assim as batalhas contra a
rima
no riso tolo a que este esgar se
inclina
no riso tolo de grafar
escaramuças
no riso tolo de quem não se
respeita
ESCOLHA MÚLTIPLA – 9 nov 19
MORTA
Depois de cada noite, cai a aurora MORNA
INÚTIL
DE CINÁBRIO
E "os dedos rosicler as nuvens pintam" VERDES
PATINADAS
LÁSTIMA
De tons violáceos por que os olhos sintam PENA
MARTÍRIO
SE VENDIA
Que se renova a luz tal como outrora SE COMPRAVA
SE
LANÇAVA
PRECLARA
Depois de cada dia ergue-se a noite LUZENTE
DE NEGROR
DE ABALONE
E os dedos argentinos
logo caiam DE VITÓRIA
DE AZEDUME
DANÇARINAS
Que dos
recantos sombras saiam FESTIVAS
TUMULARES
AFIADO
E expulsem luz diurna em fero açoite MACIO
SERENO
DOURADAS
Porque é de noite que se vêem as cores FRAGÍLIMAS
FILIGRANAS
ABAFADO
Dos sonhos ocultados pelo dia DOENTIO
CONFUSO
NULAS
E as formas são mostradas pelas almas MURCHAS
SABOROSAS
MÁGICOS
No total ostentar dos resplendores ÁCIDOS
NEGROS
SEMENTE
Do turbilhão das emoções mais calmas ROLHA
TROMPA
INFELIZ
Que à luz diária se fazem nostalgia MELANCÓLICA
PATÉTICA
ESVAIMENTO I – 10 NOV 19
a morte é para todos; já o Amor
é escasso como o sol da
Meia-noite;
como é comum ter da paixão o
Açoite,
tanto mais raro e puro em seu
Candor
esse infletir da alma, esse
Pendor
para outrem ser apenas, esse
Afoite
em tudo partilhar, esse
Tresnoite
a cada vez que olha em Derredor
e não se encontra o rosto
Bem-Amado,
não por ciúme vão ou
Insegurança,
não por temer que amor alguém
nos Tire;
mas por que o coração
fique Aleijado
quando está longe de nós esta
Bonança
e a própria vida então de nós
Retire.
ESVAIMENTO II
talvez somente imperpétua
Mortezinha,
algo que abate a mente por um
Dia,
coisa pequena a fingir-se de
Elegia,
em sensação constante e
Comezinha,
talvez seja o apagar de uma
Estrelinha
que apenas presa na lapela
Reluzia
ou sobre o colo em camafeu se
Conduzia,
acesa apenas quando o amor já
se Avizinha,
que amor é coisa rara,
Certamente,
o mais das vezes somente
Exaltação,
os feromônios em sensual Cegueira
e mesmo quando em nós é bem
Potente,
embaça às vezes, sem qualquer
Razão
só a fantasia deixando de
Hospedeira.
FALÊNCIA I – 11 nov 19
Quando a encontrei, a outro pertencia
De corpo e alma -- e como havia sofrido!
Por ser sincera e por ter pretendido
Que ele aceitasse em calma a sua agonia;
Pois nas brumas do inconsciente percebia
Que aquele por quem se havia perdido
Só um falso amor lhe havia pretendido
Pelo qual dominá-la havia querido.
E assim buscou numa experiência um beijo.
Para matar saudades de um desejo
Que ressumbrava das brumas do passado;
E ao revelar, tremendo, a seu amante
O que fizera apenas num instante,
Tudo perdeu que havia conquistado.
FALÊNCIA
II
Porque embora percebesse, no inconsciente,
Que aquele homem a quem tanto se entregara
Não era verdadeiro e que tão só julgara
Em seu egoísmo dominá-la inteiramente.
Como todo conquistador,
pouco potente
Era de fato e assim nela só buscara
A novidade que temporária
o renovara,
Até tornar-se, de novo, indiferente.
Desse modo, ele falhou nessa experiência,
Dela o inconsciente foi reassegurado,
O seu consciente a deixar despedaçado,
Que aproveitou, em tal malevolência,
Como pretexto o que lhe havia revelado
E para outra transferiu a sua indecência.
COPISTA I – 12 nov 19
direitos autorais paguem ao
Vento!
para mim não: ao vento e à
Alvorada,
à musa peregrina e Consagrada,
senhora apenas do total
Portento!
que tudo quanto escrevo é puro
Alento
de inspiração indiferente
Derramada,
cada emoção a dourar dedos de
Fada
em mim criando magia... e
Desalento!
Sem se importar se os versos me
Agoniam!
Se desfibram minhalma ou se
Podiam
dessangrar-me total o Coração;
pois essa musa de aroma e
Nostalgia,
usa-me apenas... em véu de
Melodia,
para expressar-me na carne uma
Ilusão.
COPISTA II
assim eu julgo, de fato, até
Acredito
que verso algum que escrevo me
Pertença:
os músculos dos dedos, a mão
Tensa,
seus sussurros a copiar então
Concito.
longe de mim o possessivo Grito
de quem esforço sobre páginas
Adensa,
que pouco a pouco dificuldades
Vença,
a fama enfim sendo seu alvo e
Fito.
que a esses paguem direitos
Autorais!
frágeis ou nobres, se
esforçaram por Demais
para obter de seus poemas
Resultados,
enquanto eu... gastei apenas
Tempo,
que os direitos autorais paguem
ao Vento,
já que não podem ser à musa
Creditados!
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