segunda-feira, 16 de novembro de 2020


 

O SAPATEIRO REMENDÃO

Baseado em contos (em prosa) de Victor Hugo,

adaptados e versificados por William Lagos, lº/4 outubro 2019.

 

O SAPATEIRO REMENDÃO – 1º OUT 2019

AS TRÊS CRIADAS – 2 OUT 2019

CHLORYS E A ANÊMONA – 3 OUT 2019

AS BOLOTAS DO CARVALHO – 4 OUT 2019

 

O SAPATEIRO REMENDÃO I

 

Certo casal habitava uma choupana,

lá nos confins de uma esquecida aldeia,

que recebera uma herança fabulosa,

duas folhas de ouro trazidas por um cuco;

Primorosa era o nome que engalana

a esposa, mais bonita do que feia;

do marido a sorte bem menos ditosa,

seu nome esqueciam, deixando-o até maluco!

 

Pois o chamavam, simplesmente, Remendão,

porque ele era realmente um sapateiro

e consertava os cem calçados do lugar,

embora fosse bem capaz de fabricar

calçados novos, mas a população

queria o conserto dos velhos bem ligeiro

e o bom rapaz passava a trabalhar

e a clientela dizia esquecer-se de pagar!...

 

Não tinham tido quaisquer filhos ainda,

porém possuiam as tais folhas de ouro,

que uma história diferente há de explicar

e Primorosa, já cansada da pobreza,

disse ao marido que seria bem-vinda

a sua profissão, como um tesouro,

caso eles dois decidissem viajar

até a corte para ali ganhar riqueza...

 

“Mas ninguém nos conhece no lugar!”

“Ora, querido, temos duas folhas de ouro

que bem nos servirão de passaporte,

de pagar um aluguel por garantia,

onde a oficina poderás montar

e nós podemos morar, sem ter desdouro

ali nos fundos, até que a boa sorte

e o teu trabalho nos sejam de valia...”

 

O SAPATEIRO REMENDÃO II

 

Remendão, cujo nome era Miguel,

pensou um pouco e acatou-lhe a ideia;

guardaram seus pertences em mochilas

que ele mesmo fabricara de bom couro;

Primorosa pôs seu xale, de ouropel

guarnecido, seu melhor sapato e meia,

Remendão a melhor roupa para as filas

da igrejinha, pois cantava no seu coro...

 

De fato, assim vestir-se era tolice,

pois a viagem iriam fazer a pé,

a desgastar sua melhor roupa de festa

na poeira dos caminhos e espinheiros;

mas se mostrarem bem vestidos decidiu-se

e assim partiram para a famosa sé

da capital do reino, em que se atesta

que tesouros se ganhavam bem ligeiros..

 

Pouca comida haviam carregado,

água pensando encontrar pelo caminho,

mas não haviam calculado bem distância:

já bem cansados, chegaram à floresta;

numa raíz de abeto reforçado

os dois sentaram, lamentando ser pouquinho

o seu farnel e pouca água nessa instância,

pois bem depressa se esvaziou sua cesta!

 

O SAPATEIRO REMENDÃO III

 

As duas folhas estavam bem inteiras

e cintilavam aos raios do sol

que penetravam por entre a galhada,

formando círculos quais moedas a oscilar;

os dois cansados por tais marchas ligeiras,

já caminhavam desde o arrebol;

nunca haviam percorrido longa estrada:

ambos queriam desistir, sem confessar...

 

Mas de repente, uma velha apareceu,

mal vestida, bem magra e esgalgada,

caminhando apoiada num bordão,

os pés calçados em grossos tamancos;

muito bem a sua maldade ela escondeu,

mas era de fato uma bruxa encarquilhada;

nas costas tendo um pesado surrão,

caminhando de vagar, com leves trancos...

 

“Nobres Senhores,” – disse, com falsidade,

a bruxa velha, chamada Malagueta,

“podem talvez ceder-me um pouco de água?

Eu trago aqui um belo frasco de hidromel,

mas a bebida é muito forte, na verdade;

um pouco de água seu gosto não afeta,

porém só posso beber com certa mágoa,

exagerei ao colocar-lhe o mel...”

 

Primorosa explicou que se acabara

a água toda que trazido haviam...

“Ora, que pena!” – disse a bruxa mentirosa.

“Vocês são jovens, podem bem experimentar...

No meu surrão pão e queijo se guardara.

os meus senhores  não se ofenderiam

em provar essa comida saborosa

ou dos senhores é indigno tal manjar...?”

 

O SAPATEIRO REMENDÃO IV

 

Ora, o casal sentiu-se envaidecido...

talvez as pobres roupas que envergavam,

perante os olhos da velha parecessem

indumentária da mais alta qualidade,

condescendendo, após ter agradecido...

Do hidromel depressa partilhavam,

o que causou que logo adormecessem,

com pão e queijo nas mãos, em realidade!

 

A bruxa velha estava acostumada

a enganar e a saquear os viajantes;

tinha dois filhos, ambos anõezinhos,

Lince e Resina, maliciosos e arrogantes.

No que se refere à roubalheira ali efetuada,

embora anões, estavam mais para gigantes...

“Onde vocês andavam, safadinhos?”

quis a bruxa saber, de ira os olhos cintilantes...

 

“Fomos até a capital,” eles disseram

e então Lince lhe mostrou uma jaqueta

que em sarjeta havia recolhido:

“Não vale nada, mas é prova do que eu digo:

É só uma jaqueta velha,” confessaram,

“mas testemunha de que não foi só treta...”

Nada melhor havia conseguido.

“É muito grande para nos servir de abrigo...”

 

“Mas a senhora talvez a possa utilizar...”

falou Resina, que já estava procurando

qualquer coisa de valiosa que o casal

trazido houvesse nas mochilas e algibeiras.

Era a jaqueta que costumava envergar

O Bobo da Corte, já se desesperando

e que um pagem, em reação bem natural,

jogara fora a se cobrar das brincadeiras...

 

O SAPATEIRO REMENDÃO V

 

Acontece que a jaqueta era especial:

embora feita de um couro bem surrado,

no forro o Bobo havia costurado

meia dúzia de Folhas de Alegria,

facilitando de forma material

o seu trabalho de ser engraçado,

o riso sendo facilmente provocado:

de suas momices toda gente ria...

 

E deste modo, ficara no prejuízo,

mas Malagueta disso não sabia

e muito menos Lince e a anã Resina

e assim jogaram a tal jaqueta fora;

mas os anões, num acesso de riso,

haviam saqueado tudo o que valia:

um chifre que para copo se destina

e até o espelho da pobre senhora!

 

Também haviam as folhas de ouro achado,

o que lhes aumentara a alegria;

tiraram a casaca de Miguel e mais o xale

todo enfeitado que estava usando Primorosa,

embora o que mais tinha agradado

fosssm as folhas de ouro, que trazia

o pobre casal, bem sabendo o quanto vale

o ouro, mais a obra tão formosa.

 

As ferramentas na mochila desprezaram

e as roupas velhas dos dois viajantes,

mas lhes roubaram toda coisa de valor,

enquanto o casal continuava adormecido;

os dois em sonhos ainda continuaram,

segurando o pão e queijo como dantes,

ela uma dama, ele um nobre senhor.

ambos sonhavam ter enriquecido!...

 

O SAPATEIRO REMENDÃO VI

 

Que eram grandes nobres os dois julgaram,

vestindo rendas, brocados e veludo,

a banquetear-se na mesa do rei...

Mas tudo isso era efeito do hidromel...

Só imaginem, quando se acordaram,

sem ter do frio o principal escudo!

Desapontamento ainda maior nem sei,

sem a casaca e sem o xale de ouropel...

 

E mais ainda, quando o casalzinho viu

               que haviam roubado as duas folhas de ouro,

perdido o chifre, roubado até o espelho,

o conteúdo das mochilas espalhado...

Sentindo frio, o sapateiro então vestiu,

remendado e puído todo o couro,

gasto por dentro o forro inteiro velho,

a jaqueta que os anões haviam deixado...

 

Mas no momento em que a roupa colocou

sentiu em si a maior transformação:

passou o desapontamento e bem depressa

soltou piadas, de que Primorosa riu

e sobretudo, entusiasmado ele ficou:

“Nem tudo está perdido, coração!”

Logo cortou madeira numerosa

e a boa sorte a acompanhar não cessa,

rapidamente um bom abrigo construiu!

 

E tendo achado grandes ovos de faisão,

bem depressa os puseram a cozinhar

na frigideira que Primorosa havia trazido,

o fogo aceso com uma pederneira,

mas um pedaço de metal da profissão,

que na mochila pudera ainda encontrar,

já que os ladrões em desprezo haviam rido,

sua miséria aliviada bem ligeira!...

 

O SAPATEIRO REMENDÃO VII

 

Ao mesmo tempo, a situação era diversa

no palácio do rei.  Assim que ele acordou,

o Bobo Desperdício já deu falta

de sua jaqueta.  Naturalmente, o pagem

não confessou a sua ação perversa,

de saber seu paradeiro ele negou

a procurá-la pelo castelo fez a malta

dos criados, embora achassem ser bobagem!

 

Que importância tal jaqueta velha tinha?

mas procuraram até mesmo na sarjeta,

e é evidente que não acharam nada,

já que o Anão Lince a havia carregado;

e a Corte inteira com a busca se espezinha:

nunca o Bobo confesou a razão secreta,

mas não lembrava nem picuinha nem piada,

em mais nada a conseguir ser engraçado!...

 

Porque sua graça davam as Folhas da Alegria,

mas não era apenas isso que ocorrera:

eram as folhas que criavam a harmonia

pelo palácio e ao desaparecerem,

todas as antigas disputas que ali havia

retornaram qual se paz jamais houvera,

os cavaleiros em constante cizania,

entre as damas os ciúmes a crescerem...

 

De novo o rei de seus tributos reclamando,

queria a rainha mais jóias e vestidos,

os criados entre si já disputavam,

até os soldados insultavam os oficiais,

mas bem depressa, todos estavam recordando

as brincadeiras e dichotes desabridos;

todo o rancor pelo Bobo revelavam,

que nem lembrava uma piada mais!...

 

O SAPATEIRO REMENDÃO VIII

 

Até que, finalmente, o rei se convenceu,

sem lembrar porque do Bobo havia gostado

e o exilou para a terra mais distante,

os bens que tinha sendo todos confiscados,

que ao pagem mau ele logo concedeu:

só com um fiambre foi o Bobo desterrado

e o pagem em posse entrou, bem exultante,

dos mil presentes pelos nobres enviados!

 

Como uma sova lhe pretendiam dar criados.

Desperdício deles fugiu pela janela,

agarrado a uma corda e coincidiu

ser a mesma por que o pagem arrojara

a sua jaqueta para os anões malvados;

quando descia, arriscando uma costela

ali quebrar, um lenhador parado viu,

embasbacado com o que ora presenciara!...

 

“Qual é o problema, amigo?  Nunca viu

alguém descer de corda por janela?”

disse o Bobo, temendo alarme desse.

“Não é isso,” respondeu-lhe o lenhador,

“é que outro dia vinha passando e então caiu

uma jaqueta de couro bem por ela...

Se for o dono, será melhor que a esquecesse,

há muito tempo a levaram, meu senhor...”

 

“Não há dúvidas de que o dono sou eu,”

falou o Bobo Desperdício, entusiasmado.

“Foi o senhor, porventura, que a guardou?”

“Nunca pego o que não me pertencia,

mas vi um anão que depressa a escondeu

entre o casaco e a camisa, ficou estufado,

qual em corcunda ele se transformou

e lá se foi, em direção à mataria!...”

 

O SAPATEIRO REMENDÃO IX

 

O Bobo então partiu alegremente,

até chegar à margem da floresta;

um bom caminho por ali andou

e finalmente, ao longe, viu um fogo.

Achou choupana de aspecto decente

e quando entrou, foi como em dia de festa:

deitado e ressonando, deparou

com Remendão, que adormecera logo,

 

depois de completar sua refeição,

sobre uma cama de palhas e capim,

Primorosa estando ainda acordada,

assando ainda outros ovos de faisão;

vendo a jaqueta atirada ali no chão,

bem depressa ele se despojou assim

de sua casaca de tecido marchetado,

a jaqueta a envergar num repelão!

 

“Muito boas noites, minha senhora!”

só disse então, ao recordar a cortesia.

“Boa Noite,” respondeu-lhe Primorosa,

“mas por favor, não acorde meu marido,

que se cansou a cortar lenha e só agora

 goza um descanso que bem merecia...”

Contou-lhe o Bobo uma mentira capciosa:

saíra à caça e havia se perdido...

 

Primorosa o convidou para ficar

s lhe contou sobre a bruxa Malagueta

e o narcótico que os dois tinham tomado,

para roubarem quanto tinham de valor;

por sorte as ferramentas ao encontrar,

não quis pegar a tal bruxa abjeta.

“E meu marido trabalhou, pobre coitado

ergueu a cabana e cortou lenha com vigor!”

 

O SAPATEIRO REMENDÃO X

 

“Por sorte nos deixou a jaqueta de couro

e desde que a vestiu o meu marido

só a boa sorte é que nos acompanhou

e realmente temos aqui felicidade;

há boa caça, uma fonte que é um tesouro,

esta cabana quase por si tem progredido,

até a lareira de pedra nos brindou,

sem precisarmos construí-la na verdade!”

 

Mas ao ver a imponência da casaca,

Primorosa acordou logo Remendão:

“Querido, olhe a sorte que tivemos:

trocou a casaca este senhor pela jaqueta!”

Remendão bocejou, mas logo desempaca:

“Desperdício!” – ele chamou, com emoção,

“há quanto tempo, irmão, que não nos vemos!”

Primorosa ficou surpresa, mas discreta...

 

“À Corte íamos para te procurar,

ali fizeste já grande riqueza...?”

“Fortuna mesmo foi a de recuperar

esta minha jaqueta da alegria!...”

Ficaram muito tempo a conversar,

Desperdício só falava com leveza,

fora as Folhas da Alegria já encontrar

costuradas no forro igual queria!

 

Depois, lhes explicou o seu poder.

Disse o irmão: “Fiquei alegre, realmente.”

“Mas elas podem nos dar muito mais:

reconheceram em mim seu possuidor

e ajudarão no que eu quiser fazer.

Vamos achar a tal bruxa repelente

e recobrar o que roubaram esses tais...”

“Mas eu não sei onde escondem seu valor...”

 

O SAPATEIRO REMENDÃO XI

 

“Não se preocupe.  A jaqueta saberá...”

E no outro dia, já saíram pela mata,

até encontrarem, no oco de um carvalho

o esconderijo das coisas que roubavam.

“A quem rouba de um ladrão se perdoará...”

Falou Desperdicio.  Tudo que lá havia cata.

“Vamos embora, este foi um bom trabalho...”

Logo em seguida à velha aldeia então voltavam.

 

Encontraram sua casinha abandonada

e logo sua oficina reinstalaram,

a jaqueta a lhes trazer a maior sorte:

compraram couro, consertavam com esmero,

obra nova sendo logo encomendada,

as pessoas da redondeza os procuraram

e finalmente, até o pessoal da corte,

sem o Bobo reconhecer no sapateiro...

 

Primorosa logo teve vários filhos,

Desperdício a seguir também casou

e viveram sem riqueza, mas felizes,

sem invejar e sem serem invejados,

a casa toda renovada nesses trilhos,

seu pomar logo cresceu e se espalhou

e se algum dia nessa aldeia pises,

verás que todos são gentis e delicados. 

 

Mas quando a velha bruxa Malagueta

foi outra vez no oco do carvalho

e de seus roubos a falta descobriu,

foi de imediato acusando os dois anões,

que a acusaram dessa feia treta,

roubado o fruto de tanto mau trabalho

e cada qual para um lado se sumiu,

justo castigo para a família de ladrões!

 

EPÍLOGO

 

Ah, sim, o que aconteceu ao pagem?

Ora, com tudo o que ganhou, ficou vaidoso,

cada vez a se tornar mais ambicioso,

até roubar taça dourada de um barão

e por mais que o negasse, na ocasião,

logo encontraram a prova em seu poder,

para a prisão sendo mandado até morrer!

Vingança é coisa bem desnecessária:

quem nos faz mal, ainda fará ação nefária;

com a vingança a gente o igualará,

mas a outro rouba que não o perdoará,

pois o patife pensa até tirar vantagem

e há de repetir igual bobagem,

até encontrar alguém que não perdoa,

que um castigo lhe dará que fundo doa!

 

AS TRÊS CRIADAS I  – 2 OUT 19

 

Terminada a escravidão, precisaram de criada,

em uma chácara, no Rio de Janeiro,

feito o anúncio, apresentou-se bem ligeiro

uma garota muito bem apessoada.

Antes que fosse pela mulher entrevistada,

com cuidado, recomendou o chacareiro:

“Escute agora o que vou dizer primeiro,

antes que escolha agora a sua empregada.”

Atravessou na porta uma vassoura:

“Mande entrar a primeira candidata...”

Chegou uma moça linda e muito loura

e empurrou a vassoura para um lado,

antes de entrar.  “Não te serve a linda gata,

é preguiçosa e só vai te dar enfado...”

 

AS TRÊS CRIADAS II

 

A esposa acenou em concordância,

mas empreendeu as fases da entrevista;

pela conversa, reconheceu que a pista

de seu marido tinha plena substância...

E disse à moça: “Vou pensar bem nesta instância,

deixe o endereço comigo bem à vista,

por favor, minha querida, não insista,

somente aguarde meu chamado com constância...”

A jovem foi embora, aborrecida

e a futura patroa então chamou

a segunda a oferecer-se para a lida.

Viu a vassoura caída assim no chão

e simplesmente por cima ela passou,

sem ao menos tocá-la com a mão.

 

AS TRÊS CRIADAS III

 

Disse o marido: “Essa é ainda pior,

não nos serve, pouca importância dá

para o trabalho que executará,

talvez a outra nos possa ser melhor;

e a segunda se foi, em desfavor...

“Vamos ver a terceira, o que fará...”

Ela abaixou-se e trouxe desde lá

a vassoura.  “Qual é o lugar, senhor?”

E disse o chacareiro: “Esta nos vai servir,

é respeitosa e interessada no trabalho,

é meio velha, mais ainda tem bom talho...

Assim nas coisas pequenas revelamos

qual nas maiores acabaremos por agir

e algum prestígio assim nós conquistamos...

 

CHLORYS E A ANÊMONA I – 3 OUT 19

 

Há uma lenda na mitologia helênica,

isto é, dos gregos, sobre ninfa bela,

chamadas Clóris, por cuja cancela

de seu jardim, em tal beleza cênica

somente entrava o vento mais gentil,

chamado Zéfiro, que a vinha cortejar;

sendo o Vento do Ocidente a acariciar,

a mais suave brisa ao céu de anil...

Era Clóris também Ninfa das Flores

e milhares ostentava em seus canteiros;

cem outras ninfas a ela obedeciam,

com cuidado a manter os seus pendores,

viçosas flores a brotar em tais terreiros,

com recato, todas a Zéfiro queriam...

 

CHLORYS E A ANÊMONA II

 

Porém Zéfiro estava enamorado

dessa rainha de todas as flores

e a caprichosa só aceitava seus amores

quando seu peito para tal era inclinado;

não é que não quisesse, só fingia,

por muitos dias a falta de interesse;

de Zéfiro o despeito logo cresce

e as outras ninfas sua brisa beijaria...

Clóris ficava de leve enciumada,

mas logo Zéfiro de novo a procurava

e sua breve tentação não dava em nada;

em sua ausência, Clóris repreendia

as suas ninfas e nenhuma se atrevia

a ter do vento mais que breve revoada...

 

CHLORYS E A ANÊMONA III

 

Contudo a ninfa Anêmona, tão pura,

de Zéfiro atraiu mais atenção

e Clóris enfureceu-se na ocasião,

Anêmona a desterrar à vasta agrura

de um deserto agreste em sua secura,

em que logo iria morrer de inanição;

porém Zéfiro, ao saber da situação,

tornoa em branca flor de grã ternura

e assim Anêmona, tão leve e tão graciosa

cresce ao sopé de secos espinheiros

e só aparece durante a primavera,

mostrando essa brancura esplendorosa;

grácil e frágil saúda os caminheiros

e grande alívio nos corações lhes gera!

 

AS BOLOTAS DO CARVALHO I – 4 OUT 19

 

É o carvalho uma árvore imponente,

que sobrevive aos anos, longamente,

folhas singelas, mas de vigor potente,

nunca dá flores, somente grossos frutos

que não são bons para alimentar a gente,

contudo os porcos, bem gulosamente,

os devoram, com satisfação crescente,

por mais insípidos que sejam e tão brutos!

Alguns os chamam simplesmente de bolotas,

outros já os denominam alfarrobas

e ao carvalho chamam de alfarrobeira;

adstringentes, teu paladar embotas

se persistires em refeições tão bobas

só muita fome alguém leva a tal besteira!

 

AS BOLOTAS DO CARVALHO II

 

A Bíblia nos narra uma passagem,

do Filho Pródigo na parábola contida:

empobrecido, esse rapaz já passa a vida

guardando porcos em pobre vassalagem;

pois passa fome e só respira a aragem

e em vão pede que lhe seja repartida

parte das alfarrobas que aos porcos é servida,

mas seu patrão as nega; e então viagem

empreendeu para a casa de seu pai,

que abandonou em um ato de ambição,

de ser de novo recebido temeroso,

mas de braços abertos seu pai vai,

recebê-lo, comovido de emoção,

sem dar bolotas, mas jantar bem delicioso!

 

AS BOLOTAS DO CARVALHO III

 

Ora, um porco chegou perto de um carvalho,

a devorar-lhe as bolotas que caíam,

comida uma, já seus olhos se estendiam,

à espera de outra a lhe cair do galho...

“Porcos ingratos, vêm comer sem ter trabalho

nem sequer um a mim agradeciam

pelas bolotas que tantas me comiam!”

Disse a árvore.  “São um triste rebotalho!”

Mas respondeu o porco: “Eu agradeceria

se as estivesse a jogar só para mim,

porém no chão cada uma apodrecia...

Por que, então, lhe devo agradecer,

se são jogadas ao acaso, assim,

e até a limpeza em sua raiz eu vim fazer...?”

 

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