O gnomo do canhão
Folklore
alemão, transcrito em o Thesouro da Juventude,
Adaptado
e versificado por William Lagos, 6 nov 2019.
O
GNOMO DO CANHÃO I
O
gnomo Spulwurm sentava-se no chão,
sob
um renque de viçosos cogumelos,
enquanto
um velho alfarrábio estava a ler:
“Gnomos
Insignificantes” sua titulação,
mas
os anõezinhos ali mostrados eram belos
e
Spulwurm lia tudo com prazer...
Até
que certa página alcançou,
com
um verbete sobre um certo Drommete,
que
não fizera coisa alguma de notável,
salvo
a maneira como aqui chegou:
o
nascimento mais estranho se promete
ter
ocorrido de forma admirável.
Sua
mãe a pólvora e seu pai o estopim,
que
início davam ao disparo de um canhão:
ali
nascera tal e qual bola de ferro,
que
projetada por disparo assim,
causou
estrago por força da explosão,
da
criança o estampido fôra o berro!
Mas
o disparo tão somente o projetara
a
vinte metros de distância dessa peça;
nasceu
vestido com trajos de ferrugem;
o
lançamento um pouco apenas o estonteara;
o
olhar girando a seu redor não cessa,
acariciando
da barbicha a sua penugem...
O
GNOMO DO CANHÃO II
E
calculando a distância com cuidado,
Drommete
foi longo engatinhando:
“Senhor
meu pai e minha mãe também,
tendes
um berço para mim já preparado?”
E
assim dizendo, foi logo se apoiando:
dentro
do cano acomodou-se muito bem!
Mas que engraçado! – Spulwurm comentou,
Que jeitinho mais
estranho de nascer!
A maioria de nós brota
do chão
ou de uma pedra que em
carne se mudou...
Mas com o disparo
decerto não morreu,
vamos ver o que mais
fez nessa ocasião...
E
no livro, claramente, se dizia:
“Drommete
é travesso e caprichoso,
mora
na Europa antes de Mil e Setecentos, (*)
quando
o canhão de que um dia nasceu
foi
empregado naquele cerco pavoroso
de
Viena, pelos turcos violentos!...”
(*)
Ocorrido em 1683.
“Não
sabe ler nem escrever; cozinha bem,
muito
embora ele mesmo nada coma,
salvo
as pedrinhas que escolhe pelo chão,
um
cogumelo ou caracol também,
mas
cada prato mais prestígio soma,
têm-no
os turcos em grande apreciação.”
O
GNOMO DO CANHÃO III
“Eventualmente,
explodiu o seu canhão,
em
nenhum outro sentiu-se confortável
e
assim empreendeu grande viagem,
até
chegar do Oriente à imensidão,
em
que encontrou encouraçado formidável,
com
muitas peças de fogo na equipagem.”
“Por
muitos anos, morou nesse navio,
mas
então estourou mais uma guerra
e
num disparo totalmente inesperado,
em
um combate que durou dias a fio,
foi
projetado diretamente sobre a terra,
e
dessa vez aterrissou desacordado.”
“E
desde então está sem lar, vagando,
constante
busca por seu pai canhão,
sem
descobrir se foi acaso refundido,
outro
modelo não se interessando
em
acolher Drommete em proteção,
órfão
e triste tem o mundo percorrido.”
Mas coitadinho!” – pensou o Anão
Lombriga,
ou
Spulwurm, seu nome em alemão,
Se o encontrasse, talvez
fosse até ajudá-lo...
Nesse
momento, a dançar alegre giga,
aproximou-se
Gidechse, o Lagartão
e
Spulwurm de imediato foi saudá-lo.
O
GNOMO DO CANHÃO IV
“Que
estás achando da nossa Alemanha?”
Perguntou-lhe
Spulwurm, bem curioso.
“Muito
bonita,” respondeu-lhe Lagartão,
ou
Gidechse, com esperta manha,
outro
gnomo bastante ardiloso,
que
a ninguém ofenderia sem razão.
Com
olhar agudo examinou-o Lombriga,
observando
por cima das lunetas,
o
braço esquerdo apoiado em cogumelo.
“Uma
dúvida eu tenho que me intriga,
conheces
esse Drommete, rei das tretas?
Responde
sim ou não, sem mais apelo...”
“Conheço,
sim, mas não sou seu amigo,
mesmo
porque ele nem fala alemão,
dizem
que é turco, ele afirma que é francês;
eu
sou austríaco e crer nele não consigo,
pois
ele afirma ser filho de um canhão,
nenhum
gnomo dessa espécie vês...”
“De
fato, ele anda mesmo por aqui,
passou
a noite na toca de algum rato;
até
tentou se enfiar num arcabuz
e
o desaponto na sua cara eu vi,
a
boca é larga o bastante, é fato,
mas
estreito o cano que a bala conduz.”
O
GNOMO DO CANHÃO V
“Coisa
engraçada,” comentou Lombriga,
“sabes
que eu também tenho um canhão?
Com
ele eu encho a praia de mariscos,
também
de conchas, é preciso que se diga,
caso
contrário, seria só desolação,
areia
apenas e amontoados ciscos...”
“E
como foi que conseguiste esse canhão?”
Quis
saber Gidechse, intrigado.
“Comprei
os seus pedaços faz um ano,
era
bom preço e lhe dei aceitação,
estava
o ferro todo arrebentado,
mas
mesmo assim o recolheu cigano...”
“Depois
levei os pedaços à fornalha,
até
que tudo derreteu-se totalmente
e
com eles eu fundi o meu canhão,
cuja
mira até hoje não me falha
e
a praia eu abasteço permanente,
para
às crianças dar recreação...”
“Elas
gostam de conchas, você sabe;
catam
mariscos para fazer sopa,
não
fosse eu, não haveria mais nada...
No
meu canhão Drommete acho que até cabe;
se
aparecer debaixo de minha copa,
talvez
mesmo o ajude na empreitada...”
O
GNOMO DO CANHÃO VI
E
de repente, de trás de um cogumelo,
se
escutou uma vozinha esganiçada,
só
entenderam a palavra “canhão”,
com
um sotaque de arrepiar o pelo.
“Venha
cá, criatura atrapalhada,
não
fala nem um pouco de alemão?”
E
como o outro nada respondesse,
salvo
em mistura de turco e japonês,
Spulwurm
colocou o livro no chão,
sem
esperar que outra resposta desse
e
pela orelha agarrou o tal freguês
e
confirmou ser o dono de um canhão.
E
de repente, o ouviu dizer: “Estou salvo!”
“Ah,
então a nossa língua você fala?
Você
é mesmo o gnomo atrapalhado
que
inventou essa história de papalvo? (*)
“Eu
sou, eu sou!” Já o outro nem se cala.
“O
sentimento do seu canhão será adequado?”
(*)
Bobalhão.
“Como
assim?” – Spulwurm interrogou.
“Quer
dizer, tem instintos bem paternos?
Eu
sou órfão, morreu o meu paizinho,
um
encouraçado japonês me transportou,
fui
cozinheiro por muitos invernos,
até
dormia em um belo canhãozinho...”
O
GNOMO DO CANHÃO VII
“Mas
com a Rússia em guerra eles entraram (*)
e
os canhões não paravam de atirar
e
finalmente o seu navio abandonei,
por
muitas terras os meus pés vagaram,
nenhum
outro canhão bom pude encontrar,
será
que um finalmente agora achei...?”
(*)
Entre 1904 e 1905
“Já
que é órfão, adotá-lo eu poderei...”
“E
o seu canhão, não vai me abandonar?”
“Deixe
de treta, venha dar olhada...
Perto
da praia o meu canhão deixei,
Onde
o pode facilmente examinar...”
“Ele
não vai sair em disparada..?”
“Por
favor, canhãozinho, não me deixe...”
Falou
Trombeta e logo foi cheirar
A
arma de fogo que então estava fria.
“Santa
pedra, mas tem cheiro de peixe!”
“Não
é de peixe, são conchas do mar...”
“Será
que algum mal não me faria...?”
“Tenho
medo de virar uma vieira
ou
qualquer outro tipo de marisco...”
“Ora,
deixe de bobagem!” – protestou
Spulwurm
e levantou-o até a beira,
pela
orelha a puxá-lo como visco.
“Entre
logo, para ver se lhe agradou...”
O
GNOMO DO CANHÃO VIII
Drommete
foi aos poucos se enfiando
e
lá de dentro a vozinha se escutou:
“Aqui
tem cheiro de pólvora e pavio...
Será
meu pai que estou ora encontrando?”
Spulwurm
se cansou do reclamar:
“Uma
lição eu vou dar nesse bugio!”
E
bem depressa, foi até a culatra,
para
uma chama no pavio chegar:
mais
que depressa disparou o canhão,
com
forte estrondo e fumaceira atra,
o
coitado do Trombeta a projetar
pelos
ares até perder respiração!
Com
o barulho, dez gnomos acorreram,
embora
estando já acostumados
a
ver Spulwurm conchas projetar,
mas
estrondo bem maior já perceberam
e
quanto ali chegaram, apressados,
foram
apenas Gidechse encontrar...
“Mas
o que foi, o que foi que aconteceu?”
Lagartão
limpou a roupa e então falou:
“Spulwurm
carregou o canhão demais,
Trombeta
na atmosfera se perdeu,
mas
o recuo da culatra o projetou
direto
ao lado oposto, num zás-trás!”
O
GNOMO DO CANHÃO IX
“Mas
não se preocupem, que não morrem,”
disse
Gisechse, falando calmamente.
“Trombeta
foi projetado para o Oeste
e
Lombriga para o Leste; os dois percorrem
toda
a volta da Terra, velozmente,
um
vem do Oeste, chega o outro do Leste.”
E
dito e feito. Com sibilo e com zunido,
viram
Trombeta voando desde o Leste,
um
pontinho a percorrer a atmosfera,
logo
um segundo sendo percebido,
era
Lombriga que chegava pelo Oeste,
sem
que tivesse sido longa a espera...
Os
dez gnomos ficaram assustados
e
se esconderam sob os cogumelos
e
a seguir, os dois corpos se chocaram,
mas
ficaram tão só meio estonteados.
“Então,
que achas? Apreciaste meus desvelos?”
“Sem
qualquer dúvida, bastante me espantaram!...”
Os
dois ficaram ali, meio abraçados,
até
que Drommete contemplou o canhão:
“Tenho
certeza de que encontrei meu pai!
O
cheiro lembro de meus dias passados,
foi
assim mesmo que nasci nessa ocasião!...”
e
bem depressa abraçar o canhão vai!...
EPÍLOGO
Os
outros doze o olharam, desconfiados,
o
canhão ele abraçou, meio a chorar:
“Papai! Papai!
Finalmente te encontrei!”
E
desde então os três vivem nesses prados,
Trombeta
e Lagartão vão ajuntar
as
conchas e mariscos; e de Lombriga eu sei
que
continua a jogá-los, espalhados
por
toda a praia em que as crianças vem brincar
e
de mariscos até eu sopa farei!
Naturalmente,
quando o canhão esfria,
Trombeta
dorme bem aconchegado
no
cano amigo do paterno ferro,
enquanto
Lombriga outra história lia
e
Lagartão também dormia descansado,
enquanto
aqui mais uma lenda encerro!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário