terça-feira, 24 de novembro de 2020



TESTAMENTO EM SÍNOPLE


           (ARANHA EM ÂMBAR)

 

TESTAMENTO I – 1º novembro 2019

 

EU HOJE NÃO QUERO

                  ESCREVER

                  MAIS NADA; POIS A NOITE  É  LIVRE

MAS NÃO TENHO A ESTRADA 

EU HOJE QUERIA

                  ERA FAZER

                  TUDO; MAS  A  NOITE  ESTÁ   PRESA 

EM GRILHÕES DE VELUDO

EU HOJE PERDI

                 O SABOR

                 DA ESPERANÇA; POIS ENCHI MEUS

BOLSOS COM DESESPERANÇA 

EU HOJE GANHEI

                 O FAVOR

                 DA DERROTA; ELA ME SORRIU

E DIRIGE MINHA ROTA 

HOJE EU PERCEBI

                 QUE PERDI 

                 A PARTIDA; E ASSIM PERMANEÇO

COM A PENA DA VIDA 

HOJE EU RECONHEÇO

                JAMAIS

                TEREI SORTE; AO FIM  DA SENTENÇA

DOU UM BEIJO NA MORTE 

EU HOJE CONFESSO

                RESPEITO

                POR  NADA; POESIA É IRONIA,

A VIDA É UMA LIDA, VIVER É PIADA

E EU HOJE COMPLETO

                ESTE ATROZ

                DITIRAMBO: SOFRER  É  LOUCURA

A  DOR É TOLICE, SÓ O RISO É VERDADE

HOJE ENFIM ADMITO

                QUE É SÓ

                MANEIRISMO;  QUE  OS  VERSOS 

REDIGIDOS AQUI SÃO APENAS CINISMO 

              

TESTAMENTO II

 

DECERTO HOJE EU SINTO

                  A ME INFLUENCIAR

                  O PESO DO DIA DA DATA MARCADA

MULTIDÃO QUE É LEMBRADA 

MAS NÃO TOTALMENTE

                  POIS HÁ MUITA GENTE

                  QUE NINGUÉM MAIS RECORDA 

DE NOITE SE ACORDA

SEM NADA PENSAR

                 EM QUANTOS

                 JÁ FORAM; TALVEZ NOS AVÓS

SEM LEMBRAR CERTAMENTE DOS SEUS BISAVÓS 

BEM RARO É QUEM LEMBRA

                 O ROSTO

                 AMARELO DA FOTOGRAFIA; SOMENTE

ALGUNS DESSES NOBRES 

DE GRANDE PROSÁPIA

                 NAS GALERIAS 

                 PAREDES COBRINDO DE VASTOS SALÕES

OU OS SEUS CORREDORES 

MAS FALTOS DE AMORES

                E É TODA

                A LEMBRANÇA QUE VEM DE ENCARAR

OS ROSTOS RACHADOS 

DOS ÓLEOS ANTIGOS

                MAL SABEM

                SEUS NOMES, EXCETO SE ENCONTRAM

ALGUMA ETIQUETA DE AZINHAVRE COBERTA

E COM ESTE ESFORÇO

                AGORA COMPLETO

               MEU RELACIONAMENTO COM PLENO VAZIO

VIVER É TOLICE, A MORTE É VERDADE

E É BOM QUE SE DIGA

                NO FIM DA CANTIGA

                QUE EXISTE GRANDEZA E ATÉ CERTA BELEZA

NA LONGA INCERTEZA DE TANTOS FINADOS. 

 

TESTAMENTO III

 

TUDO ASSIM CONSIDERO E

                  ESPERO

                  VALOR DAR À MORTE QUE A VIDA NOS CORTE

VALOR DANDO À SORTE; E À VIDA 

AINDA ESCONDIDA

                  NA LIDA

                  DA NOITE, PERDIDA E AINDA A VIBRAR 

RECORDO-ME ASSIM

DE SER HALLOWEEN

                 ESTE NOITE

                 ESTE DIA DE TODOS OS SANTOS

DE TODAS AS ALMAS 

AO VIR REBROTAR

                 O NOVEMBRO

                 QUE A MORTE DO ANO JÁ PROGNOSTICA

É LONGA ESTA ESTRADA 

QUE FIRME CONDUZ

                 AO NADA 

                 É LONGO O CAMINHO, SEM MÁGOA

OU CARINHO QUE TENHA POR NÓS 

E ENTÃO RECONHEÇO

                PROFUNDO

                ESSE ARCANO DA NOSSA AMPLIDÃO

É A NOSSA VISÃO 

SABOR SEM PERDÃO

                QUE NÃO

                SE ACREDITA, MAS A MENTE CONCITA

A SE CRER NESSE FIM, OLVIDADO O CINISMO

E O ATROZ MANEIRISMO

                DEPOIS

                QUE EU PARTIR, DE MIM SÓ PERDURA

QUAL ÍNFIMA CURA ALGUM VERSO DEIXADO

TALVEZ DESLEIXADO

                TALVEZ

                A LEMBRANÇA EM PLACA DE PRAÇA

SEM SABER QUEM EU FUI CADA INCAUTO QUE PASSA. 

 

ABANDONO I  -- 2 NOV 19

 

e assim, também os versos Estertoram

quando a musa se retira, Melindrada,

quando pretende que inspirar mais Nada

é seu novo pendor, em que se Arvoram

 

novos amantes para a fada Disputada,

novos desejos, que a espoucar Estouram,

obrigações que o tempo lhe Devoram

e nada mais resta ou se vê na Encruzilhada

 

que possa iluminar algum que foi Sincero,

que a obedeceu em tudo, no verso foi Austero

e apenas redigiu inspirados Desatinos,

 

abrindo mão assim de todos os Prazeres,

tão só por ela a cumprir tantos Deveres,

 que ela já esqueceu e seguiu outros Destinos.

 

ABANDONO II

 

e novamente é o dia! que algo se Estampasse

no próprio ar que respiro e me Rodeia;

de um farnel de amargura a noite se Incendeia,

sorrateira inserida na luz que Respirasse,

 

qual mágoa coletiva que pelos céus Bailasse,

enquanto a carpideira saúda a lua Cheia,

no luto ainda recente que agudo se Pranteia,

antes que tal paixão dentro em si se Estiolasse.

 

destarte eu sinto agora não mais que Nostalgia

e fico a murmurar farrapos de Elegia,

embora nem suspeite a quem deva Prantear,

 

da musa antes querida nem ouço o Sussurrar,

a quem nenhuma missa a igreja Rezaria,

qualquer destino seja que alfim foi Completar.

 

ABANDONO III

 

e algumas vezes penso na longa Madrugada

que a musa por quem versos forjei no velho Amanho,

de há muito faleceu, perdida lá no Antanho:

descansa em paz – talvez – sem me cobrar mais Nada.

 

tampouco sem nutrir-me da inspiração Sagrada,

embora diariamente em verso ainda me Assanho;

de macular cartões decerto não me Acanho,

mas neles não mais vejo brilhar a luz Dourada,

 

qual brilha nos rascunhos de mágoa já Empoeirada,

se indo a retirá-los da estante me Disponho

e novamente sinto quanto era mais Airada

 

a antiga inspiração enquanto ela Vivia

e a mágoa renovada nas cinzas eu Reponho,

julgando que essa mácula do pó reviveria!

 

calíope I – 3 nov 2019

                                            oh, virgem minha,

                       por tantos

repossuída,

enquanto as eras,

                                    uma a uma,

                                                            escoam,

                                   enquanto os turbilhões,

               na mente,  

me ressoam,

da multidão

                        de versos,

                                               esbatida,

                                               como as ondas

                               do mar,

torrente erguida,

rebanho

                    de emoções,

                                                quais alimárias,

                                                pastando

                       insatisfeitas,

multifárias,

nos prados

                       de minha alma

                                                    inatendida.

 

e foste tu que tudo provocaste!...

            teu rosto erguido à noite me cortaste,

             como um fantasma de gentil maldade...

             pois perfuras em mim a inspiração,

           a espicaçar em verso!...  o coração

de quem soube por ti perder a virgindade.

 

calíope II

                                            oh, musa antiga,

                       por tantos

cortejada,

que, de algum modo,

                                    me cortejou,

                                                            (a mim!?)

                                   e tantas frases

               insuflou-me,  

assim,

mesmo quando

                        eu não queria

                                               escrever nada,

                                               oh, semideusa

                               por helenos

encantada,

filha de Apollo,

                    por que chegaste,

                                                para enfim,

                                                te afastares,

                       sem um toque

de clarim,

só retornando,

                       ao depois,

                                         meio entediada...

 

por que, de novo, o azorrague me acicata?

tranquilo estava a classificar meus selos,

            da vasta coleção reunida aos poucos,

quais os rascunhos, empoeirados nesta data,

por que, agora, desfazes meus desvelos

e me obrigas a escrever poemas loucos?

 

calíope III

                                            oh, meiga ninfa,

                       que um dia

eu vi bailar,

de meus olhos

                                 no fundo

                                                    das retinas,

                                   sempre acenando

               as mais gentis  

das sinas,

mas só querendo

                                   a mim

                                               escravizar.

                                               e quantas vezes

                       fui teus versos

aceitar,

cheios alguns

                           da pureza

                                                de menina,

                                          outros de escândalo

                       e de armadilhas

bem ferinas,

em que nem eu

                                               consigo

                                                    acreditar...

 

porém que os envias e me forças a aceitar!

à noite acordo, mil versos transbordando

             e os teus rascunhos me ponho a redigir,

             até que o sono reclame o seu altar

            e mesmo assim, tão difícil me afastando

na busca vã de ainda ver o teu sorrir!

(Apesar do formato, são sonetos e creio se desformatarão.)

 

INSÔNIA I – 4 nov 19

 

NÃO TE SUPLICO SONHOS MAIS, CALÍOPE!

musa singela, jovem cujos seios

mal rebrotaram, frente ao olhar míope

de quem te conquistar, por todos meios

envidou, enquanto as faces frias

e o corpo de hera semi-recoberto

erguia para mim as nostalgias

iluminadas por farol; decerto

era o farol dos sonhos ofertados

a quem fechasse os olhos, apertados,

e buscasse dormir e descansar.

MAS EU NÃO QUERO

dormir para sonhar!

pois quem sonha acordado muito mais

até prefere não dormir jamais!

 

INSÔNIA II

 

EU SÓ SUPLICO UM BEIJO TEU, CALÍOPE,

por mais que no meu peito desconfie

e de tua boca generosa não me fie,

meio cego pelo amor, talvez amblíope;

talvez me ocorra como a Sêmele, a etíope

que insistiu com Zeus para que o espie,

que lhe surgisse na glória em que o vigie

e em castigo queimou-se-lhe o olhar míope.

dizem alguns que foi Hera que a iludiu;

estava grávida, então, de Dionyso,

mas contemplando de Júpiter o viso

A TRISTE NINFA

então se consumiu

e o grande deus tomou o pobre feto,

para na coxa o gestar com grande afeto.

 

INSÔNIA III

 

ASSIM EU TEMO, CALÍOPE, ME OCORRA,

caso algum dia teu beijo maternal

de antiga ninfa oscule o ser mortal

e assim me oprima o coração e eu morra;

mas ainda busco, maior risco que corra,

ter em meus lábios teu gosto sideral,

tomar na língua teu sabor espiritual,

doce ressaibo que à noite me recorra!

pelo canto dos olhos vejo espia,

com seu olhar irrequieto e sorrateiro,

meu caprino Dionyso alvissareiro,

SEM TER CIÚMES

da inspiração que via,

que teu sussurro esparze e me renova

e essa pira de sonhos sempre aprova...

 

transiente I (*)

5 nov 19

Ela passou por mim na vida, apenas,

deixando atrás de si restolho de perfume;

não era jovem mais -- da vida as penas

trazia gravadas no rosto, em azedume.

 

Talvez fosse traição, talvez ciúme,

o que a marcara tão profundamente;

não era velha ainda -- mas resume

o rosto o quanto amargurou-lhe a mente.

 

E por jovem não ser, nem velha ainda,

olhou-me num relance fugaz de avaliação,

na esperança, talvez, de em nova exaltação

 

renovar-se alguns anos da mocidade finda.

Mas eu a olhei, tão só, indiferente:

Seu brilho se apagou e foi-se  em frente...

(*) Transiente

 

transiente II

Apenas recordando, será que não devia,

igual que à musa Calíope supliquei,

não lhe negar o beijo que não dei,

que certamente não a consumiria..?

 

Será que esse oscular a iludiria,

ou que experiente mulher ali encontrei,

que saberia muito bem, tal qual eu sei,

que esse beijo transiente a escaldaria?

 

Pois nada posso saber na realidade,

pois não foi Sêmele, muito menos eu fui Zeus

e não houve sequer breve explosão;

 

contudo, às vezes, na insônia de impiedade,

ainda imagino quais sejam os passos seus

que a conduziram a ignota direção.

 

transiente II

E se recordo essa visão transiente,

foi que entre nós surgiu fugaz fagulha,

uma canção de amor que nem fez bulha,

só o coração num calcular dolente

 

do “poderia ter sido” assaz frequente,

quando, escondido, o tal deusinho arrulha,

nessa armadilha constante com que empulha

tantos de nós e engazopa tanta gente...

 

Mas a fagulha facilmente bruxuleou,

até o possível fazer-se transitório,

sem o provável jamais ser peremptório;

 

nada mais que uma lembrança que me assombra,

leve desejo de ter pisado a alfombra,

que a mente, em raras noites, me incendiou.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário