O MOTIM DO BOUNTY
OUTUBRO I – 11 outubro 2019
ah, maio, maio, belo mês de
Maio,
tão cedo Junho foste, que de
Abril
recordo tão somente o céu de
anil
e o tropel sanguissedento em
que me esvaio,
nos versos que escrevi desde
Janeiro,
na fúria multicor de meu
Dezembro,
após o mundo
devorar Novembro,
nas esperanças vãs de
Fevereiro,
no Março folgazão, logo
frustrado,
enquanto Julho aponta e após
Agosto,
[que tantos acoimaram dar
desgosto...]
mês após mês, do ano cada
membro
zombou de uma ilusão:
mostrou-me o fado
meus sonhos mortos sem chegar
Setembro.
OUTUBRO II
contudo os sonhos em Outubro
ressurgiram,
desembarcaram em uma ilha
tropical,
em que vahinis encontraram e natural (*)
foi sua paixão depois que as
belas viram,
as musas e enfermeiras que os cuidaram;
dos europeus, por razão
tradicional
a pele clara amaram, sem
malícia ou mal
e nesses filhos seus ideais se
transformaram;
naturalmente, os sonhos velhos
faleceram,
porém reproduzidos nessas
praias,
sonhos maoris, talvez sonhos
maiores... (+)
passados anos, o mundo
percorreram,
fortalecidos pelas próprias
vaias,
em suas retinas novos
esplendores...
(*) mulheres polinésias. (+)
habitantes da Nova Zelândia,
como Kiri Te Kanawa, a famosa
soprano.
OUTUBRO III
do Capitão Bligh decerto ouviu
falar (*)
e dos marinheiros que se
amotinaram
que no Bounty com frequência chicotearam,
até seu imediato os apoiar,
Fletcher Christian, após indo
encontrar
a solitária Pitcairn, onde
ficaram
e seus filhos então ali
criaram,
outras ilhas indo alguns
colonizar,
seus descendentes formando raça
forte,
mães polinésias, os seus pais
ingleses,
acostumados a percorrer os
mares;
assim meus sonhos hão de ter
similar sorte,
caso as musas de tua mente
nestes meses
os aceitem e reproduzam aos
milhares...
(*) Leia-se “Blái”. O motim do H.M.S. Bounty (Abundância,
Riqueza) ocorreu em 1789. Há um filme cult com Marlon Brando.
OUTUBRO IV
porque são sonhos, afinal, por
mais robustos,
de ti esperam berço e
aceitação;
de um preconceito sempre
sofrerão,
da mestiçagem hão de pagar os
custos,
mas trazem honra e intrepidez
nos bustos
os seus ideais de humana
comunhão
que desde a Grécia e Roma
descerão,
sobrevivendo, ainda que
vetustos...
são as sombras que lança a raça
humana
durante mais que qualquer ano
solar,
que o mesmo sangue a todos nós
irmana,
todos unidos pela mesma
melanina,
em alguns sonhos reforçada por
bronzear,
outros trazendo mais em si
pálida sina...
FUGITIVOS I – 12 out 19
É a mão do passado, certamente,
Desse outrora que esqueço dia a dia,
Que me toma de cilada e aleivosia
A cada vez que devaneia a mente.
Porque todos meus desgostos seculares
Eu mantenho em celas férreas de prisão,
Nos escaninhos de meu coração,
Agrilhoados em axônios tumulares.
E os ponho a trabalhar: fazem meus versos,
Fizeram minhas canções, de imaculada
Harmonia que minha mágoa não contesta.
Mas quando escapam e nalma são dispersos,
O que eu sinto é uma lenta machadada
Que inexorável me fendilha a testa.
FUGITIVOS II
De quando em vez, em mim mesmo reencarnei,
Com certo esforço, em periodia a falecer,
A cada vez que dentro em mim via crescer,
Em vasto excesso, tantos males que passei.
Mas de algum modo, sempre recobrei
Vitalidade e este impulso de escrever,
Versos rasgados do lixo em que alijei:
Não me ponho a queixar e nem porei,
Porque essas queixas, agruras e rancores
Dentro da alma são prisioneiros às centenas,
Que nutrição de mim ganham apenas
Se me forjarem seus flébeis esplendores;
Então os troco, minha energia por ração
E os fortaleço com as linhas desta mão.
FUGITIVOS III
Algumas vezes, ocorre algum motim:
Tenho meu Fletcher Christian carcereiro,
Que deveria obedecer-me por inteiro,
As chaves dei-lhe para os guardar assim.
Mas quem sabe que conceito faz de mim,
Que é apenas outro sonho pegureiro,
A quem apenas instalei no seu poleiro,
Sem absolvê-lo de sua culpa e pena enfim...
E afinal, sendo o guarda da prisão,
Também ele ali se acha aprisionado:
Meu carcereiro chama-se Dever
E com fome, a mastigar cada emoção,
Tantas vezes a mim tem atraiçoado,
Sem permitir-me das tristezas esquecer.
FUGITIVOS IV
Na América Hispânica o dia é chamado
De Dia da Raça, memorial dessa lembrança
De Cristóvão Colombo; e nosso Dia da Criança
Para a Padroeira do Brasil foi cooptado.
Mas este Doze de Outubro disputado,
Nem sempre para mim traz a bonança,
Que afinal, de Pandora a Esperança
Foi o mal que ali ficou aprisionado.
E como dizem espanhóis, é um desjejum
Que nos pode fortalecer durante o dia,
E no entretanto, só concede magra ceia...
E se dos sonhos meus liberto algum,
Na manhã plena, enquanto o sol luzia,
Cabisbaixo ele retorna em noite feia...
DEGELO I – 13 out 19
envelheci nos últimos seis
Meses,
depois de vários anos de
Carência,
em que me olhava ao espelho,
com Frequência,
e percebia, vezes após Vezes,
que nada havia mudado;
Anestesiado
o tempo fora em mim; vivia em
Coma,
meus sonhos habitavam em
Redoma:
cumpria meus deveres com
Cuidado.
então sem que esperasse, veio à
Mente
uma nova torrente de
Esplendores:
refleti meus desgostos, meus
Amores,
em novos versos de teor
Nascente;
descriogenei, anseios Revivi,
e por viver de novo, Envelheci.
DEGELO II
foi então melhor que a poesia
Revivesse,
célula após célula a retirar de
Mim,
meu coração devorando qual
Quindim
e que meu corpo simultâneo
Envelhecesse?
que é necessário no eventual
que Falecesse;
cada soneto, no entanto, em
Alevim
se transformou, sempre a
flutuar Assim
nesse meu sangue que do cérebro
Escorresse.
somente espero que em peixes se
Transformem
e que, pescados, muitos irão
Alimentar
com estes sonhos que nutri
desde Menino,
sem que poça estagnada então
Adornem,
cada poema tão somente a
Coaxar,
meu sonho velho transformado
num Girino!
DEGELO III
mas o fato é que já tive
Hibernação
por períodos longamente
Demorados;
meus rascunhos tristemente
Acumulados,
como a palha de um ninho
Amassarão.
e de repente, um geyser de Impulsão (*)
esguicha firme, em jatos
Ordenados,
qual no Old Faithful Deliberados,
água grisalha a recobrir-me na
Ocasião.
quando por ela me deixo
Borrifar
da juventude ainda guardo a
Esperança,
mas o jato me convida a
Mergulhar
e nesse instante de entrega
Onipresente,
fogem depressa meus sonhos de
Criança,
sonhos adultos a dominar-me a
Mente.
(*) Fontes de água quente,
comuns em áreas vulcânicas.
ESTRELA D'ALVA I – 14 out 19
Foi minha vez primeira: era menino,
Onze anos apenas; e ela, treze.
Ela mal tinha seios; pequenino
Ainda era meu pênis, em que pese
Se alçasse facilmente na ereção,
Sem saber realmente o que fazia.
Antes mesmo de tentar masturbação,
Num ventre de criança se estendia;
E lhe dava prazer -- mais um calor,
Precoce deiscência de uma flor,
Enquanto eu mesmo sequer ejaculava.
Era um pendor gentil, uma luxúria
Isenta ainda de emoção espúria,
Que nem sequer de amor nos maculava...
ESTRELA D'ALVA II
Caso o soubessem, o que diriam meus pais,
Na estrita formação que me educavam,
Por muito menos sua cólera mostravam,
Sexo sendo um dos pecados capitais?...
Era preciso me ocultar de todos mais;
Meus colegas tolamente se gabavam
De prostitutas com que (talvez?) deitavam
E eu bem quietinho, sem falar demais...
Mesmo porque, qual importância tinha
Essa vivência de um caso temporário
Que só mais tarde compreendi o que fosse?
Guardando a fama de ser só virgenzinha,
Quando no fundo escondia o riso hilário,
Em meu segredo mais temido do que doce...
ESTRELA D'ALVA III
Hoje se julga de forma mais normal
A descoberta do sexo, mas então
Havia o ódio de tal devassidão,
Por mais que o evento fosse natural.
Assim guardei meu pecadinho tão fatal,
Sem contar a mais ninguém, no coração;
De minha parceira nunca mais tive noção,
Mas sou-lhe grato por iniciar-me no sensual.
Somente após a morte de meus pais
É que dispus-me a retirar de sua prisão
Tal fragmento de minha pré-adolescência,
Que aqui exponho em seus versos finais,
Porque só bem me trouxe na ocasião,
Tal qual falei: apenas flor em deiscência...
SONETO SEM NOME I – 15 out
19
Nós temos testemunhas
complacentes.
Talvez partilhem mesmo
nosso amor
Ou, num suspiro apenas,
com fervor,
Desejem nos tornemos
permanentes.
Em nossa bússola louca dos
errantes,
Em tontiformes ponteiros
de calor,
Sem nada desconforme em
tal pendor,
Mas duas vozes em melodia
potentes.
Naquela meiga e morna
nostalgia,
Relva nos braços, carne em
plenilúnio,
Desafiando o fado de
infortúnio.
Naquela mesma e simples
luz de antanho,
Naquele igual fervor com
que me assanho
A te possuir à luz do
meio-dia!...
SONETO SEM NOME II
Não te direi um nome por
saber
Que sonetos de amor não
possuem dona,
Por mais que um alvo desse
amor se abona,
Vão a quaisquer que os
leiam pertencer...
Mesmo os fatos reais sem
conhecer,
Se de fato amor se fez
sobre uma lona,
Sem o cheiro do capim
subir à tona,
Teu imaginar pode os
detalhes preencher...
Como se pode viver sem
fantasia,
Especialmente quando os
sonhos bons se esquece
E se recordam somente os
pesadelos?
E desse leito de amor que
descrevia,
Quem saberia dizer se foi
só prece
Ou a imagem surreal de
meus desvelos?
SONETO SEM NOME III
Assim, quem sabe, foi tal
sonho também teu,
Em qualquer ponto da
hipotética noosfera,
A mágica esfera de sonhos
que se altera
A cada vez que algum peito
adormeceu,
A cada vez que em sonho a
percorreu,
Durante o sono, quanto
amor real se dera?
Durante o sonho que tanta
luz nos gera,
Que a noite em meio-dia
transcendeu?
E quem te diz se certa
musa complacente
Ou que Dionysos, em seu
olhar brejeiro,
Não ficaram a observar-te
na ocasião,
Teus desejos a seduzir
fora da mente,
Mesmo que o fosse em sonho
por inteiro
Ou em escaninho de teu
próprio coração?
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