quinta-feira, 19 de novembro de 2020




OUTUBRO DE ANTANHO


                                                                 O MOTIM DO BOUNTY

 

OUTUBRO I – 11 outubro 2019

 

ah, maio, maio, belo mês de Maio,

tão cedo Junho foste, que de Abril

recordo tão somente o céu de anil

e o tropel sanguissedento em que me esvaio,

nos versos que escrevi desde Janeiro,

na fúria multicor de meu Dezembro,

após o mundo devorar Novembro,

nas esperanças vãs de Fevereiro,

no Março folgazão, logo frustrado,

enquanto Julho aponta e após Agosto,

[que tantos acoimaram dar desgosto...]

mês após mês, do ano cada membro

zombou de uma ilusão: mostrou-me o fado

meus sonhos mortos sem chegar Setembro.

 

OUTUBRO II

 

contudo os sonhos em Outubro ressurgiram,

desembarcaram em uma ilha tropical,

em que vahinis encontraram e natural (*)

foi sua paixão depois que as belas viram,

as musas e enfermeiras que os cuidaram;

dos europeus, por razão tradicional

a pele clara amaram, sem malícia ou mal

e nesses filhos seus ideais se transformaram;

naturalmente, os sonhos velhos faleceram,

porém reproduzidos nessas praias,

sonhos maoris, talvez sonhos maiores... (+)

passados anos, o mundo percorreram,

fortalecidos pelas próprias vaias,

em suas retinas novos esplendores...

(*) mulheres polinésias. (+) habitantes da Nova Zelândia,

como Kiri Te Kanawa, a famosa soprano.

 

OUTUBRO III

 

do Capitão Bligh decerto ouviu falar (*)

e dos marinheiros que se amotinaram

que no Bounty com frequência chicotearam,

até seu imediato os apoiar,

Fletcher Christian, após indo encontrar

a solitária Pitcairn, onde ficaram

e seus filhos então ali criaram,

outras ilhas indo alguns colonizar,

seus descendentes formando raça forte,

mães polinésias, os seus pais ingleses,

acostumados a percorrer os mares;

assim meus sonhos hão de ter similar sorte,

caso as musas de tua mente nestes meses

os aceitem e reproduzam aos milhares...

(*) Leia-se “Blái”.  O motim do H.M.S. Bounty (Abundância,

Riqueza) ocorreu em 1789.  Há um filme cult com Marlon Brando.

 

 

 

OUTUBRO IV

 

porque são sonhos, afinal, por mais robustos,

de ti esperam berço e aceitação;

de um preconceito sempre sofrerão,

da mestiçagem hão de pagar os custos,

mas trazem honra e intrepidez nos bustos

os seus ideais de humana comunhão

que desde a Grécia e Roma descerão,

sobrevivendo, ainda que vetustos...

são as sombras que lança a raça humana

durante mais que qualquer ano solar,

que o mesmo sangue a todos nós irmana,

todos unidos pela mesma melanina,

em alguns sonhos reforçada por bronzear,

outros trazendo mais em si pálida sina...

 

FUGITIVOS I – 12 out 19

É a mão do passado, certamente,

Desse outrora que esqueço dia a dia,

Que me toma de cilada e aleivosia

A cada vez que devaneia a mente.

 

Porque todos meus desgostos seculares

Eu mantenho em celas férreas de prisão,

Nos escaninhos de meu coração,

Agrilhoados em axônios tumulares.

 

E os ponho a trabalhar: fazem meus versos,

Fizeram minhas canções, de imaculada

Harmonia que minha mágoa não contesta.

 

Mas quando escapam e nalma são dispersos,

O que eu sinto é uma lenta machadada

Que inexorável me fendilha a testa. 

 

FUGITIVOS II

 

De quando em vez, em mim mesmo reencarnei,

Com certo esforço, em periodia a falecer,

A cada vez que dentro em mim via crescer,

Em vasto excesso, tantos males que passei.

 

Mas de algum modo, sempre recobrei

Vitalidade e este impulso de escrever,

Versos rasgados do lixo em que alijei:

Não me ponho a queixar e nem porei,

 

Porque essas queixas, agruras e rancores

Dentro da alma são prisioneiros às centenas,

Que nutrição de mim ganham apenas

 

Se me forjarem seus flébeis esplendores;

Então os troco, minha energia por ração

E os fortaleço com as linhas desta mão.

 

FUGITIVOS III

 

Algumas vezes, ocorre algum motim:

Tenho meu Fletcher Christian carcereiro,

Que deveria obedecer-me por inteiro,

As chaves dei-lhe para os guardar assim.

 

Mas quem sabe que conceito faz de mim,

Que é apenas outro sonho pegureiro,

A quem apenas instalei no seu poleiro,

Sem absolvê-lo de sua culpa e pena enfim...

 

E afinal, sendo o guarda da prisão,

Também ele ali se acha aprisionado:

Meu carcereiro chama-se Dever

 

E com fome, a mastigar cada emoção,

Tantas vezes a mim tem atraiçoado,

Sem permitir-me das tristezas esquecer.

 

FUGITIVOS IV

 

Na América Hispânica o dia é chamado

De Dia da Raça, memorial dessa lembrança

De Cristóvão Colombo; e nosso Dia da Criança

Para a Padroeira do Brasil foi cooptado.

 

Mas este Doze de Outubro disputado,

Nem sempre para mim traz a bonança,

Que afinal, de Pandora a Esperança

Foi o mal que ali ficou aprisionado.

 

E como dizem espanhóis, é um desjejum

Que nos pode fortalecer durante o dia,

E no entretanto, só concede magra ceia...

 

E se dos sonhos meus liberto algum,

Na manhã plena, enquanto o sol luzia,

Cabisbaixo ele retorna em noite feia...

DEGELO I – 13 out 19

 

envelheci nos últimos seis Meses,

depois de vários anos de Carência,

em que me olhava ao espelho, com Frequência,

e percebia, vezes após Vezes,

 

que nada havia mudado; Anestesiado

o tempo fora em mim; vivia em Coma,

meus sonhos habitavam em Redoma:

cumpria meus deveres com Cuidado.

 

então sem que esperasse, veio à Mente

uma nova torrente de Esplendores:

refleti meus desgostos, meus Amores,

 

em novos versos de teor Nascente;

descriogenei, anseios Revivi,

e por viver de novo, Envelheci.

 

DEGELO II

 

foi então melhor que a poesia Revivesse,

célula após célula a retirar de Mim,

meu coração devorando qual Quindim

e que meu corpo simultâneo Envelhecesse?

 

que é necessário no eventual que Falecesse;

cada soneto, no entanto, em Alevim

se transformou, sempre a flutuar Assim

nesse meu sangue que do cérebro Escorresse. 

 

somente espero que em peixes se Transformem

e que, pescados, muitos irão Alimentar

com estes sonhos que nutri desde Menino,

 

sem que poça estagnada então Adornem,

cada poema tão somente a Coaxar,

meu sonho velho transformado num Girino!

 

DEGELO III

 

mas o fato é que já tive Hibernação

por períodos longamente Demorados;

meus rascunhos tristemente Acumulados,

como a palha de um ninho Amassarão.

 

e de repente, um geyser de Impulsão (*)

esguicha firme, em jatos Ordenados,

qual no Old Faithful Deliberados,

água grisalha a recobrir-me na Ocasião.

 

quando por ela me deixo Borrifar

da juventude ainda guardo a Esperança,

mas o jato me convida a Mergulhar

 

e nesse instante de entrega Onipresente,

fogem depressa meus sonhos de Criança,

sonhos adultos a dominar-me a Mente.

(*) Fontes de água quente, comuns em áreas vulcânicas.

 

ESTRELA D'ALVA I – 14 out 19

 

Foi minha vez primeira: era menino,

Onze anos apenas; e ela, treze.

Ela mal tinha seios; pequenino

Ainda era meu pênis, em que pese

 

Se alçasse facilmente na ereção,

Sem saber realmente o que fazia.

Antes mesmo de tentar masturbação,

Num ventre de criança se estendia;

 

E lhe dava prazer -- mais um calor,

Precoce deiscência de uma flor,

Enquanto eu mesmo sequer ejaculava.

 

Era um pendor gentil, uma luxúria

Isenta ainda de emoção espúria,

Que nem sequer de amor nos maculava...

 

ESTRELA D'ALVA II

 

Caso o soubessem, o que diriam meus pais,

Na estrita formação que me educavam,

Por muito menos sua cólera mostravam,

Sexo sendo um dos pecados capitais?...

 

Era preciso me ocultar de todos mais;

Meus colegas tolamente se gabavam

De prostitutas com que (talvez?) deitavam

E eu bem quietinho, sem falar demais...

 

Mesmo porque, qual importância tinha

Essa vivência de um caso temporário

Que só mais tarde compreendi o que fosse?

 

Guardando a fama de ser só virgenzinha,

Quando no fundo escondia o riso hilário,

Em meu segredo mais temido do que doce...

 

ESTRELA D'ALVA III

 

Hoje se julga de forma mais normal

A descoberta do sexo, mas então

Havia o ódio de tal devassidão,

Por mais que o evento fosse natural.

 

Assim guardei meu pecadinho tão fatal,

Sem contar a mais ninguém, no coração;

De minha parceira nunca mais tive noção,

Mas sou-lhe grato por iniciar-me no sensual.

 

Somente após a morte de meus pais

É que dispus-me a retirar de sua prisão

Tal fragmento de minha pré-adolescência,

 

Que aqui exponho em seus versos finais,

Porque só bem me trouxe na ocasião,

Tal qual falei: apenas flor em deiscência...

 

SONETO SEM NOME I – 15 out 19

 

Nós temos testemunhas complacentes.

Talvez partilhem mesmo nosso amor

Ou, num suspiro apenas, com fervor,

Desejem nos tornemos permanentes.

 

Em nossa bússola louca dos errantes,

Em tontiformes ponteiros de calor,

Sem nada desconforme em tal pendor,

Mas duas vozes em melodia potentes.

 

Naquela meiga e morna nostalgia,

Relva nos braços, carne em plenilúnio,

Desafiando o fado de infortúnio.

 

Naquela mesma e simples luz de antanho,

Naquele igual fervor com que me assanho

A te possuir à luz do meio-dia!...

 

SONETO SEM NOME II

 

Não te direi um nome por saber

Que sonetos de amor não possuem dona,

Por mais que um alvo desse amor se abona,

Vão a quaisquer que os leiam pertencer...

 

Mesmo os fatos reais sem conhecer,

Se de fato amor se fez sobre uma lona,

Sem o cheiro do capim subir à tona,

Teu imaginar pode os detalhes preencher...

 

Como se pode viver sem fantasia,

Especialmente quando os sonhos bons se esquece

E se recordam somente os pesadelos?

 

E desse leito de amor que descrevia,

Quem saberia dizer se foi só prece

Ou a imagem surreal de meus desvelos?

 

SONETO SEM NOME III

 

Assim, quem sabe, foi tal sonho também teu,

Em qualquer ponto da hipotética noosfera,

A mágica esfera de sonhos que se altera

A cada vez que algum peito adormeceu,

 

A cada vez que em sonho a percorreu,

Durante o sono, quanto amor  real se dera?

Durante o sonho que tanta luz nos gera,

Que a noite em meio-dia transcendeu?

 

E quem te diz se certa musa complacente

Ou que Dionysos, em seu olhar brejeiro,

Não ficaram a observar-te na ocasião,

 

Teus desejos a seduzir fora da mente,

Mesmo que o fosse em sonho por inteiro

Ou em escaninho de teu próprio coração?

 


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