sábado, 21 de novembro de 2020





URDEFESA EM LARANJA


                                                     ANANDA KASHYAPA (VAIROCANA)



URDEFESA I – 16 OUT 2019

(*) Defesa primitiva da mente

é tão estranho, quando alguém me Indaga

quem foi que criou deus... Contradição

de quem reduz a deus, no Coração,

aos termos retalhados pela Adaga

da própria pequenez, pergunta Estulta,

querendo comparar os deuses Falsos,

que a mente soergueu em Cadafalsos,

na busca inglória do mais vão Indulto,

por um vago esplendor Solipsista, (*)

a humanidade inteira uma Conquista

espelhada de orgulho em tal Jaez;

é antropocêntrica tal Cosmologia

de quem a morte ver aguarda  um Dia,

e invertem a pergunta -- quem me Fez?

(*) Posição de quem se julga ser o centro do mundo.

 

URDEFESA II

os cristãos primitivos tinham Fama

de ateus serem, porque não Adoravam

aos deuses que os romanos Veneravam

sobre os altares, numa vasta Gama;

por certo havia iconoclastas, que na Lama

as divindades semi-humanas Arrojavam;

na maioria, porém, só Recusavam

oferecer sacrifícios a tal divina Rama,

em especial, ao imperador  Romano,

que o senado declarava ser Divino:

não só um sacrilégio, era até Subversão!

pois o deus em que criam não era Humano,

muito maior que este mundo Pequenino

que a tais deidades dava Aceitação.

 

URDEFESA III

contudo, alguns cristãos, Interrogados

sobre se, realmente, eram Ateus,

afirmavam adorar somente um Deus,

Verbo ou Palavra entre nós Encarnados;

e convenciam certos Magistrados,

os mais esclarecidos entre os Seus,

já influenciados por profetas Maniqueus,

que ser deviam até mesmo Respeitados;

e dos helenos a racional Filosofia

para essa aceitação caminho Abria,

juntamente com a religião mais Oriental,

que negava existir tal Multidão,

mas apenas dois deuses, os quais São

o princípio do bem e o dom do Mal.

 

URDEFESA IV

mas neste ponto são claras as Escrituras:

o Verbo se fez carne e entre nós Habitou;

tornou-se humano, porque o homem Precisou

de uma imagem que mostrasse feições Puras

e para poder se identificar nessas Figuras

de algum apoio material Necessitou:

então Deus Pai em um velho Transformou

e em Deus Filho, o sofredor de mil Agruras;

foi a Santíssima Trindade Humanizada;

 o Espírito Santo muitos veem como Pombinha;

mesmo esta crença pouca gente Compreendia

e assim foi sendo a divindade Limitada,

Palavra deixou ser que desde os céus nos Vinha,

mas um bebê apenas, no colo de Maria!

 

TRINDADE I – 17 OUT 2019

 

é bem difícil a crença na Trindade,

ou que tenhamos um só Intercessor

e mais ainda, que seja um Deus de Amor:

plena de culpas se acha a humanidade.

o que deseja é que haja um Julgador,

o Cristo Pantocrátor, em realidade,

um deus furioso contra os atos de maldade,

de nossos adversários o feroz condenador!

 

e realmente, se deseja um sacrifício:

esse da cruz simplesmente não nos basta,

alguns pensam que se pague com dinheiro,

mas muitos creem não ser pleno benefício,

que arrepender-se o castigo não afasta

e até desejam ter suplício derradeiro!

 

TRINDADE II

 

bom é notar, porém, que não existe,

nem nos Credos, nem nos Dez Mandamentos,

nem no Pai Nosso, menção de julgamentos

de caráter perpétuo; nisso, porém, insiste

a culpa inata no coração e ainda resiste

à Redenção e à promessa em seus portentos;

sua distorção requer suplícios violentos,

na queima de sua culpa ainda persiste.

 

existe mesmo a Parábola Agostiniana,

deste filósofo que foi um dia maniqueu:

“com uma concha esvaziar a água do Oceano”,

perplexidade trazendo à alma humana

tanto remorso que na mente floresceu,

todo inflexível perante o esforço humano.

 

TRINDADE III

 

na verdade, Deus Pai é o Infinito;

sendo infinito, abrange todo o Universo

e mais além, caso exista o Pluriverso:

nada está fora de seu poder bendito;

tu mesmo ali te inclues, pois és finito

e Nele vives e te moves, mesmo averso,

 à compreensão dessa existência inverso,

mas Deus é toda a matéria, mesmo o grito

 

que nos chega das estrelas, a energia,

o som, a cor, o tempo e todo o espaço

e fora Dele é impossível algo haver,

de Deus afastar-se jamais se poderia,

até o Nada incluído em seu abraço,

Dele nasceste e sempre irás lhe pertencer.

 

TRINDADE IV

 

porém o Logos, a Palavra imaterial

tornou-se em carne, só para tua compreensão

ou se o quiseres, para a tola negação,

que é forte a culpa e prende-te, afinal;

mas se Deus Filho foi homem e imortal

e para os céus subiu na sua Ascensão,

de que maneira pode dar sua proteção?

resta o Paráclito, o Consolador factual.

 

é a Ação Divina que se ergue sobre ti.

se achas difícil, então adora qualquer santo,

de antigos deuses moderno é o avatar

ou aguarda a Virgem a interceder ali,

talvez em vinho possa mudar teu pranto

e até, quem sabe? para o Filho encaminhar.

 

TRINDADE V

 

mas não é disso que as Escrituras falam:

“Ninguém vai ao Pai, senão por Mim,”

disse Jesus.  Por que perder-se assim

numa burocracia, na qual nunca se abalam

os santos todos, que jamais te falam.

melhor rogares ao Espírito Santo, enfim:

Ele é a Ação de Deus no Seu jardim,

em que planta quaisquer bens que te regalam.

 

a Deus ninguém criou, porém o homem

criou mil deuses com seu próprio alento,

deuses ferozes que sua vontade domem,

deuses gentis que possam-lhe sorrir,

mas nenhum deles, será ligeiro ou lento

em conceder o que podes lhes pedir.

 

TRINDADE VI

 

é bom lembrar que até Santo Agostinho

vivia em um mundo extremamente limitado:

a Terra plana; e sobre ela curvado

o céu, apenas círculo e até bem vizinho,

estrelas fixas em seu pergaminho,

só dos planetas o movimento era avistado;

é de espantar que Zeus, mal-humorado,

com seus raios abrisse o seu caminho?

 

hoje sabemos do Universo a extensão

ou pelo menos, até qual ponto chegar,

que o Infinito vai-se ainda mais multiplicar;

mas se precisas de mais próxima visão,

busca a Palavra que em ti veio encarnar,

o Santo Espírito a encontrar no coração.

 

PRIMAZIA I – 18 OUT 2019

 

NOSSO AMOR FOI TÃO CURTO E TÃO PEQUENO...

AMOR DE ADOLESCENTES, TÃO VIGIADOS...

TANTOS OLHARES AO OMBRO DEBRUÇADOS,

TANTOS SORRISOS DE SUTIL VENENO...

 

NOSSO AMOR FUGIDIO, UM BREVE ACENO...

UM LEVE INSTANTE, SÓ DOIS FRUTOS ROUBADOS,

NESSE CLÍMAX FEBRIL DOS ABRAÇADOS

NUMA ILUSÃO DE VAZIO,  SEM NADA PLENO...

 

E NOSSO AMOR, ASSIM PEQUENO E CINTILANTE,

NA ALMA REBROTOU-ME, EM DOCE CANTO,

DE UM ÍNCLITO ESPLENDOR NA MADRUGADA...

 

QUE NOSSO AMOR FOI CONDÃO DA MESMA FADA:

LEVE BOTÃO DE FLOR, BRILHO DE INSTANTE,

FOI TÃO PEQUENO... E A MIM ENCHEU-ME TANTO!

 

PRIMAZIA II

 

NUNCA SE OLVIDA O AMOR ADOLESCENTE,

UM SABOR MISTO DE LARANJA E DE LIMÃO,

AMOR DE FLOR EM SUA PRIMEIRA BROTAÇÃO,

PARA TODOS OS DEMAIS INDIFERENTE.

 

PARA NÓS DOIS TENDO SIDO TÃO FERVENTE!

DESPETALADO ATÉ O ÚLTIMO BOTÃO

FLUINDO RUBRO POR TODO O CORAÇÃO,

MANSO REGATO DE MURMÚRIO INEXPERIENTE.

 

FICOU EM MEU SUSPIRO UMA LEMBRANÇA

E ATÉ HOJE, COM OLHOS DE CRIANÇA,

RECORDO DELE O SEU DETALHE E CADA LUZ,

 

MAS SEM SABER, AFINAL, QUE FIM LEVASTE,

SE IGUAL AMOR PARA OUTRO BEM MOSTRASTE,

SE O MEU SEQUER EM TEU PEITO AINDA RELUZ!...

 

PRIMAZIA III

 

NATURALMENTE, A VIDA O SUPEROU,

OUTROS DEVERES, OUTRAS RUSGAS E AMORES

OUTROS SONHOS DE INGÊNUOS ESPLENDORES,

MAS LÁ NO FUNDO, NUNCA SE ABAFOU.

 

SÓ IMAGINO SE TUA MENTE RECORDOU

ESSES MOMENTOS DE NOSSOS RUBORES

OU SE DEPRESSA BRUXULEARAM TEUS ARDORES

E LEMBRANÇA DE MIM SEQUER RESTOU.

 

E CASO UM DIA AINDA VENHA A TE ENCONTRAR,

SERÁ QUE ENCONTRO, NO FUNDO DE TEUS OLHOS,

MEU PRÓPRIO ROSTO EM SIMPATIA ENVOLTO?

 

OU SE ME PERCO, NO AFÃ DE PROCURAR,

POR ENTRE AS BULHAS DE TANTOS ESCOLHOS,

ALGUM RESTO DE MIM PERDIDO E SOLTO?

 

BORBORINHO [BURBURINHO?] I – 19 OUT 19

 

Eu não sabia, mulher, que o ardor antigo

Queimava dentro em ti, na escura flama:

Que em arcano ritual, centelha e drama

Incólume jazia em teu jazigo.

 

Saber, mulher, te juro não consigo

Que o ardor sombrio de teu beijo em chama,

O meu desejo inatingível ainda reclama,

E que no fundo de teu peito estou contigo.

 

Eu só confesso, enfim, que te esperava,

Porém sem esperança, entendes?  Frio,

Cerceando sempre o ardor que me assaltava,

 

Por entender que o coração vazio,

De toda essa esperança que acenava,

Não se encheria jamais de teu rocio...

 

 

BORBORINHO [BURBURINHO?] II

 

Ao te encontrar, meu coração perdeu-se

Num borbulhar de cáustico momento,

De certo modo, um atroz padecimento

E de outro modo, de alegria encheu-se,

 

Mais de ansiedade, quiçá, pois encolheu-se

Por um instante, sem saber que sentimento

Me mostraria o teu; seria mau pressentimento?

Mas teu olhar no meu breve acolheu-se.

 

Igual calculo que foste cautelosa,

Que não sabias qual sombra a desvendar

Em meu peito, se o amor a estiolar,

 

Ao perceber-te ainda bela e tão airosa,

Poderia num instante se inflamar

Ou se, ferino, te buscasse até humilhar...

 

BORBORINHO [BURBURINHO?] III

 

Mas eu te juro, mulher, que nem sabia

Que todo o ardor sombrio de teu beijo,

Inacessível tanto tempo a meu desejo,

No fundo de teu peito ainda luzia,

 

Nem suspeitava que então me adejaria,

Uma vez mais, o orvalho benfazejo,

Desse teu hálito, no mais leve arpejo

E enfim, sobre minha boca pousaria...

 

Apenas sei que, cessado o borborinho,

Tudo se fez tão só em exultação

E que permeio a teus braços me lancei,

 

Sem nem saber qual seria o meu caminho;

Só sei te devolvi meu coração,

Quando no teu eu quase me afoguei...

 

            A CADA DIA QUE OS DEUSES NOS TIRAM

            ALGUMA COISA, SEGUE-SE UM DIA

EM QUE NOS DARÃO ALGO; AQUILO QUE NÃO ENCONTRARES PELA MANHÃ,

 ACHA-LO-ÁS AO CAIR DA TARDE

   ----  RAMAYANA.

JAZIGO I – 20 out 2019

 

Pois sempre tive um pendor para a revolta!

as coisas nunca são como as queria,

por mais que me dedique, minha praxia

é contrariada pela estranha escolta

 

que acompanha meus passos, escarninha,

que frustra os meus desejos, quando acena

com temporária suspensão da pena

que me amargura os sonhos, de mesquinha.

 

Mas à tarde encontramos o perdido

pela manhã, que os deuses nos tomaram,

para mofar de nós, sem compaixão;

 

e ao coração, por hoje malferido,

sem dúvida, amanhã preencherão

com cadáveres dos sonhos que mataram!

 

JAZIGO II

 

Talvez meus sonhos fiquem na calçada

quando erguer os meus olhos para o alto

e os deixar a percorrer qualquer ressalto,

sem perceber a pobre sombra ali jogada.

 

Talvez seja uma quimera abeberada

na água da sarjeta, ou sob o salto

de alguns passantes, seu ardor já falto,

emurchecida se torne e descarnada...

 

ou quem sabe, um minotauro passa

e com seu chifre, um sonho me desloca

e sai com ele a passear, igual Godiva,

 

se inteira nua a mente então se achasse

e vulnerável a tal galhofa louca,

atrás deixando retalhos da alma viva.

 

JAZIGO III

 

Sempre acredito que nada me darão

esses deuses do ocaso passageiros,

os meus deveres sem descurar, ligeiros,

que apenas em meus braços confiarão.

 

E se notar que me faltou certa emoção

e que meus versos perderam companheiros,

irei buscar no antanho seus parceiros,

talvez ali deixei guardado o coração.

 

E nessa busca, afirmo minha revolta

contra essa malta que sempre me afligiu,

nem por inveja, mais por sua indiferença;

 

e qualquer vez que alguma mágoa encontrar solta,

para mim a acolherei, pois sei fugiu,

assoberbada por tanta malquerença!

 

LÁSTIMA I - Wm. Lagos, 28 MAI 06

Para Andréia Macedo [sobre Eclesiastes 7:2].

 

Melhor é ir à casa onde se vê tristeza

do que àquela em que celebram o festim;

o luto é mais sincero e mostra, assim,

da vida humana a perenal certeza;

 

qual diz o Pregador, nossa incerteza

está em não saber o bem e o mal, enfim,

que nos trará o dia, embora seja o fim

conhecido de todos e venha com presteza.

 

pois quer o Santo Livro que nosso coração,

abandonando o riso e desposando a mágoa,

se fortaleça assim e aceite seu destino.

 

Mas tenho para mim que os olhos rasos d'água

de amor deviam ser, de um gozo mais divino,

que nos faça crescer também na exaltação.

 

LÁSTIMA II

 

Porque essa mágoa toda, no fim nos traz revolta:

Se algum dia eu cresci, não foi o sofrimento

Que me tornou melhor, não foi a amarga escolta

De mágoas e tristezas, em fero ajuntamento;

 

Porém o condoer: a pena que se sente,

Ao ver o sofrimento daqueles que enxergamos,

Sem poder consolá-los, mas por se estar presente,

Ao menos simpatia aos fracos demonstramos.

 

Porque, se um deus existe, é este um deus de amor,

Não se compraz na dor, nem faz sofrer também:

Quem causa o sofrimento é o próprio ser humano;

 

A alegria é divina e assim, nos traz vigor,

Se brota em nosso peito... e não há maior bem

Que retornar à calma um coração insano.

 


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