domingo, 22 de novembro de 2020


ESTIMA EM VERDE



                                                                     CHARLISE THERON


ESTIMA I – 21 out 19 

 

Ah, quantas vezes passamos, transitórios,

uns pelos outros, barganhando amor:

deste-me o teu, terás igual valor

em juramentos e abraços persuasórios...

 

Numa emoção de sonhos ilusórios,

de pé atrás, sem fecundo e real ardor:

uma esperteza comercial a impor,

amor metálico oferecido em tais empórios...

 

Moeda gasta e isenta de verdade,

pois somos todos espelhos de vaidade,

juntos trocamos gestos de ilusão...

 

E, num assomo, o coração me diz:

O amor dos outros é apenas um verniz;

Todos amamos é o próprio coração!...

 

ESTIMA II

 

Numa emoção perfeita de desdita,

de pé atrás, sem ilusão fecunda:

nessa esperteza comercial, profunda,

no amor sincero nunca se acredita...

 

Contudo o coração a amor concita,

essa maçã perfeita e rubicunda,

a gula o corpo e o coração inunda,

os dois perdidos na mesma e antiga fita...

 

pois lá no fundo, sem se acreditar,

existe o anseio de que possa nos surgir.

Inopinado, um sorriso a refulgir

 

que pelo nosso se possa então trocar,

o sangue a aferventar em convecção

até mesclar-se na mais pura transfusão.

 

ESTIMA III

 

E mesmo quem que por poeta se apregoa

e amor encare com certa leviandade,

tanto escreveu na maior facilidade,

amor de tantos tipos que destoa

 

desse amor que a alma inteira nos condoa,

amor unívoco, sem pluralidade,

amor que une metade à sua metade,

nessa parábola tão comum e quase atoa,

 

ainda se espera surgimento da resina,

que nessa boca alheia se converta,

trocando a própria por nossa estimação

 

e nessa ingênua ilusão se forma o clima,

quando seu corpo contra o nosso aperta,

que ainda nos venha a fazer tal doação...

 

POLISPERMIA I  -- 22 OUT 2019

ao toque do pistilo, teus Estames

de almíscar na Corola protegidos

Deiscentes se abriram, revestidos

da alegre Cor dos Sonhos que mais ames...

 

e, nesse gesto de Opérculos enxames,

num Meristema de amores concedidos, 

em puras Pétalas de Quimera distendidos,

a Antera em Pólen difunde seus reclames...

 

estranho efeito tendo em minha Vida:

esperava que de ti brotassem Flores,

mas meu foi o Canteiro mais semeado...

 

tu continuaste Meiga e Desvalida,

e eu me esqueci do Afã de meus amores,

brotando o Verso por teu pólen fecundado... 

 

POLISPERMIA II

 

se nesse gesto de Opérculo encantado,

aberto assim teu régio Meristema, 

em pura Pétala de Sonho, sem dilema,

desfez-se a Antera em Pólen perfumado,

 

meu próprio Caule foi de todo transformado,

sua Celulose a se tornar em verde Gema,

a Clorofila a proclamar meu Lema:

que o Sol inteiro foi de Ti assimilado!

 

mas em Egoísmo te tornei Inspiração,

todo esquecido de Polinizar tua mente,

todo envolvido nos Rebentos dessa flora,

 

verde Tornado o meu próprio Coração,

sem Encarnação a te fazer presente,

que a Sementeira levei comigo embora...

 

POLISPERMIA III

 

hoje Completo os meus Setenta e seis,

ou seja, setenta e Seis já terminaram,

setenta e sete, portanto, se Iniciaram

e assim dizer setenta e Sete me ouvireis,

 

quando Acaso minha Idade indagareis,

que meus Outonos já se completaram

e meus Invernos alegres começaram,

pois amo o Frio bem mais que julgareis,

 

pois no Verão me murcha a sementeira

e os Opérculos contemplo sem vontade:

até Alergia me causa a deiscência,

 

mas nem por isso a Safra sobranceira

de Trigo e Mel perde a fertilidade,

que cinza me Perdura em Senescência.

 

POLISPERMIA IV

 

pois não Suspendo tal Polispermia,

que não se encontra num Canteiro limitada;

há muita Flor do Campo desejada,

torno-me Zéfiro a assoviar em harmonia

 

e em cada flor que me Escutou eu gostaria

de alguns Grãos de minha vida abandonada

ter deixado na Canção por mim gerada,

que houvesse Antera que para mim se abria.

 

sei muito bem que há Sementes em excesso,

que muito Poucas cairão em boa terra,

a Maioria sobre a Rocha tombará,

 

mas ainda Penso em Grangear o teu apreço

e que dentro de tua Alma algo se encerra

que uma Semente solitária acolherá.

PARÁCLITO  I [a Ray Bradbury] -- 23 out 19

 

Uma estrela explodiu há dois mil anos,

Humanos a deixar cheios de pasmo,

Pensando ser sinal de um grão portento,

Penosamente concedido pelos deuses,

 

Paraninfo de era imarcescível,

Para trazer-lhes paz, tranquilidade,

Como se Deus fosse explodir estrelas,

Conjecturando o bem da humanidade...

 

Assim, um homem sábio percebeu,

Assinalada fora a morte inglória,

Assassinado um sistema planetário;

 

Outrora vivas, em belas construções,

Outros sonhos nutrindo, multidões

Outorgada então tiveram morte súbita. 

 

PARÁCLITO  II

 

E se aqui eu emprego versos brancos,

Coisa que muito raramente faço

E qualquer rima por rejeitar me esforço,

É que essa explosão foi bem real,

 

Em brilho branco como o verso impuro,

De fato sendo pela China observada

E identificada com a Estrela de Belém

Que da Pérsia convocou os três astrólogos.

 

Naturalmente, isto foi só imaginação

E por enquanto, nossas naves não chegaram,

Mas quem ficção científica escreveu,

 

Em especial seus mais antigos redatores,

À sua maneira, foram também profetas

E quem sabe se algo assim não sucedeu?

 

PARÁCLITO  III

 

O que se sabe é que o Vulcão de Santorini

Serviu de guia para o Êxodo judeu:

Uma coluna de fogo se avistava

Durante a noite e, de dia, de fumaça.

 

E até mesmo as Doze Pragas sobre o Nilo,

Que aos Egípcios tanto amarguraram

E inda esse dia em que o próprio Sol parou,

Mediante prece fervente de Josué,

 

Podem ser perfeitamente ali encontrados,

Porque Cnossos, Micenas e Tirinto,

Da Grécia antiga as civilizações

 

Foram por tal cataclisma destruídas,

Quem sabe então que faleceu o Minotauro

E foi tal chama que a Ícaro queimou?

 

ENCANTADOR DE SERPENTES I – 24 outubro 2019

 

alguém me disse que as gentes se recusam

a aceitar de seus rostos as mudanças:

preferem ver as falsas conservanças

que as fotos retocadas lhes conduzam,

 

como as faces qualquer troca logo acusam

trocas de espelho, em tolas esquivanças;

de enfrentar teu rosto velho logo cansas,

de encarar as feias rugas que o abusam;

 

mas eu não sou assim, porque essa imagem

não me desacorçoa em nada; e bem até

gosto de ver meu rosto, em plena fé

 

de que me espelha somente uma miragem:

meu rosto é só da alma um trapaceiro...

Sequer conheço meu rosto verdadeiro! 

 

ENCANTADOR DE SERPENTES II

 

querendo assim trocar, não mais a face,

que permanece, mas comprar um novo espelho,

no qual não se avistar o rosto velho,

por não quererem ver seu desenlace,

 

vão as pessoas de rica ou pobre classe

expulsar a realidade qual a relho,

sem à velhice querer curvar o joelho,

nem encarar o quanto ela nos mostrasse.

 

Não que todos literalmente o façam:

constroem novos disfarces de ilusões,

correm na vida empós nobres posições

 

e a própria alma lentamente embaçam

ao rejeitarem tanto amadurecimento

que traz a vida, momento após momento.

 

ENCANTADOR DE SERPENTES III

 

e tal e qual silvaria algum faquir

para erguer as serpentes de sua cesta,

vazio assim seu rosto, só lhes resta

a ruga pálida a amargurar o seu sorrir:

 

com uma flauta de bambu a conduzir,

tornam as faces lisas para a festa,

em maquiagem que só vaidade atesta,

máscara apenas seus ossos a cobrir.

 

Mas quanto a mim, por trás de minhas feições,

existe um rosto que ao material transcende,

um rosto antigo que em nada nos ofende,

 

sobre o qual não se percebem mutações,

em que cristal reluz feito diamante,

face perene sob a face do inconstante.

 

ENCANTADOR DE SERPENTES IV

 

assim em nada me concerne essa mudança

que rasga o vento no rosto qual anzol,

que as faces queima pelo rigor do sol,

mas me conservo num vezo de esperança.

 

Mas nem em todos sua expressão é mansa:

muito mais fisgam as culpas qual farol,

a revelar-lhe labirintino caracol

e as próprias almas enrugam nessa dança,

 

bem ao contrário do conto de Oscar Wilde, (*)

somente o rosto é que reflete essa maldade,

enquanto a alma finge ser ainda pura,

 

na sinecura de uma função humilde,

mas do semblante se esvai vitalidade

e a alma herda cada traço dessa agrura.

(*) O Retrato de Dorian Grey

 

COMPOSTO I – 25 outubro 2019

 

Pois quem diria que, passados anos,

Sobre mim o mau olhado seguiria,

Sempre esfazendo, em inversa teogonia,

Os laivos de esperança dos enganos...

 

Mostram ato peristáltico os humanos,

Falsos ideais suas ilusões, a teologia

Da produção das fezes; a ironia

De sermos tão eficientes quanto insanos.

 

Somos máquinas copróferas, nada mais;

E ao percebermos que alguém produz magia,

Precisaremos de esterco recobri-lo...

 

Nesse perpétuo e infalível produzir, jamais

Deixando margem à pura nostalgia

De quem o mundo quis só de amor cobri-lo.

 

COMPOSTO II

 

Nada de estranho.  Só nasce cada flor

Quando o adubo lhe traz a nutrição;

Não é frequente ter o solo a encantação

Necessária para cada semeador...

 

Considerando como é forte esse pendor

De “orgânica” gabar sua plantação

Contra os nitratos, só resta a conclusão

De algum esterco a conferir seu esplendor...

 

Se recomenda, mas raro é o biodigestor,

De que as fezes, por força do calor,

Fornecerão do gás metano a energia;

 

Enquanto os restos de alimento vão se pôr

No recipiente em que se faz composto,

Que apodrecido, trará à horta melhor gosto.

 

COMPOSTO III

 

Do mesmo modo, da inteira humanidade

Só raramente irá brotar alguém genial,

Algum cientista com talento natural,

Que abre caminho de maior fertilidade

 

E distribui-nos esse dom de raridade

Na forma de um composto material;

Ou algum artista de talento individual

Que se dedique a embelezar casa ou cidade.

 

A maioria, porém,  nos serve apenas

Para a ciência e a arte consumir,

Mais que composto, são biodigestores,

 

Nos quais a inveja provoca feias cenas

E se dedicam aos melhores denegrir

Com o férvido adubo dos rancores!

 

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