CHARLISE THERON
ESTIMA I – 21 out 19
Ah, quantas vezes passamos,
transitórios,
uns pelos outros, barganhando
amor:
deste-me o teu, terás igual
valor
em juramentos e abraços
persuasórios...
Numa emoção de sonhos
ilusórios,
de pé atrás, sem fecundo e real
ardor:
uma esperteza comercial a
impor,
amor metálico oferecido em tais
empórios...
Moeda gasta e isenta de
verdade,
pois somos todos espelhos de
vaidade,
juntos trocamos gestos de
ilusão...
E, num assomo, o coração me
diz:
O amor dos outros é apenas um
verniz;
Todos amamos é o próprio
coração!...
ESTIMA II
Numa emoção perfeita de
desdita,
de pé atrás, sem ilusão
fecunda:
nessa esperteza comercial,
profunda,
no amor sincero nunca se
acredita...
Contudo o coração a amor
concita,
essa maçã perfeita e rubicunda,
a gula o corpo e o coração
inunda,
os dois perdidos na mesma e
antiga fita...
pois lá no fundo, sem se
acreditar,
existe o anseio de que possa
nos surgir.
Inopinado, um sorriso a
refulgir
que pelo nosso se possa então
trocar,
o sangue a aferventar em convecção
até mesclar-se na mais pura
transfusão.
ESTIMA III
E mesmo quem que por poeta se
apregoa
e amor encare com certa
leviandade,
tanto escreveu na maior
facilidade,
amor de tantos tipos que destoa
desse amor que a alma inteira
nos condoa,
amor unívoco, sem pluralidade,
amor que une metade à sua
metade,
nessa parábola tão comum e
quase atoa,
ainda se espera surgimento da
resina,
que nessa boca alheia se
converta,
trocando a própria por nossa
estimação
e nessa ingênua ilusão se forma
o clima,
quando seu corpo contra o nosso
aperta,
que ainda nos venha a fazer tal
doação...
POLISPERMIA I -- 22 OUT 2019
ao toque do pistilo, teus Estames
de almíscar na Corola protegidos
Deiscentes se abriram, revestidos
da alegre Cor dos Sonhos que mais ames...
e, nesse gesto de Opérculos enxames,
num Meristema de amores concedidos,
em puras Pétalas de Quimera distendidos,
a Antera em Pólen difunde seus reclames...
estranho efeito tendo em minha Vida:
esperava que de ti brotassem Flores,
mas meu foi o Canteiro mais semeado...
tu continuaste Meiga e Desvalida,
e eu me esqueci do Afã de meus amores,
brotando o Verso por teu pólen fecundado...
POLISPERMIA II
se nesse gesto de Opérculo encantado,
aberto assim teu régio Meristema,
em pura Pétala de Sonho, sem dilema,
desfez-se a Antera em Pólen perfumado,
meu próprio Caule foi de todo transformado,
sua Celulose a se tornar em verde Gema,
a Clorofila a proclamar meu Lema:
que o Sol inteiro foi de Ti assimilado!
mas em Egoísmo te tornei Inspiração,
todo esquecido de Polinizar tua mente,
todo envolvido nos Rebentos dessa flora,
verde Tornado o meu próprio Coração,
sem Encarnação a te fazer presente,
que a Sementeira levei comigo embora...
POLISPERMIA III
hoje Completo os meus Setenta e seis,
ou seja, setenta e Seis já terminaram,
setenta e sete, portanto, se Iniciaram
e assim dizer setenta e Sete me ouvireis,
quando Acaso minha Idade indagareis,
que meus Outonos já se completaram
e meus Invernos alegres começaram,
pois amo o Frio bem mais que julgareis,
pois no Verão me murcha a sementeira
e os Opérculos contemplo sem vontade:
até Alergia me causa a deiscência,
mas nem por isso a Safra sobranceira
de Trigo e Mel perde a fertilidade,
que cinza me Perdura em Senescência.
POLISPERMIA IV
pois não Suspendo tal Polispermia,
que não se encontra num Canteiro limitada;
há muita Flor do Campo desejada,
torno-me Zéfiro a assoviar em harmonia
e em cada flor que me Escutou eu gostaria
de alguns Grãos de minha vida abandonada
ter deixado na Canção por mim gerada,
que houvesse Antera que para mim se abria.
sei muito bem que há Sementes em excesso,
que muito Poucas cairão em boa terra,
a Maioria sobre a Rocha tombará,
mas ainda Penso em Grangear o teu apreço
e que dentro de tua Alma algo se encerra
que uma Semente solitária acolherá.
PARÁCLITO I [a Ray Bradbury] -- 23 out 19
Uma estrela explodiu há
dois mil anos,
Humanos a deixar cheios
de pasmo,
Pensando ser sinal de um
grão portento,
Penosamente concedido
pelos deuses,
Paraninfo de era
imarcescível,
Para trazer-lhes paz,
tranquilidade,
Como se Deus fosse
explodir estrelas,
Conjecturando o bem da
humanidade...
Assim, um homem sábio
percebeu,
Assinalada fora a morte
inglória,
Assassinado um sistema
planetário;
Outrora vivas, em belas
construções,
Outros sonhos nutrindo,
multidões
Outorgada então tiveram
morte súbita.
PARÁCLITO II
E se aqui eu emprego
versos brancos,
Coisa que muito
raramente faço
E qualquer rima por
rejeitar me esforço,
É que essa explosão foi
bem real,
Em brilho branco como o
verso impuro,
De fato sendo pela China
observada
E identificada com a
Estrela de Belém
Que da Pérsia convocou
os três astrólogos.
Naturalmente, isto foi
só imaginação
E por enquanto, nossas
naves não chegaram,
Mas quem ficção
científica escreveu,
Em especial seus mais
antigos redatores,
À sua maneira, foram
também profetas
E quem sabe se algo
assim não sucedeu?
PARÁCLITO III
O que se sabe é que o
Vulcão de Santorini
Serviu de guia para o
Êxodo judeu:
Uma coluna de fogo se
avistava
Durante a noite e, de
dia, de fumaça.
E até mesmo as Doze
Pragas sobre o Nilo,
Que aos Egípcios tanto
amarguraram
E inda esse dia em que o
próprio Sol parou,
Mediante prece fervente
de Josué,
Podem ser perfeitamente
ali encontrados,
Porque Cnossos, Micenas
e Tirinto,
Da Grécia antiga as
civilizações
Foram por tal cataclisma
destruídas,
Quem sabe então que
faleceu o Minotauro
E foi tal chama que a
Ícaro queimou?
ENCANTADOR DE SERPENTES I – 24 outubro 2019
alguém me disse que as gentes se recusam
a aceitar de seus rostos as mudanças:
preferem ver as falsas conservanças
que as fotos retocadas lhes conduzam,
como as faces qualquer troca logo acusam
trocas de espelho, em tolas esquivanças;
de enfrentar teu rosto velho logo cansas,
de encarar as feias rugas que o abusam;
mas eu não sou assim, porque essa imagem
não me desacorçoa em nada; e bem até
gosto de ver meu rosto, em plena fé
de que me espelha somente uma miragem:
meu rosto é só da alma um trapaceiro...
Sequer conheço meu rosto verdadeiro!
ENCANTADOR DE SERPENTES II
querendo assim trocar, não mais a face,
que permanece, mas comprar um novo espelho,
no qual não se avistar o rosto velho,
por não quererem ver seu desenlace,
vão as pessoas de rica ou pobre classe
expulsar a realidade qual a relho,
sem à velhice querer curvar o joelho,
nem encarar o quanto ela nos mostrasse.
Não que todos literalmente o façam:
constroem novos disfarces de ilusões,
correm na vida empós nobres posições
e a própria alma lentamente embaçam
ao rejeitarem tanto amadurecimento
que traz a vida, momento após momento.
ENCANTADOR DE SERPENTES III
e tal e qual silvaria algum faquir
para erguer as serpentes de sua cesta,
vazio assim seu rosto, só lhes resta
a ruga pálida a amargurar o seu sorrir:
com uma flauta de bambu a conduzir,
tornam as faces lisas para a festa,
em maquiagem que só vaidade atesta,
máscara apenas seus ossos a cobrir.
Mas quanto a mim, por trás de minhas feições,
existe um rosto que ao material transcende,
um rosto antigo que em nada nos ofende,
sobre o qual não se percebem mutações,
em que cristal reluz feito diamante,
face perene sob a face do inconstante.
ENCANTADOR DE SERPENTES IV
assim em nada me concerne essa mudança
que rasga o vento no rosto qual anzol,
que as faces queima pelo rigor do sol,
mas me conservo num vezo de esperança.
Mas nem em todos sua expressão é mansa:
muito mais fisgam as culpas qual farol,
a revelar-lhe labirintino caracol
e as próprias almas enrugam nessa dança,
bem ao contrário do conto de Oscar Wilde, (*)
somente o rosto é que reflete essa maldade,
enquanto a alma finge ser ainda pura,
na sinecura de uma função humilde,
mas do semblante se esvai vitalidade
e a alma herda cada traço dessa agrura.
(*) O Retrato de Dorian Grey
COMPOSTO I – 25 outubro 2019
Pois quem diria que, passados anos,
Sobre mim o mau olhado seguiria,
Sempre esfazendo, em inversa teogonia,
Os laivos de esperança dos enganos...
Mostram ato peristáltico os humanos,
Falsos ideais suas ilusões, a teologia
Da produção das fezes; a ironia
De sermos tão eficientes quanto insanos.
Somos máquinas copróferas, nada mais;
E ao percebermos que alguém produz magia,
Precisaremos de esterco recobri-lo...
Nesse perpétuo e infalível produzir, jamais
Deixando margem à pura nostalgia
De quem o mundo quis só de amor cobri-lo.
COMPOSTO II
Nada de estranho. Só
nasce cada flor
Quando o adubo lhe traz a nutrição;
Não é frequente ter o solo a encantação
Necessária para cada semeador...
Considerando como é forte esse pendor
De “orgânica” gabar sua plantação
Contra os nitratos, só resta a conclusão
De algum esterco a conferir seu esplendor...
Se recomenda, mas raro é o biodigestor,
De que as fezes, por força do calor,
Fornecerão do gás metano a energia;
Enquanto os restos de alimento vão se pôr
No recipiente em que se faz composto,
Que apodrecido, trará à horta melhor gosto.
COMPOSTO III
Do mesmo modo, da inteira humanidade
Só raramente irá brotar alguém genial,
Algum cientista com talento natural,
Que abre caminho de maior fertilidade
E distribui-nos esse dom de raridade
Na forma de um composto material;
Ou algum artista de talento individual
Que se dedique a embelezar casa ou cidade.
A maioria, porém, nos
serve apenas
Para a ciência e a arte consumir,
Mais que composto, são biodigestores,
Nos quais a inveja provoca feias cenas
E se dedicam aos melhores denegrir
Com o férvido adubo dos rancores!
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