A PARLANÇA DO POEMA I –
25 MAR 20
Uma coisa é a linguagem
dos poemas
e bem diversa a da
realidade:
cortam-se erres e esses
sem piedade
e a concordância sofre
duras penas!
Essa gíria popular que
até condenas
natural soa em sua
vulgaridade
e é bem fácil degradar-se
a qualidade
no quotidiano das
diárias cenas...
pois se tentarmos falar
com mais cuidado
é bem possível não
sermos entendidos:
dizem que a gente “não
fala declarado”!...
porém nos versos tom
melhor será buscado,
mesmo em quadrinhas
populares atendidos
os troncos básicos do
idioma mutilado...
A PARLANÇA DO POEMA II
Mas nem por isso
falarei mais “empolado”,
uso as palavras que me
vêm à mente,
para a rima chega
alguma que é infrequente,
mas só por isso espero
ser perdoado;
que não seja o meu
denodo condenado,
ao dicionário não vou
buscar contente
qualquer termo
desconhecido pela gente,
só por grafias será o
livro consultado,
mas certas vezes uma
palavra chora,
tendo saudade do mundo
exterior,
no qual já mais ninguém
lhe dá favor,
todo esquecido o seu
valor de outrora,
quando a empregavam rei
e camponês:
no verso a abraço
apenas desta vez...
A PARLANÇA DO POEMA III
Algumas vezes coloco um
asterisco
bem no final do verso,
a explicar
significado a pretender
comunicar,
para a leitura é claro
que me arrisco,
mas geralmente é um
termo que confisco
do científico ou
biológico falar
e me recuso
inteiramente a interpolar
o significado das
palavras desse disco,
que seja claro isto que
digo eu julgo,
que não habito em torre
de marfim,
nem coisa esdrúxula na
poesia divulgo,
embora empregue certa
vez uma parlança,
em que devia fazer
certa mudança,
mas dou de ombros... e
deixo mesmo assim!
ENCAIXE I – 26 mar 2020
Deito a teu lado e a palavra de carinho
sai de tua boca para encher-me o ouvido;
mal posso acreditar que sou querido,
após o meu viver triste e mesquinho.
Sei bem que amor é fato comezinho,
porém o meu vivia só no olvido:
depois de ser por abandono perseguido,
temia o fado ter de estar sozinho...
Mas de repente, teus olhos me alcançaram,
depois de tanto terem-me evitado,
belos e agudos a penetrar nos meus...
e meus ouvidos os sons teus abençoaram,
morta a tristeza por que fôra antes magoado
e os meus se perdem agora só nos teus...
ENCAIXE II
De repetir-se há em tudo redundância:
por tolice qualquer eu me escondi,
ao receber certo rancor de ti,
sem me atrever a enfrentar a circunstância
de meu martírio, perdido nessa instância,
depois que te busquei e não te vi,
ausente estavas, mesmo estando ali,
somente o afastamento em tua constância...
Foi então que em outros amores me perdi,
em alguns deles mostrei-me até fiel
e nesses incertos olhares me acolhi,
mas de teus beijos nunca me esqueci,
em lábios outros degustando fel,
igual fantasma de mim mesmo assim vivi.
ENCAIXE III
Em ti busquei o meu amor de sol,
a contentar-me com pálidas estrelas;
seus raios cintilavam e eram belas,
porém distante encontrei seu arrebol.
Por mais que me acendessem seu farol
e me deixassem alçar-me em suas estelas,
era incompleto o amor de tais donzelas
e me sentia derretido num crisol...
só aguardava por ti meu coração,
meu corpo apenas em irrequieto ardor,
enquanto a alma ia além da atmosfera,
em Vênus pura encontrando só ilusão,
em Betelgeuse a frigidez do amor,
a mente toda confrangida nessa espera...
ENCAIXE IV -- 26/3/2006
Depois de década e mais de lenta espera
em que minha própria incúria me afastava
e a quanto mais queria, me negava,
toquei de leve a sombra da quimera...
Depois de década nessa alheia esfera,
em que cada circunstância denegava,
sorriu-se o fado e os nós nos desatava,
completando esse enlaçar que mais
quisera...
No aquecimento lento dos abraços,
teus olhos sobre os meus, teus olhos baços,
quase apagados, mornos de lixívia...
Na singular magia dos teus traços,
antes comuns e agora, nos meus braços,
transfiguradas jóias de lascívia!...
SINGULARIDADE I – 27
mar 2020
Há sempre sorte como
fração de amor,
Mas nunca amor que não
nos traga sorte,
Pequeno e sem fragor
em flébil porte,
Mas só existe quando é
duplo o seu ardor.
Se não recíproco, é
desejo sem valor,
Para outrem lançado
sem reporte,
Amor brejeiro em um
singelo esporte
Brandido contra nós
sem destemor.
Quando a mulher se
sente desejada
Mas tenha apenas
aceitação mental,
A sua vaidade num
afago material
E até amiga, em
condescendência alada,
Seu orgulho exultante
nessa hora,
Na avaliação de quanto
nos devora...
SINGULARIDADE II
Cunhou-se o termo
“singularidade”
Para indicar o que
ocorre uma só vez;
Beijos gozados com
desfaçatez
Não se enquadram nessa
mística verdade.
Os beijos que se busca
são vaidade,
São beijos-cópia que
em teus lábios vês
Só um beijo que em
mútuo amor lhes dês
Será um beijo de total
veracidade.
Reconheço de amores grande variedade,
Uns sendo simples,
outros complicados,
Amores há que só
querem ser trocados
Por segurança mais do
que felicidade;
E nesta intenção são
mesmo puros,
Mas na saliva se
percebem tons escuros...
SINGULARIDADE III
E a singular imagem do
Universo
Só a teu amor poderá
ser comparada,
Quando surgiu em mim
na deslumbrada
E deslumbrante invasão
de meu anverso.
Uma só vez, apenas,
sem existir reverso,
Não são amores, mas
união desamparada
E igual desamparante e
acarinhada,
Toda impossível de registrar-se
em verso...
Não obstante, muito
além da vacuidade
Desses amores mais
pequenos de minha vida,
Que em meus versos
descrevi intermitentes,
Só esse mágico amor
sem veleidade,
Quando a alma nos quer
por nós querida,
E atroz nos arde em
seus vigores permanentes ...
FOTOSSÍNTESE I – 28 MAR 2020
a luz do sol na flor Encarcerada,
em arco-íris se transforma como um Leque;
somente quando a flor emurche e Seque,
vai sendo essa centelha Libertada...
de puro verde a clorofila Deslumbrada
por cada folha no galhado Deque,
esta se lança ao sol antes que Peque
todo o vigor pela ampla terra Descuidada...
a luz do sol se espalha sem Limites,
para onde a maioria se Irradia?
só uma fração sobre a terra Pousaria,
por mais que a rede de clorofila Agites
e tanto mais se espalha sobre as Rochas,
sem da vida ali acender humildes Tochas!
FOTOSSÍNTESE II
a luz do sol em vastidão Alada
se espalha sobre o mar e tudo Aquece;
por sobre as algas igualmente Desce,
cianofícias ou de cor mais Variegada.
sem essa luz do sol toda Gelada
seria a superfície que se Mece;
de uma outra fotossíntese Padece,
cada corrente marinha assim Gerada...
e ao mesmo tempo os ventos Origina,
enquanto a terra volteia Permanente,
por ser preciso que um hemisfério Esquente,
enquanto o outro para o frio se Inclina;
se assim não fora, a vida Conhecida
em parte alguma seria Introduzida.
FOTOSSÍNTESE III
e desce a alma do sol nos Alimentos,
que “toda a carne é erva”, Realmente;
a fotossíntese em todo ser se faz Presente,
transfere a alma aos animais Sedentos.
uma outra fotossíntese em seus Alentos
se realiza, que a erva em carne se
Apresente,
nessa cadeia o próprio sangue se Apascente,
anéis carnais em seus progressos Lentos...
e assim vem para nós, que os Devoramos,
porque aprendemos como tudo Aproveitar,
filhos e herdeiros nos tornamos desse Sol;
para mim chega em solstícios mais Arcanos:
essa torrente irei de novo Alimentar,
em meus versos de esmeralda qual Farol.
FOTOSSÍNTESE IV – (28/3/2004)
dos alimentos a alma Aprisionada
se evola em redolências do meu Ser
e a energia por outros Dissipada
transformo em verso e música e Poder.
da luz do sol toda a memória Alçada,
lingotes minerais cada raiz a Desprender,
caleidoscópio branco em meu Prazer,
em madrigais a clorofila é Requentada...
derramo assim meu sêmen sem Malícia
sobre as páginas brancas, Versejando,
nos pentagramas os textos Fecundando,
em canções gaseificadas de Letícia,
demarcando meus limites, sem Tristeza,
com fotossíntese sutil que em mim Viceja...
permanência
1 – 29 março 2020
sei
de um poeta que passou sua vida
reescrevendo
um só livro que compôs:
folhas
de relva em seus papéis dispôs
e
a nada mais criou nem deu guarida.
que
coisa estranha essa aridez contida,
tão
convicta de si que só repôs
sua
pena no papel em correção; depôs
um
risco aqui ou inclusão ali ferida.
mas
eu jamais poderia agir assim!
detesto
a própria ideia de riscar,
tão
só rascunhos eu busco aperfeiçoar.
e
me percebo a meditar assim,
que
algo precisa se mudar, porém
minha
própria vida eu riscarei também.
permanência
2
muito
lamento esse poeta antigo,
que
de algum modo alcançou acolhimento,
em
quarenta edições fez o portento
de
sempre algo exumar de seu jazigo...
um
só cadáver a conduzir consigo,
desenterrado
após seu passamento,
a
mortalha a rebordar a seu contento,
de
qualquer ressurreição tendo perigo...
ele
evitava as regras, certamente
e
as suas construções desencontradas
eram
louvadas como sendo originais.
porém
comigo transporto mais dolente,
de
múmias multidões acabrunhadas,
cujas
faixas desnudar não quero mais.
permanência
3
mil
mortos-vivos pelo mundo já enviei,
são
mortos todos em túmulos de versos,
são
vivos todos por teu olhar conversos:
para
teu cérebro devorar nunca mandei...
do
meu saíram, em que fendas perfurei,
meus
neurônios e axônios são dispersos,
mas
em cada gestalt são diversos,
têm
ideias próprias que eu só manipulei...
então
não vejo algum porquê de revisar,
embora
aos poucos os vá desenterrar,
das
tumbas a alavancar lápides roucas...
nas
catacumbas porém estando a perfilhar,
consigo
trazem multidão de crias loucas,
que
tua paciência se põem a experimentar...
permanência
4
em
sendo crias, igualmente são crianças,
mas
esquecidos foram já seus genitores,
alguns
dos quais comportaram esplendores,
outros
mais simples que facilmente alcanças
reconhecer;
mas sei somente em tais andanças
que
quanto mais exponho seus verdores,
tanto
mais de meu sentir cobram amores
e
me desgasto em tal girândola de danças...
não
sobra tempo realmente às revisões
e
os entrego, sem defesa, às multidões,
que
os poderão esfolar ou dar-lhes mantos,
e
assim expõem para ti suas mutações,
querendo
as fibras arrancar dos corações,
liras
forjando para as teclas de seus cantos.
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