RESÍDUOS
I – 20 MAR 20
A ILUSTRAÇÃO FOI IDENTIFICADA COMO BARBARA STANWYCK
Encontro
breve a marcar o travesseiro,
já
esgotada a garrafa desse vinho,
amarfanhados
lençóis em triste ninho,
sem
mais carinho de um dom alvissareiro,
qualquer
palavra a surgir, tola, primeiro,
uma
resposta em tom mais escarninho,
voo
mais rápido que inicia um passarinho:
como
era frágil o que se tinha por certeiro!
Só
o que restou do amor dito profundo
são
três pequenos rebotalhos de mau tom,
ao
se apartar o sentimento aventureiro:
restos
de vinho do cálice no fundo,
uma
só mancha solitária de batom
e
apenas cinzas em lamento no cinzeiro...
RESÍDUOS
II
Fiquei
ali a pensar, sem entender
de
que maneira ocorrera a dissensão,
o
que fizera tal palavreado vão,
o
que fazer para tais cacos recolher...
a
porta ouvi, com estrépito, bater,
sem
compreender a real conotação,
do
banheiro em que retocar-se vão
os
vestígios do amor a se esconder...
ainda
esperava que se viesse despedir,
com
um beijo talvez... e pediria
perdão
por qualquer coisa que ousaria,
mas
só escutei os passos a fugir
e
quando a outra porta igual bateu,
em
salto lépido meu coração estremeceu...
RESÍDUOS
III
Em
vão aproximei-me da janela,
seu
carro vi depressa se afastando,
fora
decerto grande o meu desmando:
é
tão difícil compreender-se uma donzela!
Ao
celular busquei ligar-me a ela,
mas
só foram tilintares dispersando,
no
seu caminho firme ia trilhando,
sem
de sua bolsa desapertar fivela...
E
dói assim... Os dias se passaram
e
nunca mais veio para atender meu toque,
contudo
o cálice nunca quis lavar,
os
resíduos no cinzeiro desmancharam
e
a garrafa guardei em longo enfoque,
tão
só o amor não consegui guardar...
RESTOS DE ONTEM I –
21 MAR 20
Existem esses que em
fotos capturam
paisagens e pessoas
irreais,
guardados para sempre
mortos ais,
nos permanentes
duplos que seguram...
também existem
aqueles que procuram
dos mortos os gemidos
imortais,
que se gravaram de
danças e jograis,
nesses cadáveres de
sons que nos perduram.
Eu apenas escuto e
sinto e vejo,
em nada busco, os
sons é que me vêm,
sussurrados às
orelhas, multiformes...
E me limito a
garranchar, disformes,
novos fantasmas em
diário ensejo,
sem confessar o que
de fato as linhas têm.
RESTOS DE ONTEM II
Fico a pensar até que
ponto é um benefício
para um cantor a sua
voz já falecida
ser conservada para
por tantos ser ouvida,
ao seu repouso talvez
causando um malefício?
Vive essa gente que
em voluntário ofício.
no cinema ou em ópera
envolvida,
tanta imagem de seu
corpo já exaurida,
talvez dos pósteros a
estimular um vício...
Mas está certo, foram
então profissionais
e saberiam se em algum
risco assim incorrem,
ao aceitarem do
imortal um arremedo.
Então eu penso é em
gentes mais normais,
gravados seus
semblantes quando morrem,
que outros contemplam
sem respeito ou medo.
RESTOS DE ONTEM III
Hoje há mania de se
brandir um celular,
que tudo grava e tudo
fotografa,
as imagens a reunir
em vasta estafa,
as vozes todas
igualmente a se copiar...
Para depois irem nas
redes espalhar,
a exposição todo o
pudor dali abafa,
sempre possível
má-intenção que grafa,
colando a imagem com
outra a misturar!
E tudo isso a ser
lançado pelo ar,
percorre a terra e as
praias de ultramar,
sabe-se lá o que lhe
pode acontecer...
se essa imagem se irá
algures deformar
e após a morte,
malfazeja se tornar,
mil fragmentos dessa
alma a desfazer...
NUVENS
SALGADAS I – 22 MAR 20
NÃO
É QUE NAO ENTENDA, POIS SEI BEM
QUE
MAIS QUE A ÁGUA PESA O SAL MARINHO,
UM
TRAVESSEIRO A DAR A CADA ANJINHO
ESSE
VAPOR QUE NOS ARES SE SUSTÉM!
MAS
FAZ-SE EM GELO ESSE VAPOR TAMBÉM
E
CAI DEPRESSA, SEM NADA DE MANSINHO,
DAS
CLARABÓIAS A QUEBRAR CADA VIDRINHO,
TOLDOS
DE LONA PERFURA QUANDO VEM!...
TAMBÉM
ENTENDO QUE SEJA A GRAVIDADE,
INFLUÊNCIA
SOFRE DA TEMPERATURA,
MAS
CHEIRO DE SAL TER DEVIA, ME PARECE!
HÁ
IMPUREZAS PELOS ARES, NA VERDADE
E
LONGA ESPERA LÁ NO ALTO DURA,
NÃO
É ÁGUA PURA ESSE VAPOR QUE ENTÃO SE AQUECE!
NUVENS
SALGADAS II
POR
ALGUM TEMPO SE FALOU EM ÁCIDA CHUVA,
CAUSADA
ACIMA PELA DEGRADAÇÃO
DESSES
PRODUTOS DE HUMANA COMBUSTÃO,
A
ATMOSFERA TORNANDO MAIS ESCURA...
EM
MINHA ÁREA SE ADEQUANDO COMO LUVA,
ABERTAS
TEMOS MINAS DE CARVÃO
E
DAS CIDADES SE ERGUE A POLUIÇÃO,
AOS
CÉUS ERGUENDO SUA NEGRA PRECE IMPURA.
E
NESSA COBERTURA HÁ GRÃOS DE SAL,
MAIS
DO QUE ÁCIDA, DEVIA SER SALGADA
A
NUVEM BRANCA QUE NO AR FLUTUA,
PORQUE
O SAL TAMBÉM É BRANCO NO TOTAL,
POR
QUE A NUVEM NÃO SERIA AMARGURADA
E
SOBRE A TERRA DERRAMAR LÁGRIMA NUA?
NUVENS
SALGADAS III
SE
POR ACASO NEGRA A NUVEM SE APRESENTA,
TEM
MAIS DIVERSA A SUA COMPOSIÇÃO,
ENCONTRARAM
UM POTEZINHO BEM À MÃO
E
DERRAMARAM PARA O CÉU PIMENTA!
E
SE AMARELO SOBRE A NUVEM JÁ SE ASSENTA,
É
QUE MOSTARDA ESPALHARAM SEM NOÇÃO,
IGUAL
CACHORRO-QUENTE EM OCASIÃO,
DEIXANDO
A TOGA DO ANJINHO AMARELENTA!
PASSOU
DA MODA FALAR DESTA POLUIÇÃO,
VÊM
DA AMAZÔNIA A RECLAMAR FUMAÇA,
SEM
RECORDAR QUEM NOS POLUI O MAR!...
OS
RESPONSÁVEIS SE EXIMINDO DE ANTEMÃO,
MESMO
QUE O ANJINHO ATÉ ACHE MUITA GRAÇA
NAS
ESPIRAIS QUE VÊM SUA CAMA REFORÇAR!...
CONGREGAÇÃO
I - Wm. Lagos, 21 OUT 03
Se
duvidas de Deus, contempla as flores:
Elas
existem, belas e concretas.
Não
precisam de ti, pois são completas,
Nem
compartilham tuas fomes, teus temores.
Se
duvidas de Deus, contempla as flores:
Elas
existem, meigas e perfeitas,
Mas
não escutam tuas preces contrafeitas
Nem
se comovem ao peso de tuas dores.
Elas
existem, em plena natureza,
Perfumam
teu olfato, com certeza
Agradam
teu olhar e até murmuram
Ao
farfalhar do vento; e, para ti,
No
pensamento e coração perduram.
Elas
existem... mas vivem para si.
CONGREGAÇÃO
II – 23 MAR 20
É
realmente tola essa ilusão
De
que o mundo seja feito para ti;
Por
todo o longo tempo que vivi
Nunca
disso encontrei comprovação.
O
mundo é natural em sua missão
De
preservar a si mesmo, como vi;
Tais
ilusões muito cedo já perdi.
De
meus colegas a sofrer perseguição.
Ora
se o humano por mim não se interesse,
Salvo
como objeto de escárnio e de ciúme,
Por
que por mim desabrochariam flores?
Portanto
a Flora não dirigirei minha prece,
Nem
contra Fauna demonstro um azedume,
Pois
se a mim sequer pertencem meus amores!...
CONGREGAÇÃO
III – 23 MAR 20
Desde
o berço se forma essa ilusão:
Quando
choravas, logo te atendiam,
Teu
alimento e teu cuidado forneciam
Esses
gigantes de intensa proteção,
Que
te davam constante a sua atenção
E
que o mundo era teu todos mentiam,
Talvez
sem pretender, porém faziam,
Até
nascer após de ti um novo irmão.
Essa
ilusão do Servo Onipotente
É
dentre as urdefesas, primordial,
Em
orações a se chamar “Papai do Céu”,
Mas
o Papai Noel surgiu então inconveniente
E ao
descobrires ser falso esse fanal,
À
própria imagem de Deus recobre um véu.
CONGREGAÇÃO
IV – 23 MAR 20
Deus
não é gênio da lâmpada de Aladdim;
“Abre-te
Sésamo” não escancara porta,
Se
acendes velas, isso pouco importa,
Pior
ainda para um santo de marfim...
E
nem as flores erguem prece assim,
Apenas
vivem sua vida, que conforta
A
luz do Sol e essa água que comporta
Seu
caule fino e sua raiz enfim...
E a
Natureza toda, de tal modo,
Maior
que seja a sua perfeição,
Deves
olhar com a devida apreciação
E só
a Deus agradecer por esse nodo
Que
desde o berço te uniu à Criação,
Sem
precisares suplicar pelo teu pão.
BOATO
I -- 24/3/2006
Perdemos
um amigo... Segundo me contaram
Trazia
no pescoço medalhas; sobre o peito
Imagens
de outros santos, de servos sem defeito
Do
Pai e Criador, que tanto suportaram,
Para
manter a fé e em busca da verdade.
Sofreu
igual que nós, quem mede o sofrimento?
Quem
sonda as emoções, quem lê o pensamento
Daquele
que perece? É horror? Tranquilidade?
Nos
momentos finais, quando a morte vê de perto
Assistiu
impotente, como qualquer que seja
Que
a enfrenta inesperada, em tal lugar deserto...
Quem
sabe o que perpassa nos corações secretos!
Buscando
a proteção dos santos e da igreja,
Morreu
qual Faraó... tapado de amuletos!...
BOATO
II – 24 mar 20
Pois
quanta gente há que no pescoço um “breve”
Bem
pendurado traz, por segurança,
Em
trevo raro depõe a sua confiança,
Ou a
patinha de coelho até se atreve
A carregar...
tal pêlo morto cor de neve!
Se
ao primeiro possuidor não deu bonança,
Por
que a eles a traria sem tardança?
Que
diferença faz se a pata leve?
Que
diferença faz qualquer medalha
Ou
anel ou colar glorificado
Ou
mesmo a cruz desse Crucificado,
Se o
portador leva uma vida de canalha,
No
coração tanto mal guarda secreto,
Enquanto
ao mundo expõe tal amuleto?
BOATO
III – 24 mar 20
Nunca
confiança em tais coisas demonstrei
E
nem sequer de casamento uso aliança
É
dentro dalma que se traz confiança:
Fidelidade
só na mão não mostrarei.
Se
realmente assim morreu não sei
Quem
mencionei... O boato que me alcança
É de
ter-se suicidado quando lança
Seu
automóvel de uma ponte. Que direi?
Não
quero condenar meu pobre amigo,
Mas
se a vida lhe estava assim pesada
E se
afirmava ser bom Católico-Romano,
Na
confissão encontraria o seu abrigo,
Qualquer
que fosse a culpa acumulada,
Sem
precisar a seu corpo causar dano!
BOATO
IV – 24 mar 20
Ainda
acresce ter sido um sacerdote
O
irmão seu. Sei que se davam bem
E
certamente o absolveria também,
Antes
da hóstia do divino convescote.
Mas
para que tantos santos em rebote,
Se
condenavam o suicida e além,
Nem
sepultura consagrada antiga tem
Quem
de sua vida recusara o dote...
Sei
bem que as coisas mudaram hoje em dia
E
alguma bênção a igreja permitia,
Pois
sepultado ele foi no cemitério...
Quiçá
dos santos o cordel murmuraria
Ao
ouvido do padre, uma bênção que podia
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