domingo, 6 de dezembro de 2020





PERSISTÊNCIA




 

                                                         NATASHA VISSOVA

 

PERSISTÊNCIA I – 17 DEZ 2019

 

Não é uma mulher nua: é só o reflexo

da luz solar que a carne inteira aquece;

não vemos coisa alguma: só o amplexo

do raio cósmico que sobre a pele desce.

 

Meu coração tem diferente nexo

dessa razão que a controlar não cesse;

só ali percebe a mágica do sexo

que em dever biológico floresce,

contrdição que ali se estabelece:

em certo ponto da praia essa modelo

expôs ao mundo seu corpo majestoso.

 

Mas tal fotografia, igual que a prece,

pertence apenas ao tempo de contê-lo

em temporário reflexo sinuoso...

 

PERSISTÊNCIA II

 

Já há milênios que o frágil corpo humano

se busca perpetuar em escultura:

que não se perca a humilde milagrura,

feita diversa ao perpassar de um ano...

 

Entre os antigos um imperfeito arcano,

sem dominarem a cinzelada pura:

não é mulher, mas deusa essa figura,

a fértil Astarteia em sumeriano...

já os helenos o padrão determinaram

do que deva ser a humana perfeição,

só atribuída aos deuses na ocasião.

 

Mas certamente corpo carnal copiaram,

Praxíteles e Apelles só mostrando

A juventude que ao redor acharam...

 

PERSISTÊNCIA III

 

E tal modelo foi mil vezes repetido,

mais em pintura de breve execução

que em escultura de longa duração,

nessa nudez feminina persistido.

 

Antes que a vida tivesse consumido

o transitório feminino em perdição,

que tão breve velhice e dor o seguirão

e tanto corpo assim foi exibido,

enquanto era possível se exibir...

Que ninguém venha criticar essa nudez,

que é o ventre da terra ali contido.

 

Que é o ventre da raça a refulgir,

esse reflexo da luz que um dia se fez,

seu corpo belo pela tumba consumido...

 

VISÕES CEGAS I – 18 dez 2019

 

Querem que olhes nos olhos dos famintos

e te vejas a ti mesmo num espelho,

que te sintas sob os golpes desse relho

que os outros lanha usando seus distintos

 

    golpes ferozes sob os grossos cintos

    dos arcanjos do mal, no mesmo velho

    azorrague da vida e sobre o joelho

    de cruel entidade, que dos quintos

 

        do inferno nos domina.  Mas não creio.

        Nem sequer esse rosto refletido

        na polidez supérflua sei ser eu.

 

            Na verdade, és para mim o forte esteio

            ao qual se amarra o mundo percebido

            e não duvido que o Universo seja teu.

 

VISÕES CEGAS II

 

Sempre gostei dos ombros femininos,

talvez mais que de partes mais buscadas...

Há carinhos nessas costas encantadas,

que se projetam, curvas como em sinos...

 

    Talvez mesmo, se as tocasse, badalassem

    e me tangessem música dolente,

    baralhando meu passado e meu presente

    e meus ouvidos mais rápido alcançassem...

 

        Se vejo os ombros expostos, mais que pernas

        ou que coxas me atraem, são berloques

        de ébano ou marfim, mas sempre delas,

 

            que me inspiram assim trovas eternas

            e me pendem dos olhos, mil enfoques,

            essas colinas que emolduram faces belas...

 

VISÕES CEGAS III

 

Minhas mudanças são lentas, meus desvelos

custam a se firmar.   Quiçá melhor mostrasse...

Medito longamente, antes que abrace

a nova ponta dos sutis novelos...

 

    Pois talvez ainda me tragam pesadelos,

    bem mais que o sonho que talvez se achasse

    na ponta de meus dedos.   Que me amasse,

    qual amo o sonho perdido nestes zelos...

 

        E, enquanto me demoro a comungar

        comigo mesmo, vivendo a sós comigo

        os sentimentos que me têm marcado,

 

            os sonhos voam em seu revolutear

            e, com a ponta de meus dedos, não consigo

            mais abrir esse novelo tão guardado...

 

 

LUZ EM REFLEXO  I – 19 dez 19

 

Nada se vê no mundo salvo a luz

que em toda superfície se reflete,

nem a nós mesmos, por mais que se complete

o vaivém que do olhar às mãos conduz;

no momento em que o escuro se produz,

não há mais nada que a vista nos afete,

não se abre a escuridão a canivete

qual um furúnculo que supure pus...

 

As coisas ali estão, mas não se veem:

vemos o sol quando ao ar livre estamos,

esse  é o segredo da fotografia;

com magnésio luz maior se tem,

mas é à luz dessa explosão que nos mostramos,

sem sua presença nem contorno se veria...

 

LUZ EM REFLEXO  II

 

Talvez víssemos pelo tato,  tão somente,

apalpando as superfícies com perigo;

talvez com a audição menor castigo,

nos protegesse de ferida assim frequente;

por igual, a luz elétrica é ingente,

ao seu reflexo percebo que és comigo,

de novo a mão contemplo e mal consigo

imaginar que sem a luz seria ausente...

 

Filhos do sol, então, todos seremos,

sem sua presença um bando de fantasmas,

só revelados pela luz artificial

e igual que flores, todos perecemos,

sem essa luz de meigos cataplasmas

que nos protege assim de todo o mal.

 

LUZ EM REFLEXO  III

 

Não admira que os antigos adorassem

o sol que brilha como um deus supremo,

seu conhecimento teológico pequeno

e ao demiurgo o sol sincretizassem;

gerações houve que as mulheres afastassem

da luz solar, tal qual fosse veneno

para sua pele clara – só um aceno

se permitiam das janelas que assomassem.

 

Porém Coco Chanel quis o contrário

e hoje se busca um bronzear atrabiliário

que expõe os seios a raios cancerosos...

E eu... só desejava ser  da luz senhor,

que a conservasse para o meu pendor,

para esparzi-la nos dias tenebrosos...

 

LUZ EM REFLEXO  IV

 

E em busca de mais sol, exponho a pele

e os fios de luz me cobrem como rede.

Num rodopiar, que muito esforço pede,

tento enrolar em mim a luz que vele...

Mas que essa luz tão mansa se rebele

é incompreensível.   É luz que não se mede,

não se afasta, não dobra, em nada cede

e, contudo, todo esforço assim repele

 

de conseguir fixá-la...  E nem escorre

e nem murmura ao ouvido como a brisa...

É intangível a luz que me ilumina.

Que sobre mim luz inesgotável jorre!

Tão ardente, feroz, porém tão lisa

quanto é volátil a luz da própria sina...

 

guardião das chaves i – 20 dez 19

 

a chave rasga o bolso e o bolso a chave

embolsa em discutível segurança;

cada chave representa uma esperança,

cada bolso sepultura que se cave;

 

para o chaveiro o bolso é escura nave,

para o bolso o chaveiro é desgastança;

a nave busca o jogo da bonança,

no tempestuoso desgaste foge a clave;

 

retomo as chaves que o destino alcança:

são portais para abrir novas janelas,

mas guardadas no bolso nada abrem...

 

por isso as chaves, nessa fricção mansa,

vão desgastando o bolso como velas,

buscando a fuga antes que os dedos flagrem.

 

guardião das chaves iI

 

guardar a chave do destino não consigo,

em vão a busco junto às coxas embolsar,

sempre ela encontra um jeito de rasgar

o mais forte dos bolsos em que a abrigo.

 

Assim a chave quE roubei não está comigo,

Junto das pernas pôs-se a escorregar,

Transpôs as meias para cavalgar

Os meus sapatos, em ato que maldigo!...

 

Pois de repente, eu vejo seu reflexo

E então me curvo na busca de a apanhar:

Entre meus dedos solta gargalhada,

 

As unhas cravo no mais firme amplexo,

Gélido frio metálico a apalpar

E então me escapa, caindo na calçada!...

 

guardião das chaves iII

 

Pois empós vai de seu real guardião,

De cujo molho imenso ela caÍA;

Entre os cadeados não mais persistia,

Foi pendurar-se no meu coração!

 

Por breve instante ancorei uma ilusão

De que esse cofre que EM meu sonho viA

Com ela abrisse, a ver se mudaria

Qualquer malfeito ali contido de antemão.

 

Mas é igual à cornucópia da abundância

Ou à pedra filosofal de um alquimista,

Sonho e paixão fundidos em ganância...

 

E la do alto forte garra se estendeu,

Pela calçada perseguiu-lhe a pista,

Voltando a chave ao lugar que pertenceu...

 

PEDERNEIRAS   I  --  21 DEZEMBRO 2019

O suor de teu peito, entre teus seios

desperta um esplendor dentro da mente:

a lástima da espera indiferente,

a ânsia de mover-me entre teus veios.

A vida se resume em tais esteios,

onde começa a vida, incontinenti,

na força desse leito onisciente

que a vida me mantém por outros meios. 

Quero lamber o suor que assim verteste

sobre a alvura da pele, mais que leite,

porque há muito já deixei de ser criança.

Mas ao beber o suor que assim me deste,

é como se me desses, nesse azeite,

a vida mesma feita de esperança...

 

PEDERNEIRAS II

Em alguns versos redigi meu testamento,

qual faziam os japoneses no passado,

tudo contendo que me havia atormentado,

o teu suor a me servir de linimento...

e nesse alforje em que guardo o sentimento

fui buscar, em movimento compassado,

a pederneira que ali dentro havia guardado,

mais sua isca de metálico urdimento.

E uma chama fiz brotar, caleidescente,

de início flébil, depois mais vigorosa,

e a levei às cercanias do papel,

que iluminou-se de fulgor iridescente,

em matrimônio com a chama cobiçosa,

até evolar-se como cinzas de ouropel...

 

PEDERNEIRAS III

Neste papel em frangalhos vai minhalma,

como minhalma também se acha em frangalhos

ao receber de tantos golpes malhos,

mas resistindo ainda em plena calma.

Mas são ruínas difíceis que escolhi...

Como é difícil a vida que me deram,

mas minha é a culpa se tanto me escolheram:

sou responsável por tudo o que sofri.

Mas se permito que me façam doravante

o que fizeram antes, sou profeta;

se me enganaram uma vez, eu fui gentil;

se me enrolaram duas vezes, tolerante,

mas se zombaram três vezes, sou pateta,

porque não passo de um covarde vil.

 

BOÊMIO (para Adhemar J. Barros) -- 22 fev 10

 

Quando chego em meu lar, às onze horas,

ou um pouco mais tarde, porque horários

não são tão fixos como os calendários

e os lá de casa adiantam minhas demoras,

 

(do mesmo modo que as taças que bebi,

quando em presença de minha senhora esposa,

metade são que os copos que a formosa

calculou que no jantar eu consumi...),

 

aberto o colarinho e minha gravata

desatada em posição mais confortável,

ela me acolhe com seu olhar contrito

 

e me diz: "que bonito!" em tom que mata...

E é por isso que consumo o vinho amável:

para que ela ainda me chame de bonito!...

 

ANGLING

 

It has been very long since I last

wrote a poem in English.  Don't know

exactly why this happened.  'Twas so

and I just kept coming into incest

 

with my mother tongue.  At best,

translated others' poems.  Then I hoe

carefully around and never bow

to the easier solutions for my guest,

 

in love by my table.  I just follow

his conversation, gestures, and talks,

but never play the servant to him.

 

That's my wont.  To swim over the shallow,

I'll never wallow, proud of my chalks,

showing the feelings that I own within.

 

ESQUECIDO, MAS FELIZ...  (8 mar 08)

 

ESQUECERAM DE MIM, É O QUE PARECE,

    OS MEUS ALUNOS DA TURMA DE INGLÊS UM.

        SÓ ASSIM ME LIBERO DO FARTUM

            E DEIXO PARA TRÁS A QUEM ME ESQUECE.

 

            QUE ESQUECER É UM VÍCIO QUE PADECE

        QUEM POR MIM JÁ NÃO SENTE BEM ALGUM.

    NÃO FICAREI SOZINHO, SE NENHUM

SE APRESENTAR.  E CHEGO A FAZER PRECE

 

QUE NÃO LEMBREM DE MIM OU QUE ACONTEÇA

    NESTA NOITE DE CALOR, ATIVIDADE

        QUE A TURMA TODA AFASTE HOJE DE MIM...

 

        ESPERAREI SÓ O TEMPO QUE ME CRESÇA

    NO CORAÇÃO MENSAGEM SEM SAUDADE

E QUE A CASA VOLTAR CONSIGA ASSIM...

 


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