NATASHA VISSOVA
PERSISTÊNCIA I – 17 DEZ 2019
Não é uma mulher nua: é só o reflexo
da luz solar que a carne inteira aquece;
não vemos coisa alguma: só o amplexo
do raio cósmico que sobre a pele desce.
Meu coração tem diferente nexo
dessa razão que a controlar não cesse;
só ali percebe a mágica do sexo
que em dever biológico floresce,
contrdição que ali se estabelece:
em certo ponto da praia essa modelo
expôs ao mundo seu corpo majestoso.
Mas tal fotografia, igual que a prece,
pertence apenas ao tempo de contê-lo
em temporário reflexo sinuoso...
PERSISTÊNCIA II
Já há milênios que o frágil corpo humano
se busca perpetuar em escultura:
que não se perca a humilde milagrura,
feita diversa ao perpassar de um ano...
Entre os antigos um imperfeito arcano,
sem dominarem a cinzelada pura:
não é mulher, mas deusa essa figura,
a fértil Astarteia em sumeriano...
já os helenos o padrão determinaram
do que deva ser a humana perfeição,
só atribuída aos deuses na ocasião.
Mas certamente corpo carnal copiaram,
Praxíteles e Apelles só mostrando
A juventude que ao redor acharam...
PERSISTÊNCIA III
E tal modelo foi mil vezes repetido,
mais em pintura de breve execução
que em escultura de longa duração,
nessa nudez feminina persistido.
Antes que a vida tivesse consumido
o transitório feminino em perdição,
que tão breve velhice e dor o seguirão
e tanto corpo assim foi exibido,
enquanto era possível se exibir...
Que ninguém venha criticar essa nudez,
que é o ventre da terra ali contido.
Que é o ventre da raça a refulgir,
esse reflexo da luz que um dia se fez,
seu corpo belo pela tumba consumido...
VISÕES CEGAS I – 18 dez 2019
Querem que olhes nos olhos dos famintos
e te vejas a ti mesmo num espelho,
que te sintas sob os golpes desse relho
que os outros lanha usando seus distintos
golpes ferozes sob os grossos cintos
dos arcanjos do mal, no mesmo velho
azorrague da vida e sobre o joelho
de cruel entidade, que dos quintos
do inferno nos
domina. Mas não creio.
Nem sequer esse rosto
refletido
na polidez supérflua sei
ser eu.
Na verdade, és para mim o forte esteio
ao qual
se amarra o mundo percebido
e não
duvido que o Universo seja teu.
VISÕES CEGAS II
Sempre gostei dos ombros femininos,
talvez mais que de partes mais buscadas...
Há carinhos nessas costas encantadas,
que se projetam, curvas como em sinos...
Talvez mesmo, se as tocasse, badalassem
e me tangessem música dolente,
baralhando meu passado e meu presente
e meus ouvidos mais rápido alcançassem...
Se vejo os ombros
expostos, mais que pernas
ou que coxas me atraem,
são berloques
de ébano ou marfim, mas
sempre delas,
que me
inspiram assim trovas eternas
e me
pendem dos olhos, mil enfoques,
essas
colinas que emolduram faces belas...
VISÕES CEGAS III
Minhas mudanças são lentas, meus desvelos
custam a se firmar. Quiçá melhor mostrasse...
Medito longamente, antes que abrace
a nova ponta dos sutis novelos...
Pois talvez ainda me tragam pesadelos,
bem mais que o sonho que talvez se achasse
na ponta de meus dedos. Que me
amasse,
qual amo o sonho perdido nestes zelos...
E, enquanto me demoro a
comungar
comigo mesmo, vivendo a
sós comigo
os sentimentos que me têm
marcado,
os
sonhos voam em seu revolutear
e, com
a ponta de meus dedos, não consigo
mais
abrir esse novelo tão guardado...
LUZ EM REFLEXO I – 19 dez 19
Nada se vê no mundo salvo a luz
que em toda superfície se reflete,
nem a nós mesmos, por mais que se
complete
o vaivém que do olhar às mãos conduz;
no momento em que o escuro se produz,
não há mais nada que a vista nos
afete,
não se abre a escuridão a canivete
qual um furúnculo que supure pus...
As coisas ali estão, mas não se veem:
vemos o sol quando ao ar livre
estamos,
esse
é o segredo da fotografia;
com magnésio luz maior se tem,
mas é à luz dessa explosão que nos
mostramos,
sem sua presença nem contorno se
veria...
LUZ EM REFLEXO II
Talvez víssemos pelo tato, tão somente,
apalpando as superfícies com perigo;
talvez com a audição menor castigo,
nos protegesse de ferida assim
frequente;
por igual, a luz elétrica é ingente,
ao seu reflexo percebo que és comigo,
de novo a mão contemplo e mal consigo
imaginar que sem a luz seria
ausente...
Filhos do sol, então, todos seremos,
sem sua presença um bando de
fantasmas,
só revelados pela luz artificial
e igual que flores, todos perecemos,
sem essa luz de meigos cataplasmas
que nos protege assim de todo o mal.
LUZ EM REFLEXO III
Não admira que os antigos adorassem
o sol que brilha como um deus
supremo,
seu conhecimento teológico pequeno
e ao demiurgo o sol sincretizassem;
gerações houve que as mulheres
afastassem
da luz solar, tal qual fosse veneno
para sua pele clara – só um aceno
se permitiam das janelas que
assomassem.
Porém Coco Chanel quis o contrário
e hoje se busca um bronzear
atrabiliário
que expõe os seios a raios
cancerosos...
E eu... só desejava ser da luz senhor,
que a conservasse para o meu pendor,
para esparzi-la nos dias
tenebrosos...
LUZ EM REFLEXO IV
E em busca de mais sol, exponho a pele
e os fios de luz me cobrem como rede.
Num rodopiar, que muito esforço pede,
tento enrolar em mim a luz que vele...
Mas que essa luz tão mansa se rebele
é incompreensível. É luz que não se mede,
não se afasta, não dobra, em nada cede
e, contudo, todo esforço assim repele
de conseguir fixá-la... E nem escorre
e nem murmura ao ouvido como a brisa...
É intangível a luz que me ilumina.
Que sobre mim luz inesgotável jorre!
Tão ardente, feroz, porém tão lisa
quanto é volátil a luz da própria sina...
guardião
das chaves i – 20 dez 19
a
chave rasga o bolso e o bolso a chave
embolsa
em discutível segurança;
cada
chave representa uma esperança,
cada
bolso sepultura que se cave;
para o
chaveiro o bolso é escura nave,
para o
bolso o chaveiro é desgastança;
a nave
busca o jogo da bonança,
no
tempestuoso desgaste foge a clave;
retomo
as chaves que o destino alcança:
são portais
para abrir novas janelas,
mas
guardadas no bolso nada abrem...
por
isso as chaves, nessa fricção mansa,
vão desgastando
o bolso como velas,
buscando
a fuga antes que os dedos flagrem.
guardião
das chaves iI
guardar
a chave do destino não consigo,
em vão
a busco junto às coxas embolsar,
sempre
ela encontra um jeito de rasgar
o mais
forte dos bolsos em que a abrigo.
Assim
a chave quE roubei não está comigo,
Junto
das pernas pôs-se a escorregar,
Transpôs
as meias para cavalgar
Os
meus sapatos, em ato que maldigo!...
Pois
de repente, eu vejo seu reflexo
E
então me curvo na busca de a apanhar:
Entre
meus dedos solta gargalhada,
As
unhas cravo no mais firme amplexo,
Gélido
frio metálico a apalpar
E
então me escapa, caindo na calçada!...
guardião
das chaves iII
Pois
empós vai de seu real guardião,
De
cujo molho imenso ela caÍA;
Entre os
cadeados não mais persistia,
Foi
pendurar-se no meu coração!
Por
breve instante ancorei uma ilusão
De que
esse cofre que EM meu sonho viA
Com
ela abrisse, a ver se mudaria
Qualquer
malfeito ali contido de antemão.
Mas é
igual à cornucópia da abundância
Ou à
pedra filosofal de um alquimista,
Sonho
e paixão fundidos em ganância...
E la
do alto forte garra se estendeu,
Pela
calçada perseguiu-lhe a pista,
Voltando
a chave ao lugar que pertenceu...
PEDERNEIRAS I
-- 21 DEZEMBRO 2019
O suor de teu peito, entre teus seios
desperta um esplendor dentro da mente:
a lástima da espera indiferente,
a ânsia de mover-me entre teus veios.
A vida se resume em tais esteios,
onde começa a vida, incontinenti,
na força desse leito onisciente
que a vida me mantém por outros meios.
Quero lamber o suor que assim verteste
sobre a alvura da pele, mais que leite,
porque há muito já deixei de ser criança.
Mas ao beber o suor que assim me deste,
é como se me desses, nesse azeite,
a vida mesma feita de esperança...
PEDERNEIRAS II
Em alguns
versos redigi meu testamento,
qual faziam os
japoneses no passado,
tudo contendo
que me havia atormentado,
o teu suor a me
servir de linimento...
e nesse alforje
em que guardo o sentimento
fui buscar, em
movimento compassado,
a pederneira
que ali dentro havia guardado,
mais sua isca
de metálico urdimento.
E uma chama fiz
brotar, caleidescente,
de início
flébil, depois mais vigorosa,
e a levei às
cercanias do papel,
que iluminou-se
de fulgor iridescente,
em matrimônio
com a chama cobiçosa,
até evolar-se
como cinzas de ouropel...
PEDERNEIRAS III
Neste papel
em frangalhos vai minhalma,
como minhalma
também se acha em frangalhos
ao receber de
tantos golpes malhos,
mas resistindo
ainda em plena calma.
Mas são ruínas
difíceis que escolhi...
Como é difícil
a vida que me deram,
mas minha é a
culpa se tanto me escolheram:
sou responsável
por tudo o que sofri.
Mas se permito
que me façam doravante
o que fizeram
antes, sou profeta;
se me enganaram
uma vez, eu fui gentil;
se me enrolaram
duas vezes, tolerante,
mas
se zombaram três vezes, sou pateta,
porque não
passo de um covarde vil.
BOÊMIO (para Adhemar J. Barros) -- 22 fev 10
Quando chego em meu lar, às onze horas,
ou um pouco mais tarde, porque horários
não são tão fixos como os calendários
e os lá de casa adiantam minhas demoras,
(do mesmo modo que as taças que bebi,
quando em presença de minha senhora esposa,
metade são que os copos que a formosa
calculou que no jantar eu consumi...),
aberto o colarinho e minha gravata
desatada em posição mais confortável,
ela me acolhe com seu olhar contrito
e me diz: "que bonito!" em tom que mata...
E é por isso que consumo o vinho amável:
para que ela ainda me chame de bonito!...
ANGLING
It has been very long since I last
wrote a poem in English. Don't
know
exactly why this happened. 'Twas
so
and I just kept coming into incest
with my mother tongue. At best,
translated others' poems. Then I
hoe
carefully around and never bow
to the easier solutions for my guest,
in love by my table. I just follow
his conversation, gestures, and talks,
but never play the servant to him.
That's my wont. To swim over the
shallow,
I'll never wallow, proud of my chalks,
showing the feelings that I own within.
ESQUECIDO, MAS FELIZ... (8 mar 08)
ESQUECERAM DE MIM, É O QUE
PARECE,
OS MEUS ALUNOS
DA TURMA DE INGLÊS UM.
SÓ ASSIM ME LIBERO DO FARTUM
E DEIXO PARA TRÁS A QUEM ME ESQUECE.
QUE ESQUECER É UM VÍCIO QUE PADECE
QUEM POR MIM JÁ NÃO SENTE BEM ALGUM.
NÃO FICAREI
SOZINHO, SE NENHUM
SE APRESENTAR. E CHEGO A
FAZER PRECE
QUE NÃO LEMBREM DE MIM OU QUE
ACONTEÇA
NESTA NOITE DE
CALOR, ATIVIDADE
QUE A TURMA TODA AFASTE HOJE DE MIM...
ESPERAREI SÓ O TEMPO QUE ME CRESÇA
NO CORAÇÃO
MENSAGEM SEM SAUDADE
E QUE A CASA VOLTAR CONSIGA
ASSIM...
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