AMOR DE POETA I – 15 MAR 20
Os poetas sabem bem falar de amor
e com detalhes descrevem tal paixão
para quem dela tem vazio o coração,
não quando amor lhe chega em pleno ardor!
Quem ainda não gozou todo o vigor
que perpetua integral essa emoção
até se agrada dessas frases que dirão
tantos poetas de que sabe ser leitor...
porque um verso de amor é amor de Lua,
empalidece perante o amor do Sol
e cada estrela se oculta nessa luz...
e eu bem queria que este verso que insinua
verdades pálidas que na noite são farol
de fato fosse o vero amor que aqui te expus...
AMOR DE POETA II
Porém sei muito bem que verso é verso,
perante o amor verdadeiro nada é;
se um coração se enche dessa fé
qualquer esforço de um poeta é assim disperso.
Pois quando inteiro é o coração converso,
diante do altar do amor em seu sopé,
quando em sua alma amor constrói a sé,
nenhum poema é mais que seu reverso...
Toda moeda possui cara e coroa
e é na coroa que se marca o seu valor,
enquanto a cara é apenas fantasia...
e se em meus versos de amor eu canto a loa,
descrevo apenas um fantasma de palor
que igual que amor jamais te possuiria!...
AMOR DE POETA III
Não sei dos outros que o também descrevem;
eu só transcrevo meus amores do passado,
não me acho hoje realmente apaixonado,
brandos os tons que em mim deles permanecem.
E se te agradam, são as fibras que respondem
de teu próprio coração desalentado
por um amor perdido no passado
ou que em futuro teus anseios te prometem...
Porém se gozas de amor no teu presente,
que não seja um sexor quiçá transiente,
mas esse louco sentimento verdadeiro,
sinto ironia em teu semblante assente:
“Pobre poeta de seu verso enamorado,
a descrever antigo amor tão desbotado!”
DUENDES VERDES I – 16 MAR 20
Meus duendes de sorriso incompreensivel,
acocorados em esferas siderais,
apenas riem em suas horas, descarnais,
sem que a presença me chegue a ser temível;
não admira, que essa malta inexaurível
sai de dentro de mim; se surgem mais
é que se reproduzem em meu jamais
e apenas eu não sou reproduzível.
Mas sou duende também.
Trago capuz,
é verde a minha jaqueta e as botas brilham,
com suas fivelas de marfim polido;
deliberamos cada verso que seduz,
eles se achegam e, um a um, dedilham
as cordas mortas em seu som desiludido.
DUENDES VERDES II
Cada duende tange apenas uma nota,
e repetida a faz vibrar nessa escaleta;
sou eu que a faço tornar-se mais esteta,
buscando harmônicos na fivela de minha bota,
que então vibram em minhas calças de janota,
até o cinto que outra fivela afeta,
esta de bronze e a melodia completa,
em torno ao cinto a completar sua rota.
E tantas notas as palavras chamam
que em palavras quase honestas se completam,
em encaixe diatônico, melódico ou atonal
e quando ali as melodias se inflamam,
esses duendes que nelas se interceptam
tornam-se em versos de cunho mineral.
DUENDES VERDES III
Cada soneto um duende traz consigo,
bidimensionais seus membros se tornando
e na medida em que os oprimo, digitando,
imaterial mais se transforma o seu castigo,
que não sou eu que me perco em tal perigo,
sou o amo e o feitor desencadeando
essas partes de mim que vou lançando,
com pixels-lápides a construir jazigo.
E à medida em que tantos versos correm,
minhas calças verdes se tornam encarnadas,
ante o esguichar de tanta execução;
outros duendes, porém, de mim acorrem,
novas vítimas a se tornar, obstinadas,
nesses papiros de intensa combustão!...
RETRIBUIÇÃO I – 17 MAR 2020
Todo homem sente sede de um abraço
que só lhe pode conceder mulher;
alguns não o buscam por amor sequer,
só por desejo de lançar-lhe o laço...
Mas com frequência ocorre o oposto traço,
quando a mulher os envolve como quer
e em matrimônio aceitam seu mister,
outros a deixam remoendo o seu fracasso...
Mas cada um que julga que a conquista
foi de fato nesse abraço aprisionado,
salvo quem pague por ele honesto preço,
A maioria irá correr por longa pista
e só percebe que se encontra agrilhoado
nas prestações mensais de seu apreço...
RETRIBUIÇÃO II
Para os Gregos, o amor vem de Afrodite,
a ardente Vênus de lábios de carmim,
por onde espreitam dentes de marfim
bem afiados para prender a quem incite...
Seu filho Eros que no ar flutue e habite,
somente às vezes vem visitá-la assim;
menino é homem, desconfiado enfim
desses comandos que sua mãe lhe dite...
Mas qualquer homem que se julga forte,
bem falso julga a verdadeira fonte
de que um amor permanente lhe reponte.
Não é somente o seu fecundo porte,
essa Astarteia o pretende conservar
muito depois que seu abraço lhe negar!
RETRIBUIÇÃO III
Diziam os Gregos que Afrodite, a bela,
não nasceu de algum ventre ou deus algum:
provém de estranho destino e mais nenhum
poderá compartilhar de igual estrela.
Todos se encantam, só de poder vê-la;
é seu perfume transportado no simum
que sopra do deserto e qualquer um,
que o aspire, enlouquece só por tê-la...
Mas esta deusa que brotou da espuma,
não emergiu das ondas, simplesmente,
porém de substância mais vermelha:
foram bolhas de sangue, que se esfuma,
derramado por Apollo da serpente,
a grande Píton, cujo olhar espelha.
RETRIBUIÇÃO IV
E assim, toda mulher é serpentina:
com seus anéis a qualquer um envolve
que, tolamente, pensa conquistá-la,
pois é a mulher que a todos nos domina...
Com seu olhar ofídico fascina
e toda independência ela dissolve:
existem presas na boca que nos fala,
com seu abraço controla-nos a sina...
Nascida assim, da espuma da serpente,
cujo sangue derramou-se sobre o mar,
tal como a espuma, está sempre a mudar:
ora rebrilha, em jóia transparente,
ora se agita, no impulso de um momento,
inesperada, tal como sopra o vento...
CONSTRUÇÃO I -- 18 MAR 2020
Existe em nós essa tendência singular
De ver no mundo o que se desejara,
Esse palácio de ouro e prata que mostrara,
Em nosso sonho, o nume tutelar... (*)
Existe mesmo quem o possa até alcançar,
Porém que isso tudo que abraçou desapontara,
Desejo algum tal e qual ao que esperara,
Após a luz dessa espera se apagar...
Na maioria das vezes, não se atinge,
Fecham-se as porta, sem cerimonial,
Desse palácio sem ponte levadiça
E uma choupana em seu lugar se impinge,
Muito mais frágil, sem de fato ser real,
Tal como o incenso aspirado numa missa.
(*) O deus protetor, o anjo da guarda, o Guia.
CONSTRUÇÃO II
Melhor viver as ilusões que o mundo
De nós espera em semelhante imagem.
Melhor trincar os dentes de coragem
E nossa carne, em talho bem profundo,
Ir retalhando, esse estilhaço imundo
De obus prateado ou verdigris bagagem,
Que o divino feitor, qual beberagem,
Nos inseriu com um sorriso rubicundo...
Pois esta dor cruciante, incerta e vaga
É a causa mesma do esplendor nativo
Que à arte nos incita, em brotação;
Que, removendo o ardor que nos alaga,
De nosso heróico ser tão redivivo,
Nós extirpamos mesmo é o coração!
CONSTRUÇÃO III
Não vou me submeter à cirurgia
Dessa delícia incerta sobre a mente:
Vou desejar o aroma diferente
Que do gosto de teus lábios me surgia;
Que entre teus seios apenas refulgia,
Num palpitar de beijo ensurdecente,
Num reviver de anseio adolescente,
Que mente e alma inteiras conduzia.
Eu quero teu amor, em gume puro,
Amor de combatente ante a metralha,
Amor convalescente dos prazeres
Que me prometem teu olhar seguro,
Sem cálculo, sem pejo, sem ter falha,
A consolar-me da faina dos deveres...
PALAVRA ATRIBULADA I – 19 MAR
2020
Não existe coisa mais
atribulada
que uma palavra inscrita em
dicionário
por um motivo qualquer
atrabiliário,
sem que jamais tenha sido
consultada!
Triste palavra, assim
abandonada,
no passado tendo senso multifário,
em parte austero, em parte
mesmo hilário,
mas pela gente sem mais ser
recordada...
pobre palavra, como a menina
feia,
que ia aos bailes sem ser
convidada
para dançar, exceto por
parente,
levando, às vezes, um livro em
que se leia
uma história de princesa
desprezada,
que um sapo beija e assim
transforma em gente!
PALAVRA ATRIBULADA II
Essa história tendo múltiplas
versões,
nalgumas delas sendo um
principe encantado
que por bela camponesa é
libertado
um beijo místico a unir dois
corações!
Retorna o principe e o aclamam
multidões,
sem concordarem com a jovem de
seu lado,
afinal, antes do encanto, havia
noivado
com feia princesa, mas de
grandes possessões!
E em outras versões, é até o
contrário,
ele é um príncipe da batráquia
gente
e em sapa a sua princesa se
transforma!
Alegoria de acontecimento
vário,
e belo príncipe encantado, tão
frequente,
engorda após casar e de sapo
toma a forma!
PALAVRA ATRIBULADA III
Alguma vez, o dicionário a
consultar,
deparo incauto com palavra
abandonada,
que nem sequer por mim era
lembrada,
meu vocabulário sendo mesmo de
invejar!
Ela me olha, sem pedir-me nada,
sem esperança de que alguém a
vá buscar,
mas de algum modo a me
mesmerizar
e até me esqueço da palavra
procurada,
cuja grafia eu pretendia
confirmar...
E que fazer? Aponto o termo num cartão
e logo abaixo o seu significado,
toda palavra em meu peito a
respeitar,
pois a Palavra se fez Carne em
ocasião
e todo o Verbo foi assim
santificado!
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