MÁGOAS I – 27 dez 2019
Quando a mágoa se transforma num soneto,
costuma estilhaçar-se num cristal,
não de rocha, mas de ritmo sensual,
escorrendo pelas letras em secreto...
não é o tato que nas lágrimas excreto,
é mais o olhar a desfazer-se em mal-
-me-quer, uma centelha em cada qual,
quando pinga a provocar um som dileto,
igual marimba a se tanger de leve,
pela ponta dos dedos, com receio
de despertar qualquer mágoa maior...
um som gentil, um som que mal se atreve
e até prefere perder-se sobre o seio,
pela fazenda absorvido o sal da dor.
MÁGOAS II
É dessa forma que a tristeza imaterial
se condensa no tilintar do tom;
talvez apenas tu ouças o som
dessa mágoa transpondo teu beiral...
se muitas forem, formam catedral,
como um órgão de sonoroso dom;
assim a lágrima se faz em vinho bom
e sua mágoa descarta num ritual;
por isso mesmo, preparei missal,
em que a limpo passei mágoa após mágoa,
em ladainha de sílabas cantadas...
cada tristeza em cantochão sem mal,
cada amargura sensualizada em água,
cada lembrança pintada em branco cal.
MÁGOAS III
Desta forma, desejo sempre possam
as tuas mágoas parecer com lantejoulas,
que teus desdouros sejam tristeza tolas,
quais borboletas que em teu peito roçam.
que colar sejam de vida, quando esboçam
a dança eterna, se souberes pô-las
nesse giro sutil das pombas-rolas,
tais quais arco-íris que sobre ti retoçam;
mesmo dormentes, permanecem mágoas,
mas assim podem fingir ser ouropéis,
ainda mágoas porque não podem sê-los...
mas sejam lágrimas cristais de finas águas,
entrelaçadas ao tilintar de anéis
e renovadas aos sons de meus desvelos.
ENTRELACES I – 28 DEZ 19
Queria olhasses somente para mim
a cada vez que perpassasses sonhos,
sem pesadelos de terror tristonhos
ou seduções estranhas de arlequim;
queria notasses que em teu sonho eu vim,
qual um guerreiro de tempos mais bisonhos,
no enfrentamento de teus dragões medonhos
e por tuas tranças te alcançasse enfim...
mas sem te causar mágoa, já que é apenas
um sonho; nele não sei se dor percebes,
enquanto os olhos correm nesse REM; (*)
ao invés de dor, afastaria tuas penas,
de tuas pestanas a me ocultar nas sebes
e em tuas pupilas ser reflexo também.
(*)
Movimentos rápidos dos olhos fechados durante os sonhos.
ENTRELACES II
Ao mesmo tempo e com maior egoísmo,
queria que apenas para mim olhasses
quando teus olhos ao redor perpasses
o mundo inteiro em leve solecismo;
queria ser parte de teu solipsismo,
que nesse mundo todo teu me achasses
e em cada conventículo encontrasses
só minha dança num balé de romantismo.
que me avistasses ao ver cada objeto,
com os olhos da mente, sem querer
sobre ele demorar a tua consciência,
mas que pairasse sobre ti, qual verde inseto
que só esperança buscasse te trazer
e única mágoa a te causar fosse minha ausência.
ENTRELACES III
Por isso eu quero que teu olhar se enlace
somente com o meu, sem outros olhos
cujas vistas se dirijam aos refolho,
que como brisa minha imagem te repasse
efeito puro que aos dois entrelaçasse,
que para outros quaisquer cubram antolhos
as tuas vistas, que desse mar os molhos
qualquer acesso a outrem denegasse.
Que somente o meu olhar no teu mergulhe,
sem que exista entre nós traição secreta,
por mais que nosso olhar incauto seja
e assim o olhar de outro não me esbulhe
de alguma imagem que tua mente afeta,
a cada vez que um novo olhar se enseja.
QUAL LEPIDÓPTERO I – 29 DEZ 19
Qual borboleta queria que adejasses
junto a meu rosto, as pálpebras batendo,
qual terno beijo sobre a face tendo,
ósculo breve que sobre mim deixasses...
que cada vez que perto suspirasses,
meu coração de leve te acolhendo,
inteiramente teu hálito contendo,
que para mim somente o delegasses...
Ou então, queria eu ser o lepidóptero,
mil cores ternas derramando sobre ti,
por breve seja a vida desse inseto...
Pois tanta vez só me julgo coleóptero,
besouro indigno de todo o bem que vi,
nesse aromático pairar de teu afeto...
QUAL LEPIDÓPTERO II
Pois adejar continuamente junto ao colo
que teu arfar habita seria a escravidão
feliz da borboleta, inebriada de ilusão,
num palpitar constante em terno rolo...
asas translúcidas em transparente dolo,
guizos batendo, em gentil desilusão,
as minhas antenas, em estranha comunhão,
buscando a pele, mas caindo sobre o solo...
que são mágoas, afinal, não borboletas,
mas quando as asas batem, modificam
toda pena anterior em pó de ouro,
como um veneno de proteções completas,
que a chegada de outras mágoas prejudicam,
teus males a matar no nascedouro...
QUAL LEPIDÓPTERO III
Pouco me importa se ao esparzir meu ouro
irão minhas asas, pouco a pouco, se afinar,
que a glória gozo plena no adejar,
tal esgarçar para mim não é desdouro...
sei cedo ou tarde se calará o coro
dessas tuas mágoas que afastar busquei,
já transformadas, sabes bem e eu sei,
no tilintar fugaz de algum tesouro...
pois não pretendo por nada te comprar,
somente a vida inteira te legar,
pois foste tu que me tornaste borboleta,
minha casca grossa assim a abandonar,
tendo o besouro por ambição secreta
só élitros finos em mil nuances a agitar.
SATÉLITES I – 30
DEZ 2019
A TEU REDOR ADEJA O
MEU DESEJO
E MEU DESEJO NÃO
CANSA DE ADEJAR
E MEU ADEJO TEIMA
EM TE BUSCAR
E MINHA BUSCA SÓ
ANSEIA POR TEU BEIJO
E MEU BEIJAR SÓ
CLAMA TAL ENSEJO
E MEU ENSEJO BUSCA
TE ENCONTRAR
E MEU ENCONTRO
FIRME TE ABRAÇAR
E MEU ABRAÇO
RECLAMA TEU ADEJO:
QUE SEJA ASSIM SÓ
MEU O TEU ABRAÇO,
QUE TEU ABRAÇO
SOMENTE QUEIRA O MEU
QUE SEJA MEU DE TEU
ROSTO CADA TRAÇO,
QUE ASSIM RETRACE
NA PONTA DE MEUS DEDOS,
QUE SEJAM LIRA DO
UNIVERSO TEU,
QUE SEJAM NOTAS
ARPEJANDO MIL SEGREDOS.
SATÉLITES II
QUE MEU OLHAR
ANDEJE A TEU REDOR
QUE FIRME SEJA
SATÉLITE EXPECTANTE
QUE SEJA A ÓRBITA
SEMPRE EQUIDISTANTE
QUE NÃO OCORRA
DESVIO OU MAL MAIOR
QUE O NÃO ABALEM
ARTEFATOS SEM AMOR
QUE NÃO PERTURBEM
SUA ESTÁTICA CONSTANTE
QUE NEM SEQUER
LABORATÓRIO NESSE INSTANTE,
QUE NEM A MARTE VOE
EXPLORADOR
OU PELO MENOS QUE
DO OLHAR TEU NEXO
SE FIRME APENAS DO
FLUIR DESSE ORBITAL
QUE APENAS PARA TI
GIRA VELOZ,
QUE NENHUM OUTRO
ATRAIA O TEU AMPLEXO,
QUE NOSSO ENCONTRO
SEJA UNIVERSAL,
QUE O PRÓPRIO
COSMOS SÓ PERTENÇA A NÓS!
SATÉLITES III
QUE NÃO SE PENSE
SER EFEITO DO CIÚME
NEGAR VEJAS O CÉU,
QUE TODOS VEEM,
QUE NESSE AZUL DO
CÉU CORRE TAMBÉM
A NUVEM PINTALGADA
DO AZEDUME;
CORREM MILHARES DE
OLHOS NESSE LUME
PILÕES E
ALMOFARIZES DO MEU BEM
QUE SE CONCENTRAM
NESSE IDEAL ALÉM
E SUPERAM OS MEUS
EM SEU COSTUME;
NÃO PODERIA COM
TANTOS COMPETIR:
NÃO QUERO ENTÃO QUE
OLHES PARA O CÉU
SOMENTE ATÉ OS
REFLEXOS QUE SÃO MEUS
E NESSES POSSAS
CONTEMPLAR PORVIR
SEM QUE TEUS OLHOS
POSSAM PERDER-SE AO LÉU
E SÓ MEUS OLHOS
POSSAM FIXAR-SE AOS TEUS.
E para
o ano terminar em tom alegre...
MASCOTE – 31 dez 2019
Ao visitar o Brasil, tempos atrás,
a turista portuguesa se engraçou
por um gambá que a ela se abraçou
e não queria mais ficar pra trás.
Disse o marido: "Vê bem o que tu faz,
tem esse IBAMA que o Brasil organizou."
"Mas eu quero o bichinho!" - lamentou
a portuguesa - "por que tu não me dás?"
"Bem, se tu queres mesmo, a solução
é o esconderes dentro da calcinha,"
respondeu o português, cheio de amor.
"Mas, e o cheiro que vai ficar então?"
"Azar do bicho, minha queridinha,
ele que aguente todo o teu fedor!..."
INFORMÁTICA – 31 dez 2019
Os índios empregavam, no passado
sinais de fumaça para transmissão
de suas mensagens e, com precisão,
as fogueiras cobriam, com cuidado,
para puxar o cobertor, num gesto airado,
só permitindo da fumaça a emissão
em nuvens controladas com razão,
conforme código há muito elaborado.
Mas um dia, ao abaixar o cobertor,
o índio técnico estava desatento
ou foi então traído pelo vento
e a fogueira apagou, num estertor!
E se justificou, com o velho lema:
"Desculpa, chefe, é que caiu o sistema!..."
FLATULÊNCIA I – 31 dez 2019
Foi um médico ilustre convidado
a dar palestra em seu torrão natal:
subiu nervoso à plataforma; e é natural,
pegando as folhas que o vento tinha levado,
soltou um sonoro pum, ainda ampliado
pelos microfones... Sentindo uma mortal
vergonha, fez a palestra mal e mal,
pelos risinhos da plateia acompanhado...
Ficou famoso esse doutor Pompeu,
motivo para a mais constante troça
dos invejosos da cidadezinha...
Foi aplaudido, mas logo se escondeu,
entrou no carro e abandonou a roça,
sem voltar nunca mais à sua terrinha!
FLATULÊNCIA II
Anos depois, sua mãezinha faleceu,
que levara para morar na capital
e precisou voltar, para seu mal,
àquela mesma cidade em que nasceu...
Foi para o hotel, em que outro nome deu,
tão só por precaução, achando natural,
que depois de tantos anos, afinal,
ninguém lembrasse do que lhe sucedeu.
Na portaria comentou, porém,
que nascera há muito tempo no lugar,
"Vim tratar de uns papéis, mamãe morreu..."
Mas o empregado lhe indagou também:
"O senhor saiu depois", desculpe perguntar,
"Ou antes do pum que soltou o Dr. Pompeu?"
Bom dia. Vim ler por aqui, e fiquei extasiada. Meus parabéns
ResponderExcluirQue bom ler seus sonetos! Muito bom, William!
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