OS DOIS CORCUNDAS – 16 FEV
20
Folklore irlandês, adaptação
e versão poética de
William lagos
OS DOIS CORCUNDAS I
Certas pessoas já
nascem corcundas,
outras se vão
encurvando pela idade...
mas ter de olhar os
outros bem de baixo,
desde as vistas de
pestanas fundas,
após de cima olhar na
mocidade,
por ter sido
transformado em cabisbaixo
é condição que traz
tristeza, realmente
e grande mágoa ao
coração dolente...
E se além disso
alguém nascesse gago
e não pudesse
expressar-se claramente,
sendo motivo para
troça e zombaria,
a própria mãe a lhe
fazer afago,
compadecida dele
plenamente,
evitando rir-se dele
engasgaria,
a quanto leva a
condição humana:
desgraça alheia é uma
alegria insana!
Pois mais ainda, que
além de tudo o mais,
nascesse alguém
extremamente pobre,
por mais que se
esforçasse a trabalhar,
riquezas vendo só
para os demais,
perante a vida será
preciso que se dobre;
quando não pode a ela
dominar...
e foi assim que esse
mal alcança
a Patrick Blake,
desde ainda criança...
Ainda pior, tinha ele
um irmão
afligido por corcunda
e por gaguez,
que por sorte
despertara o sentimento
de uma viúva de bom
coração,
talvez razão que a
tal senhora fez
seu pedido aceitar de
casamento...
sendo já velha,
morreu sem deixar filhos,
Desmond Blake
embarcando em ricos trilhos...
OS DOIS CORCUNDAS II
Seria de esperar que
a boa sorte
seu coração triste
houvera enternecido,
mas por mal dos
pecados, o infeliz
se apaixonara ao lhe
fazer a corte
e sua viúva o havia
igual querido...
Quando morreu, a vida
e o mundo então maldiz
e embora tivesse lhe
deixado bom dinheiro,
não se tornou nem bom
ou hospitaleiro...
E ao próprio irmão
jamais ele ajudou,
pois o rapaz era um
bom trabalhador,
apesar da corcunda e
da gaguez,
porém somente casinha
pequena lhe alugou,
determinando um
aluguel de alto valor,
que lhe cobrava,
pontualmente, mês a mês;
e quando esse aluguel
ele atrasou,
sem qualquer pena, ao
irmão já despejou...
E como ainda lhe
devia dinheiro
nem o deixou levar os
seus pertences:
só com a roupa do
corpo o pôs na rua;
perdido o amor, era
somente interesseiro
e a um avarento
perdoar nunca convences
e assim Patrick saiu
à luz da Lua,
para dormir apenas no
relento,
sem um pedaço de pão
para sustento!
Assim, o pobre e gago
corcundinha
seguiu marchando ao
longo de uma estrada;
por sorte, era uma
noite de verão...
De onde dinheiro para o aluguel lhe
vinha?
Corria os passos pela
noite enluarada,
tristeza e pena no
seu coração,
mas nem sequer contra
o irmão se revoltar,
bem ao contrário, com
seu direito a concordar!...
OS DOIS CORCUNDAS III
Ora, acontece que ali
havia um altiplano,
entre as colinas de
Tombrick e de Muldeen,
evitado desde então
por irlandeses,
desde o Condado de
Bundody pelo dano
até o de Enniscorthy,
que provocava assim,
em resultado de
ocorrerem ali, às vezes,
certos prodígios,
fossem maus ou bons,
sendo melhor não
escutar místicos sons...
Porém Patrick Blake,
o nosso herói,
tinha ficado órfão
muito cedo
e da fama do lugar
sequer sabia;
ficando exausto,
enfim deitar-se foi,
sem ter motivo para
qualquer medo,
na grama verde que
por ali nascia,
logo caindo no sono
dos cansados,
os seus desgostos
sendo rápido apagados...
Mas tão logo no alto
do céu subiu a Lua,
o rapaz despertou e
sua corcunda ergueu,
ao escutar de bela
música os acordes...
e de repente, em uma
rocha nua,
que uma porta se
abria percebeu...
Talvez
abrigo em me dar sejam concordes...
E então entrou por um
extenso corredor,
muitos torchais a lhe
dar luz e calor...
E desta forma
encontrou vasto salão
de gigantesco palácio
subterrâneo,
pelas paredes
estrelinhas aos milhares,
a contemplar, com
estupefação
um povo lindo, de
humano sucedâneo,
dançando alegremente,
em muitos pares.
Mas só cantavam:
“Segundas e Segundas,
Terças e Terças”, em
inclinações profundas!
OS DOIS CORCUNDAS IV
Então Patrick
igualmente se inclinou
profundamente e
alguns as mãos lhe deram...
Ficou dançando alegre
o corcundinha,
mas de cantar só tais
palavras se cansou
e como os gagos,
quando cantam, nunca erram,
rapidamente modificou
sua ladainha:
“Isso é muito bonito,
realmente,
porém é curto demais,
naturalmente...”
Sempre cantando a
música escutada,
ele entoou: “Terças e
Segundas,
Segundas, Terças e já
Quartas-feiras!”
E continuou, bem
empostadamente:
“Quartas e Quintas,”
em vênias mais profundas,
“Quartas e Quintas,
depois Sextas-feiras!”
E tão bem lhes
apresentou essa versão
que das palavras se
agradou a multidão!
Era uma tribo de
silfos e de fadas,
muito claros os seus
corpos dourados,
todos trajando
roupagens cintilantes,
as suas asas
translúcidas prateadas,
os seus longos
cabelos encarnados,
ágeis e belos seus
passos saltitantes:
nenhum deles lhe
passava da cintura,
os rostos lindos a
cantar na voz mais pura!
Ora, por que a Monday, Tuesday limitavam
o seu canto de
harmonia celestial
e Wednesday,
Thursday tanto os encantou
e logo Friday as suas vozes entoavam,
para irlandeses
talvez fosse natural,
mas essa rima pouco
ou nada me inspirou:
Segundas, Terças e
Quartas, realmente,
Quintas e Sextas não têm
nada surpreendente!
OS DOIS CORCUNDAS V
Mas ao povinho das
fadas agradou,
horas e horas a
cantar passaram
e Patrick alegremente
acompanhava,
sua corcunda em nada
o atrapalhou,
até que os outros
finalmente se cansaram,
quando a Lua já o
horizonte transpassava...
Então o rapaz
sentou-se num banquinho,
de fome e sede a
sentir só um pouquinho...
Logo a seguir, a
regente dessa orquestra,
os músicos já
guardando os instrumentos,
chegou-se a ele na
maior delicadeza:
“Desta maneira a
melodia é bem mais destra
e muito alegra os
nossos sentimentos,
estamos todos muito
gratos, com certeza!”
Patrick então, só com
a cabeça, agradecera:
caso falasse, talvez
o encanto se perdera...
“Somos silfos e
fadas, como vê,
a mais antiga raça
desta terra...
pelos favores é
costume agradecer...”
“Não é pre-preciso
que na-nada se me dê...”
Mas a fadinha sua
negativa encerra:
“Mencione algo que
possamos lhe fazer,
não gostamos de ficar
algo devendo,
diga o que quer e com
prazer lhe atendo!”
Então Patrick
finalmente decidiu:
Que importância tem se notarem que
sou gago?
“Se pu-puderem a
co-corcunda me tirar,
essa co-corcova que
se-sempre me afligiu,
eu me da-darei por
muito bem pa-pago!...”
“Será feito!” –
disse-lhe sem pestanejar,
a criatura que
parecia ser rainha.
“Doravante, não será
mais corcundinha!”
OS DOIS CORCUNDAS VI
Um peso enorme das
costas lhe sumiu
e Patrick em um
instante levantou,
as mãos erguidas até
tocar no teto:
“Agra-gadeço pelo bem
que me se-serviu!”
disse ele e de novo
se curvou...
Mas a fadinha o contemplou
com olhar dileto:
“Vejo que tem ainda
outra aflição,
doravante será clara
a sua dicção!...”
Patrick só faltou
jogar-se ao chão,
Agradecendo por um
tal favor.
“Mas eu percebo
também pela sua roupa
que é muito pobre,
mas tem bom coração;
terceiro dom eu lhe
darei de outro teor,
um bem nos trouxe que
em nada é coisa pouca!”
Batendo palmas,
surgiu saco de ouro,
Patrick aceitou só
metade do tesouro...
“Senhora dona rainha,
é o suficiente,
o saco inteiro me
parece bem pesado
e se de novo faz-me
as costas retombar?”
E assim deixou o
palácio bem contente,
o Sol já havia todo o
campo iluminado
e para casa foi
depressa retornar:
“Caro Desmond, o
aluguel vim lhe trazer
e mais um mês irá
ainda receber!...”
Mas se pensas que
Desmond se alegrou,
estás muito enganado...
O dinheiro recebeu
e desconfiado, o
contou e recontou.
“Está ce-certo,”
disse enfim e então notou
como Patrick bem mais
alto pareceu,
“E a sua
co-corcunda? Como de-dela se livrou?”
Patrick não queria
falar inicialmente,
pois não podia
confiar no seu parente...
OS DOIS CORCUNDAS VII
Mas como o irmão foi
insistir bastante,
acabou por contar-lhe
toda a história,
inclusive ter deixado
o meio saco:
“Muito pesado para se
levar avante...”
“Po-porém que
ati-titude mas si-simplória!
Me-merece mesmo mo-morar
nesse bu-buraco!”
Então Patrick, a
desconfiar de sua intenção,
pegou suas coisas e
foi morar noutra região!
Desmond até notou que
fora embora,
porém nem um
pouquinho se importou:
Que vá assim, esticado e bem janota!
Esta noite eu irei, à mesma hora
pegar o meio saco de ouro que deixou!
Esse meu mano sempre soube que era
idiota!
Em nada duvidou da
sua história,
já ouvira do Palácio
de Tombrick a imensa glória...
E nessa noite, que
ainda era de luar,
chegou meio ofegante
à pradaria
e na rocha a mesma
porta então se abriu.
Não esperou ninguém o
convidar,
no corredor depressa
já corria
e o concorrido baile
logo viu...
Além de gago, música
detestava,
entrou depressa e
logo ali gritava!
“Que ca-canção é
essa, que bo-bobagem!
Foi a to-tolice que
meu irmão cri-criou?
Tem de di-dizer é a
se-semana inteira!
Só Se-segunda,
Te-terça, Qua-quarta tem!
Qui-quinta, Se-sexta,
Sa-sábado!” – gritou
“E o Do-domingo será
a da-data de-derra-radeira!”
Então a música parou
no mesmo instante,
chegou a rainha, seu
olhar bem pescrutante...
Ora, acontece que o
povinho era pagão
e de Domingo nem
queria saber,
com a proposta
estavam ofendidos,
porque esse dia santo
era cristão!
Mas a rainha quis a
ofensa lhe esconder
e indagou, voz e
gestos comedidos:
“O que te trouxe
aqui, caro senhor...?”
“De me-meu idi-diota
irmão quero o fa-favor!”
EPÍLOGO
“Como assim?” “Vim bu-buscar o que de-deixou,”
Falou Desmond, pensando só no ouro.
”Está bem,” disse a fada, “assim
será,
eu te darei o que Patrick
abandonou...”
Numa expressão que lhe arrepiou o
couro,
imenso peso sobre as costas já lhe
dá,
trouxe a Desmond, como castigo da
ambição,
a corcunda que ali deixara seu
irmão!...
Com outro gesto, o malvado foi
lançado,
bruscamente, por todo o corredor
e a porta de imediato se fechou...
Pelo peso de duas corcundas
carregado,
muito mais gago, foi gritar, cheio
de horror:
“Pa-pa-patrick, o cre-cretino me
enga-ganou!
Mas contra o irmão não conseguiu
tomar vingança,
que estava longe e seu rancor
jamais o alcança!
TRÊS FÁBULAS DE ESOPO
A CEGONHA E OS GANSOS – 17 FEV 20
O grego Aesopos escreveu muitas histórias,
sempre no intento de transmitir lição,
algumas delas muito simples são,
outras conservam permanentes glórias.
“Um lavrador armadilha preparou;
capturar gansos selvagens sonha,
mas na arapuca foi cair uma cegonha,
que ao vê-lo, depressa lhe falou:
“Solta-me, lavrador, não te fiz mal,
sou uma cegonha e só trago boa sorte...”
“Mesmo assim, eu não te atenderei,
com os gansos fazias carnaval
e essa imprudência causará tua morte,
esta noite, no jantar, te comerei!...”
“Más companhias são prejudiciais,
sofrerás a mesma sorte dos demais,”
é o que queria dizer o fabulista,
nesta historieta em que moral se avista:
DIZE-ME COM QUEM ANDAS
E TE DIREI QUEM ÉS.
O CABRITINHO E O LOBO I – 17 FEV 20
Foi uma cabra conduzida até a pastagem,
mas era muito novo o seu cabrito;
disse ao filhote: “Não fiques aflito,
volto hoje à noite, espera com coragem!
“Mas por aí anda muita bandidagem
e o ardil dos lobos é infinito,
por mais que um venha a te falar bonito,
não abras a porta por qualquer bobagem!
“Quando eu chegar, logo verás quem sou
e do estábulo, além disso, tenho a chave,
fica, portanto, bem quietinho no teu canto!
“Ainda não posso te levar aonde vou,
mas não quero, ao retornar, sofrer agrave,
nem por tua morte ter de verter meu
pranto!”
O CABRITINHO E O LOBO II
Havia um lobo que julgava ser esperto:
chegou-se à porta do estábulo, a balir,
a voz da cabra conseguindo até fingir:
“Deixa eu entrar, meu filho, que está
certo...”
“Se és minha mãe, já devias ter aberto
com a tua chave o portão, sem me pedir;
tu és um lobo e não podes me iludir:
vai embora já para teu covil deserto!”
Assim o lobo se foi, desapontado,
e quando a cabra retornou, ficou contente
por seu cabrito se mostrar tão obediente...
Ficou assim o apólogo terminado.
Talvez não penses ter sido tão bonito,
Mas há mais de dois mil anos foi escrito!
MERCÚRIO E O LENHADOR I – 18 FEV 20
Na Grécia antiga havia um lenhador
que fora trabalhar à beira-rio.
Quebrou-se o cabo do machado e em corrupio
caiu nas águas, a espadanar fragor!
Chorou o homem, ao ver-se perdedor
do instrumento de trabalho, em desvalio;
o deus Mercúrio o seu lamento ouviu
e se apiedou do bom trabalhador.
Aquele rio era a ele consagrado,
mas querendo o queixoso experimentar,
veio um machado de ouro apresentar...
“Não, meu senhor, não é o meu machado
e nem com ele eu poderia cortar lenha,
um forte gume é preciso que se tenha...”
MERCÚRIO E O LENHADOR II
Mercúrio agradou-se da resposta,
voltou a mergulhar e, lá do fundo,
trouxe um machado de cintilar profundo,
todo de prata... “E deste agora gosta?”
“Não, meu senhor. Mesmo estando bem disposta,
essa lâmina tem só aspecto jocundo,
não é o meu machado, velho e imundo
de ferrugem, mas que nunca me desgosta...”
Mercúrio se admirou da honestidade
e do fundo do rio trouxe o machado,
feito de ferro e já bem desgastado:
“Sim, meu senhor! É grande sua bondade!”
Mercúrio o entregou e, sem ofensa,
os outros dois lhe deu de recompensa!
MERCÚRIO E O LENHADOR III
De seus companheiros houve um que teve
inveja
e à beira-rio foi também tentar a sorte,
lançando à água um machado de bom corte
e se pôs a lamentar o que lhe enseja;
Mercúrio pressentiu o mal que o beija,
mas para experimentar seu real porte,
do machado de ouro foi buscar consorte,
a indagar se sua ferramenta seja...
“É o meu!...” – tolamente o invejoso lhe
mentiu,
mas Mercúrio apenas riu desse impostor:
“Este machado jamais lhe pertenceu...
“mas como a falsidade o conduziu,
não mais terá de mim qualquer favor
e nem ao menos lhe devolvo o que era seu!”
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