DISCOTECA
I – 11 FEV 2020
Nunca
contei meus discos, mas são mais de três mil;
há
muito descartei setenta e oito rotações,
mas
em minhas prateleiras conservo multidões,
metade
são cedês, metade chamam de vinyl...
Metade
já escutei, certa parte num buril
de
agulha ou raios lêiser já sofreu escoriações.
se
gozam ou lamentam, não formarei noções,
porém
o dia inteiro escuto música gentil...
Contudo,
os discos troco apenas raramente,
escassa
é vez de uma única audição,
por
vinte e quatro horas deixo em repetição
e
quando de algum deles eu gosto realmente,
por
mais de uma semana seu som se faz presente,
mesmerizado
assim me deixa tal suave rotação...
DISCOTECA
II
Na
verdade, tais discos são história,
muitos
deles em gravações originais,
da
década de Cinquenta ou pouco mais,
quais
geodos a ocultar defunda glória.
Olhando
só de fora essa marmórea
capa
de plástico com a data dos anais,
nomenclatura
dos autores principais
e
dos intérpretes de fama meritória,
são
iguais a essas pedras arenosas,
mas
que dentro de si contêm cristais,
em
alguns casos, até mesmo as ametistas;
abre-se
a capa e em rotações airosas
os
discos cantam melodias perenais,
mortos
cantores que em teu lar assistas.
DISCOTECA
III
Existem
tolos ou apenas inocentes
que
afirmam estarem todos superados,
sejam
em vinyl ou em CDs mais delicados,
vibram
agulhas ou em lêiseres potentes;
mas
LPs são bem mais permanentes
e
pela moda atual bem procurados;
quando
os comprei estavam encalhados,
mesmo
os de ponta de estoque provenientes.
Já
os CDs se estragam bem mais fácil,
não
mais se vendem os grandes carrosséis,
cinco
deles inseridos de uma vez...
Porém
contêm reprodução mais grácil
De
equalizados setenta e oito os ouropéis,
Mesmo
Caruso ressuscita aqui talvez...
SORRISO
DE ARANHA I – 12 FEV 20
SEU
SORRISO TREMULOU, RAIO DE SOL,
ATRÁS
DE SOMBRAS PERCORRENDO O ROSTO,
UM
SORRISO DE ARANHA NO ARREBOL
A
DEVORAR DE MEU FANTASMA O FINO GOSTO,
SEU
SORRISO A PERSEGUIR O MEU DESGOSTO
EM
PALPOS ERIÇADOS, LUZ DE ESCOL,
PARA
SUGAR DE MINHA TRISTEZA O MOSTO
E
CONSERVAR EM SUA TEIA O MEU FAROL,
UMA
TARÂNTULA TRAVESTIDA EM LÍRIO
QUE
ME ARREBATA A DOR E DEIXA NADA,
COM
SEU ESTRANHO VELUDO DE PALOR,
SEUS
OITO OLHOS A BEBEREM MEU MARTÍRIO,
ARACNÍDEA
EM ESPLENDOR DE FADA,
QUE
AS MÁGOAS CAPTURA E TORNA EM FLOR.
SORRISO DE ARANHA II
FICOU
BEM CLARO O QUE A SÍMILE SUGERE,
NÃO
É MINHA VIDA QUE VEM A ME SUGAR,
MAS
AS MÁGOAS MAIS SUTIS DO MEU PENAR,
TODA
ESSA ANGÚSTIA QUE MEU FANTASMA FERE,
EMBORA
A ALMA DE FATO NÃO SE ALTERE
É
SÓ A CÓPIA QUE ALI GUARDO A REGISTRAR
E
NADA PERCO ANTE O SORRISO SINGULAR,
SENÃO
SOBRESSALÊNCIA QUE A ALMA GERE.
MAS
PELA AUSÊNCIA DESSE DUPLICAR
NUNCA
OCORRE RETROALIMENTAÇÃO
E
A DOR QUE SINTO VAI-SE DESFAZENDO,
MESMO
A SAUDADE COM MENOR MAGOAR,
DE
CERTO MODO SENDO MESMO DOAÇÃO
PARA
ESSA ARANHA QUE BEBE MEU ALENTO.
SORRISO
DE ARANHA III
ELA
ENVOLVEU-ME FIRME NA SUA TEIA
E
NÃO ME DEIXA MEIO DE ESCAPAR,
PORÉM
SÃO MEUS DEFEITOS A FORMAR
CADA
LIAME DA REDE EM QUE ME ENLEIA,
POIS
ESTA TRAMA COM QUE ME PERMEIA
É
FEITA DE CARINHOS PARA UM LAR
DE
SEGURANÇA PARA MIM FORMAR,
AO
INVÉS DE SUGAR, SERVE-ME A CEIA,
SEM
SANGUESSUGA SER, ARANHA RARA
QUE
SÓ SE ENCONTRA POR UMA VEZ NA VIDA
E
A QUEM NENHUMA OUTRA SE COMPARA
É
APENAS MEU FANTASMA QUE SE ESGARÇA
NO
PENEIRAR EM QUE SE ACHA CONTIDA
A
LUZ PERENE DE UM AMOR SEM FARSA
BUQUÊ DE
PIRILAMPOS I – 13 FEV 20
entre os
antigos, muito se falava
de certos
monstros de gás que alguns chamaram
durante as
noites, sempre que estancaram
do sol as horas
com que o mundo destacava;
para os pântanos
e atoladouros se levava
qualquer incauto
que nesse tempo depararam
e por areias movediças
sepultaram,
sob essa luz
verdeazulada que encantava...
destino idêntico
a esse canto das sereias,
que para
escolhos atraíam marinheiros,
dizem alguns
serem até mesmo canibais
e que essas
luzes de esplendores feias
vinham das
tumbas de pobres guerrilheiros
querendo as
novas dos antigos generais...
BUQUÊ DE
PIRILAMPOS II
nunca vi essas
luzes nas andanças
com que o pampa
percorri vezes sem conta,
nem pantanal ou
atoladouro aponta
nessas paragens
que percorreram lanças
nos séculos
antigos... Em minhas vagranças
percorri esta
estepe que remonta
de uma a outra
coxilha que desponta,
já que as chuvas
por aqui mostram tardanças...
o que eu vi
foram luzes mais suaves,
as luciérnagas,
como as chamam uruguaios,
ou pirilampos,
lampadinhas com seu fogo,
a traçar seus
mil desenhos sem agraves
durante as
noites dos abris e maios
para suas
companheiras um claro rogo.
BUQUÊ DE
PIRILAMPOS III
mas existem nas cidades vagalumes
de uma ordem
diversa inteiramente,
em cada festa ou
salão houve frequente
manifestar de
seus miríficos perfumes,
e se nessa
direção teus passos rumes
de teu sendeiro
te desviarão completamente,
talvez despertes
já ao clarão nascente,
nas tuas costas
de lençóis dobrados gumes...
mas os olhos hás
de ver ainda cerrados,
sem o fulgor de
pirilâmpica atração,
mais o desejo de
ressonares prolongados...
róseos seios de
mulher atoladouros,
pântano e lama
por incauto coração,
mesmo após
compartilhados seus tesouros...
BUQUÊ DE
PIRILAMPOS revisitado IV
[Original de
30-4-2010]
sei bem
que esses convites, pirilampos
são apenas,
luzentes e fagueiros:
são como luz de
fada, interesseiros
em nos levar
perdidos pelos campos...
fragrâncias
essas sedosas em seus mantos,
nalguns momentos
até mais verdadeiros,
em que corri no
escuro, a tais brejeiros
fogos de
olhares, atraído em mil espantos...
que tais
luzinhas, de fato, me buscaram,
que os vagalumes
para mim brilharam,
por quererem
demorar-se junto a mim...
porém, após o
amor, quando cessavam
meus beijos e
essas pálpebras fechavam,
cada luciérnaga
se apagava enfim...
CARINHO DE JERICO I – 14 FEV 20
um jerico é um manso animalzinho,
bastante meigo e bem trabalhador,
as suas tarefas executando com ardor,
por mais que seja lento em seu caminho,
porem carinho
de algum jerico
é coice rico
aplicadinho
diretamente sobre a tua canela,
forte o bastante até para quebrar
e para o futuro inteiro te aleijar
e assim há certas frases de donzela
que qual carinho pretendem evidente,
porque nos causam mal-estar pungente,
mesmo quando sua intenção amor revela!
CARINHO DE JERICO II
tais frases feitas causam mais inquietação
do que essa sedução que pretendiam;
melhor cuidar do que os olhos te diriam,
que interpretar de alguma frase essa
intenção.
mal-entendido
quiçá um susto
que a muito custo
será escondido,
não esquecendo as frases masculinas,
que não medem sequer as consequências
de qualquer expressão nas inconsciências
reveladas pela falta de empatia,
porque a mulher, até mesmo apaixonada
mais quer querida ser do que abraçada
e a quem tal frase inadequada afastaria
CARINHO DE JERICO III (revisitado)
esta é expressão que sempre me assustou:
"um beijo no teu
coração..." horrível,
como a furar a barreira intransponível
do meu esterno, que sempre me escudou:
inquietação,
na expiração,
suor na mão
e um arrepio,
que esse tipo de beijo é mais pungente,
mesmo que seu sabor seja vazio,
de certo modo, me deixa em corrupio,
embora um beijo real seja mais quente.
talvez sejam como beijo de vampiro
esses teus olhos... e até mesmo miro
as duas presas reveladas bem na frente!
OFERTA
IMPURA I – 15 FEV 20
Hoje
sozinho urinarei no meu jardim,
por
entre matacões de sabor zen;
são
de prata meteórica também
as
rochas longas erguidas junto a mim:
não
é que busque chamar corisco, enfim,
para
alijar-me dos zelos que me têm
a
alma presa nas presas que retêm
o
ouro do sangue derramado assim;
quando
derramo de mim o emunctório,
projeto
um novo fantasma nesse espanto:
sou
eu o pântano que contempla azul o cego
e
me ofereço qual um líquido ofertório,
irmão
oblato em amarelo pranto,
nessas
varilhas de ouro em que me entrego.
OFERTA
IMPURA II
Igual
centelha em longa espada nua,
eu
me derramo sobre esse basalto
que
o pátio calça até o menor ressalto,
ante
os canteiros em que flor flutua,
perante
o chafariz que ao sol amua,
eu
lanço o chafariz de meu rescalto,
sem
projetá-lo em orgulho para o alto,
nada
pretendo que se estenda até a lua.
Porém
há mortos sob um dos canteiros,
uma
gata já velha e uma cadela
que
até dormia com a minha consorte
e
sem fazer-lhes sacrifícios verdadeiros,
combato
os gatos do vizinho em tal procela,
marco
o terreno com meu próprio exporte!
OFERTA
IMPURA III
Caliope
espreita de seu pedestal,
semicoberta
pela vegetação,
não
sei se vejo no olhar condenação
ou
se aprova meu pagão ato brutal.
honestamente,
foi empresa mais virtual,
algo
contrário a toda a educação
que
recebi. Não se faz essa oblação,
semiblasfêmia
ao mandamento triunfal;
porém
em versos me permito ser ousado,
iguais
que ousados são na realidade
esses
gatos que me invadem sem recato;
mas
à mãe-terra ofereço o meu pecado,
que
assim me acolha em sua magnanimidade,
tal
qual acolhe as injúrias desse gato!...
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