segunda-feira, 21 de dezembro de 2020


DISCOTECA &+



 LIBERTAD LAMARQUE VINTAGE

 

DISCOTECA I – 11 FEV 2020

 

Nunca contei meus discos, mas são mais de três mil;

há muito descartei setenta e oito rotações,

mas em minhas prateleiras conservo multidões,

metade são cedês, metade chamam de vinyl...

 

Metade já escutei, certa parte num buril

de agulha ou raios lêiser já sofreu escoriações.

se gozam ou lamentam, não formarei noções,

porém o dia inteiro escuto música gentil...

 

Contudo, os discos troco apenas raramente,

escassa é  vez de uma única audição,

por vinte e quatro horas deixo em repetição

 

e quando de algum deles eu gosto realmente,

por mais de uma semana seu som se faz presente,

mesmerizado assim me deixa tal suave rotação...

 

DISCOTECA II

 

Na verdade, tais discos são história,

muitos deles em gravações originais,

da década de Cinquenta ou pouco mais,

quais geodos a ocultar defunda glória.

 

Olhando só de fora essa marmórea

capa de plástico com a data dos anais,

nomenclatura dos autores principais

e dos intérpretes de fama meritória,

 

são iguais a essas pedras arenosas,

mas que dentro de si contêm cristais,

em alguns casos, até mesmo as ametistas;

 

abre-se a capa e em rotações airosas

os discos cantam melodias perenais,

mortos cantores que em teu lar assistas.

 

DISCOTECA III

 

Existem tolos ou apenas inocentes

que afirmam estarem todos superados,

sejam em vinyl ou em CDs mais delicados,

vibram agulhas ou em lêiseres potentes;

 

mas LPs são bem mais permanentes

e pela moda atual bem procurados;

quando os comprei estavam encalhados,

mesmo os de ponta de estoque provenientes.

 

Já os CDs se estragam bem mais fácil,

não mais se vendem os grandes carrosséis,

cinco deles inseridos de uma vez...

 

Porém contêm reprodução mais grácil

De equalizados setenta e oito os ouropéis,

Mesmo Caruso ressuscita aqui talvez...

 

SORRISO DE ARANHA I – 12 FEV 20

SEU SORRISO TREMULOU, RAIO DE SOL,

ATRÁS DE SOMBRAS PERCORRENDO O ROSTO,

UM SORRISO DE ARANHA NO ARREBOL

A DEVORAR DE MEU FANTASMA O FINO GOSTO,

SEU SORRISO A PERSEGUIR O MEU DESGOSTO

EM PALPOS ERIÇADOS, LUZ DE ESCOL,

PARA SUGAR DE MINHA TRISTEZA O MOSTO

E CONSERVAR EM SUA TEIA O MEU FAROL,

UMA TARÂNTULA TRAVESTIDA EM LÍRIO

QUE ME ARREBATA A DOR E DEIXA NADA,

COM SEU ESTRANHO VELUDO DE PALOR,

SEUS OITO OLHOS A BEBEREM MEU MARTÍRIO,

ARACNÍDEA EM ESPLENDOR DE FADA,

QUE AS MÁGOAS CAPTURA E TORNA EM FLOR.

 

 SORRISO DE ARANHA II

FICOU BEM CLARO O QUE A SÍMILE SUGERE,

NÃO É MINHA VIDA QUE VEM A ME SUGAR,

MAS AS MÁGOAS MAIS SUTIS DO MEU PENAR,

TODA ESSA ANGÚSTIA QUE MEU FANTASMA FERE,

EMBORA A ALMA DE FATO NÃO SE ALTERE

É SÓ A CÓPIA QUE ALI GUARDO A REGISTRAR

E NADA PERCO ANTE O SORRISO SINGULAR,

SENÃO SOBRESSALÊNCIA QUE A ALMA GERE.

MAS PELA AUSÊNCIA DESSE DUPLICAR

NUNCA OCORRE RETROALIMENTAÇÃO

E A DOR QUE SINTO VAI-SE DESFAZENDO,

MESMO A SAUDADE COM MENOR MAGOAR,

DE CERTO MODO SENDO MESMO DOAÇÃO

PARA ESSA ARANHA QUE BEBE MEU ALENTO.

 

SORRISO DE ARANHA III

ELA ENVOLVEU-ME FIRME NA SUA TEIA

E NÃO ME DEIXA MEIO DE ESCAPAR,

PORÉM SÃO MEUS DEFEITOS A FORMAR

CADA LIAME DA REDE EM QUE ME ENLEIA,

POIS ESTA TRAMA COM QUE ME PERMEIA

É FEITA DE CARINHOS PARA UM LAR

DE SEGURANÇA PARA MIM FORMAR,

AO INVÉS DE SUGAR, SERVE-ME A CEIA,

SEM SANGUESSUGA SER, ARANHA RARA

QUE SÓ SE ENCONTRA POR UMA VEZ NA VIDA

E A QUEM NENHUMA OUTRA SE COMPARA

É APENAS MEU FANTASMA QUE SE ESGARÇA

NO PENEIRAR EM QUE SE ACHA CONTIDA

A LUZ PERENE DE UM AMOR SEM FARSA

 

BUQUÊ DE PIRILAMPOS I – 13 FEV 20

 

entre os antigos, muito se falava

de certos monstros de gás que alguns chamaram

durante as noites, sempre que estancaram

do sol as horas com que o mundo destacava;

para os pântanos e atoladouros se levava

qualquer incauto que nesse tempo depararam

e por areias movediças sepultaram,

sob essa luz verdeazulada que encantava...

 

destino idêntico a esse canto das sereias,

que para escolhos atraíam marinheiros,

dizem alguns serem até mesmo canibais

e que essas luzes de esplendores feias

vinham das tumbas de pobres guerrilheiros

querendo as novas dos antigos generais...

 

BUQUÊ DE PIRILAMPOS II

 

nunca vi essas luzes nas andanças

com que o pampa percorri vezes sem conta,

nem pantanal ou atoladouro aponta

nessas paragens que percorreram lanças

nos séculos antigos... Em minhas vagranças

percorri esta estepe que remonta

de uma a outra coxilha que desponta,

já que as chuvas por aqui mostram tardanças...

 

o que eu vi foram luzes mais suaves,

as luciérnagas, como as chamam uruguaios,

ou pirilampos, lampadinhas com seu fogo,

a traçar seus mil desenhos sem agraves

durante as noites dos abris e maios

para suas companheiras um claro rogo.

 

BUQUÊ DE PIRILAMPOS III

 

mas existem  nas cidades vagalumes

de uma ordem diversa inteiramente,

em cada festa ou salão houve frequente

manifestar de seus miríficos perfumes,

e se nessa direção teus passos rumes

de teu sendeiro te desviarão completamente,

talvez despertes já ao clarão nascente,

nas tuas costas de lençóis dobrados gumes...

 

mas os olhos hás de ver ainda cerrados,

sem o fulgor de pirilâmpica atração,

mais o desejo de ressonares prolongados...

róseos seios de mulher atoladouros,

pântano e lama por incauto coração,

mesmo após compartilhados seus tesouros...

 

BUQUÊ DE PIRILAMPOS revisitado IV 

[Original de 30-4-2010]

 

sei bem que esses convites, pirilampos

são apenas, luzentes e fagueiros:

são como luz de fada, interesseiros

em nos levar perdidos pelos campos...

fragrâncias essas sedosas em seus mantos,

nalguns momentos até mais verdadeiros,

em que corri no escuro, a tais brejeiros

fogos de olhares, atraído em mil espantos...

 

que tais luzinhas, de fato, me buscaram,

que os vagalumes para mim brilharam,

por quererem demorar-se junto a mim...

porém, após o amor, quando cessavam

meus beijos e essas pálpebras fechavam,

cada luciérnaga se apagava enfim...

 

CARINHO DE JERICO I – 14 FEV 20

um jerico é um manso animalzinho,

bastante meigo e bem trabalhador,

as suas tarefas executando com ardor,

por mais que seja lento em seu caminho,

porem carinho

de algum jerico

é coice rico

aplicadinho

diretamente sobre a tua canela,

forte o bastante até para quebrar

e para o futuro inteiro te aleijar

e assim há certas frases de donzela

que qual carinho pretendem evidente,

porque nos causam mal-estar pungente,

mesmo quando sua intenção amor revela!

 

CARINHO DE JERICO II

 

tais frases feitas causam mais inquietação

do que essa sedução que pretendiam;

melhor cuidar do que os olhos te diriam,

que interpretar de alguma frase essa intenção.

mal-entendido

quiçá um susto

que a muito custo

será escondido,

não esquecendo as frases masculinas,

que não medem sequer as consequências

de qualquer expressão nas inconsciências

reveladas pela falta de empatia,

porque a mulher, até mesmo apaixonada

mais quer querida ser do que abraçada

e a quem tal frase inadequada afastaria

 

CARINHO DE JERICO III (revisitado)

 

esta é expressão que sempre me assustou:

"um beijo no teu coração..."  horrível,

como a furar a barreira intransponível

do meu esterno, que sempre me escudou:

inquietação,

na expiração,

suor na mão

e um arrepio,

que esse tipo de beijo é mais pungente,

mesmo que seu sabor seja vazio,

de certo modo, me deixa em corrupio,

embora um beijo real seja mais quente.

talvez sejam como beijo de vampiro

esses teus olhos...  e até mesmo miro

as duas presas reveladas bem na frente!

 

OFERTA IMPURA I – 15 FEV 20

 

Hoje sozinho urinarei no meu jardim,

por entre matacões de sabor zen;

são de prata meteórica também

as rochas longas erguidas junto a mim:

 

não é que busque chamar corisco, enfim,

para alijar-me dos zelos que me têm

a alma presa nas presas que retêm

o ouro do sangue derramado assim;

 

quando derramo de mim o emunctório,

projeto um novo fantasma nesse espanto:

sou eu o pântano que contempla azul o cego

 

e me ofereço qual um líquido ofertório,

irmão oblato em amarelo pranto,

nessas varilhas de ouro em que me entrego.

 

OFERTA IMPURA II

 

Igual centelha em longa espada nua,

eu me derramo sobre esse basalto

que o pátio calça até o menor ressalto,

ante os canteiros em que flor flutua,

 

perante o chafariz que ao sol amua,

eu lanço o chafariz de meu rescalto,

sem projetá-lo em orgulho para o alto,

nada pretendo que se estenda até a lua.

 

Porém há mortos sob um dos canteiros,

uma gata já velha e uma cadela

que até dormia com a minha consorte

 

e sem fazer-lhes sacrifícios verdadeiros,

combato os gatos do vizinho em tal procela,

marco o terreno com meu próprio exporte!

 

OFERTA IMPURA III

 

Caliope espreita de seu pedestal,

semicoberta pela vegetação,

não sei se vejo no olhar condenação

ou se aprova meu pagão ato brutal.

 

honestamente, foi empresa mais virtual,

algo contrário a toda a educação

que recebi.  Não se faz essa oblação,

semiblasfêmia ao mandamento triunfal;

 

porém em versos me permito ser ousado,

iguais que ousados são na realidade

esses gatos que me invadem sem recato;

 

mas à mãe-terra ofereço o meu pecado,

que assim me acolha em sua magnanimidade,

tal qual acolhe as injúrias desse gato!...

 

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