TEMPO
DIMENSIONAL I – 5 MAR 20
há cem
anos que se afirma a existência
de uma
quarta dimensão, a qual seria
esse
tempo que a todos nós envolveria
em sua
pressão poderosa de potência,
agindo
sempre sem benemerência,
que num
sentido só se moveria,
por isso
o mundo se desagregaria
aos
poucos... e igual nossa vivência...
decorre
isso da lei einsteiniana
em que o tempo
é continuação do espaço,
três
dimensões tendo este em seu abraço,
cada uma
das quais em vaivém se afana,
para
frente e para trás, para a direita
e
esquerda; e acima e embaixo enfim se ajeita.
TEMPO
DIMENSIONAL II
mas o
tempo deverá ter igualmente
três
caminhos para si, só que não os vemos:
para cima
e para baixo não podemos
nos mover
em tal tempo indiferente;
mas
havendo velocidade suficiente,
que o
tempo marcha para trás reconhecemos;
aumentado
o espaço em que vivemos
o tempo encolhe
em grau correspondente.
porém o
que acontece se à direita
do tempo
nos voltamos de repente
ou então
nos viramos para a esquerda?
o que
transcorre no tempo desta feita
e que
mudança ocorrerá na gente:
teremos
lucro ou será a nossa perda?
TEMPO
DIMENSIONAL III
naturalmente,
niels bohr logo afirmou
propriedades
do quântico mecanismo,
que
einstein encarou com ceticismo
e simplesmente aceitá-lo recusou...
de fato,
um dia mesmo confessou
que se
real pudesse ser esse modismo,
contrariaria
todo o seu relativismo
e a concordar
com tal coisa se negou...
singularmente,
no século anterior,
rutherford,
com seu modelo matemático
do espaço
e constituição atômica,
recusou
de forma igual o posterior
desenvolvimento
de einstein, enfático,
troçando
dele de maneira cômica...
TEMPO
DIMENSIONAL IV
mas se à
física quântica retomamos,
de
dimensões prevê multiplicade;
talvez
não sejam no tempo, na verdade,
porém que
em multiverso nos achamos;
perfeitamente
possível, quando concordamos
com essa
extraordinária variedade,
em alguma
delas fixa a espacialidade,
enquanto
pelo tempo caminhamos...
que
ocorreria num espaço imóvel,
enquanto
o tempo se moveria à vontade?
não há
limites para a potencialidade,
pergunta
esta por enquanto insólvel,
mas
nalgum plano há real probabilidade
das
consequências desse tempo móvel!...
VERSOS
APAGADOS I – 6 MAR 2020
Tempo
houve em que eu datilografava,
a
seis por página, os sonetos que fazia;
várias
cópias tirava e então as distribuía,
entre
os amigos, cegos versos de carbono!
Fui
sempre rápido e mesmo em abandono,
de
mim roubei as mil horas de sono,
já
não sentia dos poemas ser o dono,
mas
que esse canto a outrem pertencia...
Porém
desde aquele tempo, publicar
foi
coisa que não fez parte dos meus planos:
sempre
encarei com certo vezo de ironia
essas
minhas frases de tristeza ou de alegrar,
sem
desejar da cortina abrir os panos
desse
teatro que era pura fantasia!...
VERSOS
APAGADOS II
Com
frequência eram até bastante eróticos
esses
textos que ao redor eu distribuía
falsos
poetas pura inveja então movia,
a
criticar-me com argumentos estrambóticos!
Outros
deles sendo claramente góticos;
certa
amiga, que no museu trabalharia,
suas
cópias todas ali afirmou arquivaria,
mas
carbono ainda estimula sensos óticos?
Também
minha casa desfez-se num incêndio,
fazem
já, deus do céu!... Trinta e dois anos,
quando
perdi minha biblioteca e muito mais...
Das
composições a maior parte em tal dispêndio,
mas
numa pasta sobreviveram, soberanos,
se
desbotados, milhares desses originais.
VERSOS
APAGADOS III
Quiçá
me digam: se tivesse publicado,
talvez
em páginas de livros se encontrassem
esses
todos que em seu fulgor magnificassem,
na
mesma pira em que fui quase imolado...
porém
contesto!... O quanto foi queimado,
quais
holocaustos que se sacrificassem,
talvez
minha obra atual atrapalhassem,
quem
sabe Apollo tivesse o fogo ateado...
Afinal,
sendo ele o grego deus do Sol,
ou,
pelo menos, de seu carro o condutor,
me
poupasse para algo diferente...
para
no incêndio acender novo farol,
de
longas filas a fazer-me o transmissor,
as
quais digito, sem publicá-los realmente!
VERSOS
APAGADOS IV
Assim
me sinto de algum modo fatalista;
dessa
bagagem que ao redor se acumulou
parte
importante esse incêndio liberou,
portas
me abrindo para nova pista...
e
tanto verso se apresentou para conquista,
de
rascunhos tanto milhar se acumulou,
que
outra premência para trás deixou,
de
publicar sendo preciso que desista...
Pois
mais se esforça para tal quem muito pouco
escreveu
mas ainda almeja fama e glória;
o
“Se” de Kipling a mim muito influenciou...
E
lançamentos talvez me ponham meio louco,
esses
“versos apagados” são já história,
tempo
a roubar de cada sonho que apontou.
VERDADE MENTE I – 7 MAR 20
Quando te escrevo, me vêm naturalmente
Tantos versos de amor ou de revolta,
A minha eclusa da represa é solta
E minha torneira assim jorra decemente;
Saem versos de amor frequentemente
Sobre ilusão do passado que me volta,
Sobre esse amor presente que me escolta,
Sobre hipotético amor onipresente...
Mas se te escrevo de amor, eu sou sincero,
As frases tontas de calor a balbuciar,
Partindo alegres, no mais pleno vigor,
Porque esse objetivo não se altera:
Que dentro em ti vá minha mente sussurrar,
Querendo apenas te falar de amor...
VERDADE MENTE II
Aqui não leias “verdadeiramente”,
Porque a verdade sempre está mesclada
Com as quimeras de que foi forjada
E nenhum vulto é real integralmente.
Sinceridade até aqui se faz presente,
Mas cada frase de amor é exagerada,
Quando o seio se quer da bem-amada
E a alegoria se apresenta onisciente;
Que, afinal, onde existe nova imagem
Se já de amor há tantos séculos se escreve,
Desde Omar Khayyam, Catullo e Salomão?
Ou em Mitylene cantando com coragem
A meiga Sappho, a quem tanto se deve,
Talvez os dedos a orientar-me de antemão...
VERDADE MENTE III
Se mesmo eu de amor já escrevi tanto,
Sem de fato copiar qualquer modelo,
Salvo algum tenha inserido ao cerebelo,
Verso algum poderá chamar-se santo...,
Qualquer poema um mentiroso canto,
Feito em verdade cálida de gelo,
Feito em mentira gelada em seu apelo,
Os olhos secos derramando pranto...
Somente escrevo realmente que te amo
E tudo mais é glacê e cobertura,
Por mais que o bolo esteja cheio de doçura,
Pois em mentira verdadeira te reclamo
Em minha verdade mentirosa e pura,
Só iluminada pelo amor em luz escura...
SOLIDÃO
ONIPRESENTE I – 8 MAR 2020
tal
qual se a vida transcorresse num cenário
desprovido
de palco, um só torrão
em
que mergulho os pés, de lama o chão,
entre
a bruma que envolve o campanário;
tal
qual se a fome me saciasse um herbanário,
com
verduras e mezinhas, sem paixão
e
que seus pós me lambessem coração
e
restaurassem de vigor o meu ossário,
eu
olho da janela e sequer vejo
um
vulto a perpassar na madrugada,
mesmo
os fantasmas já se recolheram...
tomo
de leve o violino e toco arpejo,
suas
notas cristalizam-se em balada,
que
de manhã os lixeiros já varreram...
SOLIDÃO
ONIPRESENTE II
usava
a rua ser bem movimentada,
mesmo
sendo de mão única essa via,
que
a mais antiga parte da cidade percorria,
quase
na esquina há tantas décadas fundada.
cada
veículo em ronquidão desabalada,
sem
esperar que um oposto surgiria,
sempre
correndo em total desarmonia,
cada
nota que eu tocava atropelada...
mas
os transeuntes subiam igualmente
pelas
calçadas estreitas dessa rua,
outros
desciam até o cemitério...
e
eu tocava minha melodia silente,
só
escutada pela luz da Lua,
como
um monge a rezar no eremitério...
SOLIDÃO
ONIPRESENTE III
mas
de repente, nos venderam pandemia,
outro
presente que nos traz Rota da Seda
e
minha rua é solitária e queda,
que
um toque de recolher já se anuncia;
e
pela madrugada, já não mais se via
figura
alguma sem tal máscara azeda,
até
fantasma que a vida já degreda
temendo
o vírus, pelas pedras se escondia.
só
vejo, às vezes, passar algum cachorro,
na
solidão um pouco acoando desconfiado
ou
então vem algum gato, mascarado
por
seus bigodes e da doença forro,
mesmo
de dia o violino batizado
por
álcool-gel a que eu mesmo não recorro!
PANIAGUADEMIA I – 9 MAR 2020
Especialmente é a televisão
Que nos propagandeia a
epidemia
E se referem já a uma pandemia.
Que a China no mandou em galardão!
Estão ansiosos por mais emoção,
Pois já na Itália muita morte se
anuncia,
Mas por enquanto, para
mim é fantasia,
Que a morte não me bate no portão...
Claro que tenho idade suficiente
E como grupo de risco qualifico,
Mas ninguém ainda morreu nesta cidade,
Já os meus filhos têm terror
inconsequente
Nem vêm me visitar,
mas eu não fico,
Se bem não saia sem necessidade...
PANIAGUADEMIA II
Eu permaneço ainda em ceticismo
Sobre
se devo a minha própria tez
Expor aos outros, em toda a sua nudez,
Ou então guardá-la para o meu solipsismo.
Ou quem dirá? Seja só por romantismo,
Ou por qualquer maniática altivez,
O fato é que, no
início deste mês,
Não ponho arreios para mascaradismo.
Não fico preso, desconfiado dos demais:
Tudo parece propaganda
de jornais,
Se não obrigassem, nem máscara poria...
Tampouco creio em estatísticas fatais:
Talvez prefira morrer
e observar,
Bem lá do alto, se há mesmo epidemia...
PANIAGUADEMIA III
Ora, a cigana informou-me, certa vez,
Ao ler-me a mão, na
praça mais central,
Que de moléstia não sofreria qualquer
mal,
Só morreria após meus noventa e três!...
Assim confio na profecia que me fez
E mais ainda na promessa escritural:
“Cair podem mil à tua
direita, porém mal
Não chegará a ti,” nos Salmos lês...
Mas realmente, será muita pretensão
Achar que em mim
pensava já David
Quando escreveu esse salmo de confiança
E algum resguardo manterei em ocasião
Mas meu temor é ficar preso
por aqui,
A obesidade a acumular sem esperança!
Nenhum comentário:
Postar um comentário