COPEIRO
I – 27 JAN 20
Muitas
vezes, quando a louça vou lavar,
separo,
com cuidado, esses talheres
que
nessa grade coloquei do escorredor,
deixados
lentamente até secar...
E
lembro então dos homens e mulheres
que,
no passado, a idêntico labor
foram,
com tédio e cuidado, se aplicar,
na
idêntica atenção a tais misteres.
Fico
a pensar, no mesmo ideal obscuro,
em
quanto tempo inútil vou gastar,
enquanto outrem
dorme a seu contento...
Talvez
anos depois, no meu futuro,
vá
mais alguém talheres separar
e
pensará, quiçá, neste momento...
COPEIRO
II
Na
verdade, lembrar devia do presente,
em
quanta gente leva a louça agora
ou
passa água e depois põe na lavadora,
que,
em teoria, melhor limpeza assente...
Lembro
de um tempo já quase indiferente,
cem
dias mortos lá no meu outrora,
em
que pagava refeições nessa demora
de
lavar pratos dos outros, justamente...
sei
que hoje em dia, meio século passado,
paga-se
alguém para fazer esse trabalho
em
minha casa, porém ainda há feriado
ou
qualquer fim de semana, de que o pecado
dessa
obra servil a mim confere o talho,
a
Ceeletê não se achando do meu lado!...
(*) Consolidação das Leis
Trabalhistas
COPEIRO
III
Lembrei
agora que o Deuteronômio indica
uma
exceção para o Quarto Mandamento,
desde
que eu o santifique em pensamento:
“Salvo
no que se refere ao comer”, no texto fica.
Lavar
a louça, portanto, só me intica,
desde
que não me atabalhoe ressentimento,
esse
trabalho a consagrar nesse momento,
por
mais me afaste de atividade rica.
E
aqui estou eu, um septuagenário,
forçado
a lavar louça eventualmente...
Muito
melhor que deixar tudo amontoado
para
a doméstica, concluído o semanário
repouso,
renovada e diligente,
dando
um suspiro ao ver tudo já lavado!
VERIFICAÇÃO I
[30/4/2008] – 28 jan 20
Os
melhores já entregaram. Para casa
ou
para os bares foram descansar:
somente
fiquei eu a esperar
pelos
restantes, que impaciência embasa...
Já
excedi o tempo que me apraza
o
meu regulamento. Mas ficar
a
mim mesmo comando, até chegar
a
derradeira prova que me atrasa.
Eles
amarram. Ficam perguntando
as
mais simples das coisas. E parecem
nunca
ter visto um texto de informática.
Fico
no aguardo. A noite vai passando,
hora
por hora, enquanto eles se esquecem,
para
abusar da boa-vontade mais simpática...
VERIFICAÇÃO II
No
ano seguinte, acabou-se essa mamata:
perdeu
as eleições o meu amigo
que
era então reitor. Saí consigo,
aposentado
bem além da hora exata...
meu
filho assumiu, desde essa data,
as
aulas que eram minhas, porém digo
que
nunca deu à paciência tanto abrigo
como
esse que meu peito sempre acata...
Sei
bem porquê... De fato, tinha pena,
não
me importava que tantos abusassem
e
finalmente solitário me deixassem
somente
com o porteiro nessa cena...
Na
leitura de algum livro, diligente,
eu
esperava, ainda sorridente...
VERIFICAÇÃO III
Depois,
descia para casa a pé
as
longas ruas, perigo não temendo,
bem
conhecido na cidade sendo,
conhecedor
desse lugar, até,
em
que os drogados manifestassem fé
nesse
deus deles de poder tremendo,
suas
concentrações igualmente conhecendo,
naquela
praça da igreja no sopé...
E
assim descia, sem maior dificuldade;
um
conhecido vez que outra a acompanhar,
esperançoso
de fazer-me confissões...
Noutros
momentos a demonstrar liberalidade
a
algum mendigo que viesse me abordar
ou
a repelir de certas damas atenções...
VERIFICAÇÃO IV
Embora
alguns do oposto advertissem,
as
ruas desertas são bem mais seguras;
já
de longe se percebem essas impuras
intenções
com que é possível me afligissem;
mas
sem dar tempo para que convergissem,
já
dobrava na esquina contra um muro;
mas
foi tão raro encontrar algum perjuro
ou
quaisquer que então me perseguissem...
Quem
eu achava com frequência era a mim mesmo,
em
outras noites descendo a mesma rua,
pobres
fantasmas que eu podia atravessar...
sempre
mais lentos, caminhando a esmo,
sob
a luz morta de uma morta lua,
mortos
de mim, mas sem jamais me ameaçar...
RICERCARE I – 29 JAN 20 (30 JUN 79)
Nos encontramos apenas meio instante:
então nos rebrilhamos, em gesto
lampejante
e nossos corpos nus, nesse esplendor
constante,
luziram de louvor, no rítus do
semblante.
Nós dois nos espelhamos na mágoa dos
olhares:
nós dois nos consolamos, recíprocos
altares,
em bálsamos benditos, em gestos
tutelares
de carne amando a carne em meigos
deslizares.
E agora que esta hora pertence a
nosso outrora,
desengajado o corpo, a mente se
demora,
querendo recobrar a mesma
exaltação...
Mas ela já partiu, também chegou
sua hora,
No morno gesto azul de tão
brutal aurora,
estraçalhando ao vento a mente e
o coração.
RICERCARE II
Estraçalhando ao vento a mente e o
coração
nas cem lembranças da antiga
exaltação,
ainda viva dentro em mim toda a
emoção,
sempre presente a surpreendente
sensação.
É tão estranho que a a dor vá
diminuindo,
o maior dom do biológico possuindo,
que sua lembrança vá-se aos poucos
contraindo,
toda a saudade e seu rancor se
diluindo,
porém em mim descubro que do amor
nutrido em ontens, hoje ainda está
presente,
a primavera no outonal subjacente.
E se me ponho a redigir novos
sonetos,
é que o recordo inteiramente em seu
ardor,
porém dos males já me esqueci
completos...
RICERCARE III
Porém dos males já
me esqueci completos,
até recordo de
alguns ciúmes indiretos,
de alguns rancores
mastigando desafetos
ou mesmo da saudade
os mortos fetos...
Mas não são mais do
que recordações,
tal como o olfato
relembra as sensações
de um dia de chuva,
mas não as posições
que o corpo inteiro
ocupou nas ocasiões...
Não sei dizer se
isto acontece por igual,
entre os demais
sendo apenas natural:
que o som do amor se
apague derradeiro,
que o tom do beijo
preenchesse todo o ar,
que a cor do abraço
te pudesse acalentar,
mas bem queria que
o sentisses por inteiro...
RICERCARE IV
Mas bem queria que
o sentisses por inteiro,
que dos beijos de
amor todo o luzeiro,
mais do que as
marcas sobre o travesseiro,
permanecesse a
conservar seu cheiro,
nas faldas da
lembrança de teu peito,
que do ato de amor
todo o direito
permanecesse dentro
da alma afeito,
muito mais que
frias dobras de teu leito...
Para ti escrevo,
que já foste amante
ou para ti que só
afagaste teu desejo,
gozada ou não a
lembrança de algum beijo,
igual que brilha
dentro em mim constante,
quando nós dois, em
zodiacal ensejo
nos encontramos
apenas meio instante...
ITERAÇÃO I – 30 jan 2020
Não sinto ânsia de publicar meus versos,
esta é uma urgência que nunca me acomete,
nem espalhar tais versos qual confete
pelos esgotos sob sargeta imersos;
eu os reservo apenas aos conversos,
a quem pareça que meu verbo afete,
ou porque goste ou sinto que lhe espete
a hipocrisia de alguns ideais dispersos;
não sou apóstolo, transmito por impulsos
o meu querigma, talvez por desfastio
e a cada um que envio, eu guardo vinte,
no aleatório transmitir desses avulsos,
em que oscilo na impotência de meu cio,
a surpreender, talvez, meu próprio acinte.
ITERAÇÃO II
Agora haverá suspeita algo maior
que lá no fundo de fato eu quereria
e mil eucaliptos em polpa tornaria,
até que a gente soubesse alguns de cór...
que após a morte eu vire antologia,
das almas sofrendo derisão menor,
que então já me plagie um seguidor,
outros tantos a entoar minha elegia.
mas nisso que eu falo e que repito,
nessa temática aborrecendo a quem me ler,
eu sou honesto e se tais versos digito
é por sentir que esse talento violento
que tanto exige não deva se perder,
mas se evolar na vastidão do vento.
ITERAÇÃO III
Assim me atrevo, outra vez, a repetir,
de aborrecer a mim mesmo corro o risco,
que as mil ovelhas desse meu aprisco
alguma coisa me compele a distribuir;
e o próprio fato de querê-las imprimir
implicaria em cem deveres como o visco;
onde acharia o tempo, quando pisco
e já me atraso mais um pouco em redigir?
Mas como sinto que o talento que me impele
não me pertence, que os versos não são meus,
mas tão somente um tesouro por que vele,
então me obrigo em meu teclado a digitar
dos mais sinceros aos mais tolos fariseus,
enquanto a mente prosseguir a funcionar.
SONHO GNÓSTICO I – 31 JAN 2020
FICO SENTADO À BEIRA DE MINHA CAMA,
OBSERVANDO O MOVIMENTO DE MEUS OLHOS,
ENQUANTO CATO, TRANQUILO, ESSES
PIOLHOS
QUE EM VERSOS SE TRANSFORMAM PARA A
DAMA;
CAEM AOS POUCOS NA PALMA QUE RECAMA,
NÃO DO COURO CABELUDO NOS ESPÓLIOS,
MAS DO INTERIOR DA MENTE SOBRE
ESCOLHOS
QUE TÊM AS PÁLPEBRAS EM LACRIMADA
CHAMA.
TALVEZ NÃO GOSTES DA SÍMILE, MAS
OCORRE
QUE TUDO SERVE PARA MINHA INSPIRAÇÃO
E SE ALGUM MEDO EU TENHO, É REPETIR
QUALQUER POEMA QUE NO PASSADO MORRE,
MAS INSISTINDO EM NOVEL REVELAÇÃO
NESSES MOMENTOS NOS QUAIS QUERIA
DORMIR.
SONHO GNÓSTICO II
OCORRE QUE JÁ TANTOS SE ESCREVERAM,
SENDO LANÇADOS NAS MALHAS DA REDE...
DE FORMA ALGUMA, PORÉM, ISSO ME
IMPEDE:
HÁ TANTOS ANOS QUE MUITO POUCOS
LERAM;
A MALHA DESSES QUE ANTES RECEBERAM
ERA DE FATO BEM MENOR ADREDE;
MAIS DO QUE ISSO, A MENTE É QUE ME
PEDE
QUE TRAGA À LUZ ESSES QUE FALECERAM,
POIS QUANDO VEJO MUITO POEMA ANTIGO,
SÃO, AFINAL, TALVEZ QUARENTA MIL,
PERANTE MUITOS DELES ME SURPREENDO,
DA CAMA À BEIRA A MEDITAR COMIGO:
QUEM DESSES TANTOS FOI O REDATOR
SERVIL,
MORRI NAQUELE TEMPO E NÃO COMPREENDO?
SONHO GNÓSTICO III
FUI EU MESMO O DIÓSCURO A COMPOR
TANTAS ENCÍCLICAS CONTRADITÓRIAS DE
TEOR,
TANTOS SONETOS DE ERÓTICO LOUVOR,
TANTAS PIADAS QUE IMPINGI SOBRE O
LEITOR?
MAS QUANDO SOBE DO TECLADO ALGUMA
IMAGEM
DO TEMPO VELHO, RENDO-LHE HOMENAGEM,
REVISO AQUI, CORTO ALI, NUMA TRIAGEM,
DUAS OU TRÊS A COMPLETAR A SUA
MENSAGEM.
ASSIM LHE DOU UM NOVO COMPLEMENTO
E LHE CONCEDO MODERNIZADO ACENTO,
BEM MAIS TÍMIDO MEU ATUAL
ATREVIMENTO,
BUSCANDO DAR-LHE CINCO NÍVEIS DE
SENTIDO,
ANTES DE À REDE SER RECONDUZIDO,
JÁ QUE O PRIMEIRO SE PERDEU NO
OLVIDO.---
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