ARGÔNIO I – 24 FEV
2020
entre os gases que respiro, está
o argônio,
um desses gases que apelidaram nobres;
entre as flores que vejo, dos mais pobres
são os corimbos do humilde pelargônio.
serão seis, hélio, argônio, kriptônio,
se por acaso os outros seis me cobres,
em tua premência exigindo até que
dobres,
serão neônio, radônio e enfim
xenônio...
dependendo do lugar ou do momento:
chamam também de gerânio e de malvão,
mas o gerânio me desperta sentimento
por seu perfume humilde e meio agreste
e pelas flores desfolhadas com que despe
o veludo de suas pétalas ao vento...
ARGÔNIO II
por “kriptônio” entende-se “escondido”,
do grego kryptos, que ainda “falso” pode ser;
a língua helênica pretendia ter poder
de o nome dar a quanto é conhecido...
e certas vezes, foi o nome produzido
para indicar, antes até de conhecer,
categoria ou sentimento que se quer
dominar por esse nome que é
atribuído...
mas quem já leu revistas em quadrinhos
conhece o Super-Homem e sua fraqueza,
essa pedra que chamaram kryptonita,
de seu planeta, Krypton, os pedacinhos,
a lhe roubarem os poderes que ele preza,
sua Lois Lane deixando toda aflita!...
ARGÔNIO III
naturalmente, o antigo roteirista,
por acaso, ouviu falar em kriptônio,
mas conhecendo somente o gás neônio
para o nome de seu planeta teve a
pista...
pois tantos comerciais a gente avista,
das ruas da cidade o patrimônio,
em cores de néon, porém não de argônio,
de outros tantos tem o flúor a
conquista...
de fato, o argônio é bem mais abundante,
quase um por cento da gasosa atmosfera,
muito empregado também para soldagem;
mas tambem o pelargônio é bem constante
e respirando argônio não se altera,
humildes cores mostrando com vantagem...
AMORES
VELHOS I – 25 FEV 20
se
às vezes falo dos amores velhos,
cujas
faces até somem da memória,
não
julgues que me porto como a escória
que
tem prazer em olhar-se nos espelhos.
não
o meu rosto, recordo seus artelhos,
em
doce suavidade persuasória,
da
gentileza talvez mais merencória
do
contorno curvilíneo de seus joelhos...
não
se trata de gabar-me de quem tive;
bem
ao contrário, sinto é gratidão:
que,
por instantes, o seu coração
compartilhassem
comigo quando estive
gozando
a dádiva quase incompreensivel:
que
me quisessem nesse instante incrível!
AMORES
VELHOS II
pois
guardarei, enquanto a mente vive
cada
momento dessa obscura glória
e
se me olho, busco na memória
de
quem o traço que na face sobrevive,
sei
cada amor do passado em mim revive
uma
marca no rosto de sua história,
alguma
marca talvez peremptória,
alguma
marca que talvez se esquive,
mas
todas me marcaram de algum modo,
nunca
se fica incólume ao amor,
quer
seja amargurado ou então feliz,
e
nesse espelho já marcado pelo lodo,
encontro
aqui beijo leve e sem ardor
e
noutro ponto esse beijo que mais quis.
AMORES
VELHOS III
será
que também nelas deixei marca
e
se as buscam ainda com temor
ou
na esperança de conservar calor
daquele
instante que só o antanho abarca?
será
que encontram pingente de uma parca
memória
ardente destituída de favor,
memória
pálida de apenas amador
que
não as soube amar em tal fuzarca?
adolescente
apenas nesse instante,
tal
quais adolescentes também eram,
uma
ou outra qualquer mais experiente,
será
que buscam na derme do semblante
qualquer
ciúme ou rancor do que fizeram
para
deixar-me e depois seguir em frente?
DEUSES VELHOS I – 26 FEV 2020
Versos estranhos até a meus próprios olhos
São estes que te escrevo e não te mando,
Na ladainha de salmos, o mais nefando
Dos sacrifícios jogados aos escolhos...
Mas se ao menos te enviasse estes meus fólios!
Porém não saberás por onde ando,
Nem a quem posso estar meus versos dando:
Meu coração não quer tesouros nem espólios,
Aos quais não busco, pois sequer ainda espero
Ou jamais pombas imolo à idolatria,
Que os mortos deuses meu sonho satisfaçam;
Tão somente te escrevo e nada gero,
Nem ao menos que num passe de magia
Essas lembranças de teus beijos se refaçam.
DEUSES VELHOS II
Não construí para mim um ziggurath.
Como Nimrod, os céus a desafiar;
Com pedras brutas nunca ergui altar
Que aos sacrilégios servisse como engate;
Meu logros todos guardei num açafate,
Feito de vime, em que os possa perscrutar;
De quando em vez, algum fracasso vou buscar,
Seus arames a entortar com alicate...
Talvez acerte assim a forma certa
Que aceitariam os deuses dos sumérios,
Ou me levasse a cruzar ponte dos germanos,
Essa Bifrost para mim
jamais aberta,
Não sou herói com tantos despautérios,
Brunhilde busca só guerreiros soberanos.
DEUSES VELHOS III
Mesmos aos quetônicos deuses mais antigos (*)
Não ergo preces, qual no passado não ergui,
De uma deusa só o amor pedi
E só a ela ofereci meus dons mendigos;
Nem flores deporei nesses jazigos
Dos deuses novos que não reconheci:
Nenhum dos santos ou madonas escolhi,
Somente os deuses da Trindade meus amigos...
Mandei a ela um puro amor de idolatria,
Em tola súplica por beijos e carinho,
Essa que um dia tripudiou no meu caminho
E nestes versos mostro plena minha heresia,
Pois com rascunhos ergui minha catedral:
Frases de pedra muito além do bem e mal.
(*) Deuses ctônicos, de Cthon, a Profundeza da Terra.
SONHO VELHO I – 27 FEV 20
Vivem os sonhos no interior de minha cabeça,
São inacessíveis e não podem se tocar;
Mas com um sonho consigo conversar,
Com seus sorrisos a responder não cessa;
Desde que te encontrei, não mais se engessa
Sonho de ouro em argamassa a transformar;
És sonho vivo e contigo posso andar
E tua opinião escutar sempre que a peça...
Sei que é provável que julguem ser bisonho
Este colóquio meu com sonho antigo,
Que descobri na gaveta de escaninho;
Que ninguém mais dialogar possa com sonho,
Porém este a que na mente dei abrigo
Mantém diálogo entre a razão e o seu carinho.
SONHO VELHO II
O fato é que este sonho é quase antigo
Quanto sou eu – é um sonho adolescente,
Amassado contra o fundo permanente
Desse escaninho, não cresceu comigo.
Ficou sozinho, realmente num jazigo,
Porém sem morto ser e nem vivente,
Memória apenas de um ideal luminescente...
Mas encontrado, demonstrou-se ser amigo
E conversamos sobre décadas passadas,
De fato, em outro século inseridas,
Que eu, realmente, nasci na maior guerra,
Nasceu o sonho entre as Coréias deflagradas,
Por soldadinhos de chumbo repetidas,
Nesses desfiles que minha infância encerra.
SONHO VELHO III
Contudo, nem eu, nem ele percebemos
Que fora essa prisão que o conservou
No fundo do escaninho ele se achou,
Não fez-se múmia quando nos perdemos,
Em hibernares permaneceu pequenos
E desse modo mais velho não ficou:
À sua maneira, também ele sonhou,
Sonhos de sonho em oníricos acenos...
Pois quando veio à luz, compartilhou
E em tal confabular dialogamos,
A adolescência qual tapete me estendeu...
Mas cada dia de minha vida retornou
E ao lhe contar, enfim, meus desenganos,
O pobre sonho, pouco a pouco, envelheceu...
DIMENSÕES DO SORRISO I – 28 fev 20
Há muitas formas de se mostrar sorriso,
na maior parte, em dimensões sociais,
sorrindo a gente por motivos materiais,
alguma vez um arreganho até de aviso,
que se demonstra claramente nesse inciso,
mas carrancas contravenções serão fatais,
quer seja um olhar escuro por demais,
enquanto os lábios falseiam esse riso.
Existe um de tal modo incisivo,
os lábios ao redor arreganhados,
é mais um meio de exibir a dentadura,
nele o orgulho plenamente ativo,
vaidade e falsidade revelados,
bem ao contrário de mostrar sua formosura.
DIMENSÕES DO SORRISO II
Não é o sorriso um costume universal,
algumas vezes até sugere uma ameaça
mostrar-se os dentes, tal como a fera espaça
nos intervalos entre rugido mais formal...
já muito explorador sofreu tal mal,
por ter sorrido para tribo por que passa:
há uma surpresa e talvez, por sua desgraça,
logo uma lança se brande triunfal.
É bem difícil esse mal se diluir,
mal-entendidos mesmo entre nós surgem,
por um sorriso a falsidade introduzir,
igual que o beijo mais hollywoodiano,
contra o qual as convenções se insurgem
e só o cinema o difundiu sem maior dano...
DIMENSÕES DO SORRISO III
A gente pode sorrir por simpatia,
ao contemplar as travessuras de criança;
para uma flor sorriso igual se alcança,
para o sol posto que ao horizonte se irradia,
para um livro em que frase se leria,
para música suave de esperança...
e algum sorriso existe sem bonança,
ao se saber que desafeto algo sofria...
Existe mesmo sorriso até de medo,
que se mostra contra quem nos assedia,
ou um sorriso de irônico segredo,
ante a tolice que um amigo cometia
ou o sorriso lunar em seu albedo
quando da Terra um sorriso pressentia..
DIMENSÕES DO SORRISO IV
Mas nem todo sorriso é desonesto,
nem tampouco ante o espelho praticado;
com dimensões outras é empregado,
para um estranho um sorriso mais modesto,
para um amigo um sorriso bem mais lesto,
para um amor um sorriso apaixonado,
para um filho um sorriso deliciado,
para os irmãos, geralmente, sendo honesto.
Mas entre todos os sorrisos vejo o teu,
até mesmo se ante o espelho me debruço
e se meu rosto um tanto desagrada,
mostro ao reflexo um sorriso meu,
para o teu rosto maior sorriso aguço,
que só se pode mostrar à bem-amada...
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