A
PELE ADQUIRIDA I – 16 MAR 21
O
que mais conta é a maciez da pele
Contra
a polpa dos dedos, o veludo,
O
terciopelo morno, o manso escudo
Que
protege sua derme e que ainda expele
A
redolência doce e que martele
Minhas
pupilas, a lhes impor, em tudo,
A
identidade alheia em que me iludo
Nessa
santa exploração que a carne vele.
As
linhas de minha mão trazem destino,
Que
é esse de encaixar-se às curvas dela,
Em
tal massagem, que percebo enfim que sou;
Ela
me tange, eu sou badalo e sino,
Minha
garganta se fecha ao pensar nela:
Santa
a epiderme com que me consagrou.
A
PELE ADQUIRIDA II
Se
fôssemos vampiros em um só caixão,
Abraçados
por uma breve eternidade,
Apartados
do comum da humanidade
E
enrodilhados numa só paixão;
E
se com o tempo viesse a podridão
Da
madeira da tampa, e em realidade,
Por
pouco mais do que casualidade,
Fosse
extinguida a nossa proteção
E
finalmente se rachasse esse suporte
E
a luz do sol, para nosso malefício,
Nos
penetrasse a tétrica guarida,
Te
cobriria, porque sou mais forte
E
não me importaria o sacrifício,
Se
com minha morte te ganhasse a vida.
A
PELE ADQUIRIDA III
Não
é somente epidérmico este amor,
Pois
se encontra entranhado na garganta,
Nos
brônquios e no esôfago descanta,
Percorre
a carne em todo o seu fulgor.
É
um impulso de endógino calor
Que
brota de meus dedos e te espanta;
Não
há amor maior, nem se alevanta
Que
a energia que no sangue tem valor.
Não
mais te sinto assim ser carne alheia,
Por
cissiparidade, retornou-se a união,
Por
divisão, houve o encontro da harmonia
E
eu te darei minha força quando és fria,
E
no sistêmico esplendor desta alegria,
Te
abraçarei em diastólica paixão.
A
MORTE ADQUIRIDA I – 17 MAR 2021
Pois
já me vacinei. E logo com a chinesa,
Das
que se acham por aí a menos eficaz,
Mas
é preciso aceitar o que o governo traz,
Muito
em especial nestes tempos de incerteza!
Pois
até me vacinei! No próprio dia treze,
Não
que acredite de fato que haja azar,
Com
seus efeitos já me soube acostumar,
Não
é pior que outros dias que se preze!...
Fiquei
no meio de uma turma de velhos,
Todos
parados bem no olho do sol
E
a longa fila não andava, realmente!
Por
solidariedade, que nem escaravelhos,
Os
da frente se embolaram em caracol,
Mandando
a fila às favas, simplesmente!...
A
MORTE ADQUIRIDA II
É
até possível que nessa sindicância
Muitos
de nós a morte adquirissem,
Que
uns aos outros em suspiros transmitissem,
Recamados
de suor, sem elegância...
Só
imagino, nesta presente instância
Por
que razão autoridades permitissem
Que
os grupos de risco então se vissem
Acolherados
em tão sinistra circunstância!
Já
fazem dias e este pacato sedizente
De
vítima possível... ainda aqui respira,
Sem
a luz do sol e sem a espera o abalar...
Mas
seu coração permanece ainda fremente:
Quando
outra dose pela cidade gira,
Em
nova fila decerto o hão de colocar!
A
MORTE ADQUIRIDA III
Nem
todo o céu azul nos dá alegria,
O
sol queima a pupila em seu ardor
E
nos estufa de ciano o seu calor,
Cujos
efeitos o anil em nada esfria!...
Nem
todo o sol assim nos traz poesia,
Somente
o vento ameniza o seu fervor;
Se
não há nuvem, nos arde a própria cor
E
o azul se esgota no marinho que assobia...
Há
no crepúsculo bem maior beleza,
Pois
se percebem os tons da carnação
Nessas
riscas de um ocaso multicor
E
sob um céu meio grisáceo, com certeza,
A
bela escala de cinza em variação
Nos
invade muito mais em seu palor...
A
MORTE ADQUIRIDA IV
Será
que quando segunda dose receber,
Seja
sem luz ou sob luz brilhante,
Cargas
de vírus mortos nesse instante,
Vai
meu sistema imunológico sofrer?
A
oportunidade irá de novo me acorrer,
Não
de cura, mas de morte triunfante,
Depois
virá final ainda inquietante:
Alguma
doença após a morte posso ter?
Não
acredito ganhar mais raios de sol,
Nem
das gotas da chuva o seu frescor,
Não
que me assombre a ideia de morrer,
Quer
haja ou não do outro lado algum farol,
Mas
tampouco a buscarei como um favor,
Mesmo
de graça do governo a receber!...
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