MUDEZ ELÉTRICA I (2008)
Que pensa o pão, quando ele é devorado?
Que pensa a água, quando ela é deglutida?
Que pensa a besta, na hora em que é abatida?
Que pensa o trigo, mo minuto em que é
ceifado?
Que pensa a chama, quando é extinguida?
Que pensa o ar, quando se vê aspirado?
Que pensa o solo, quando é pisoteado?
Que pensa a chuva, quando é corrompida?
Que pensa o inseto, sempre que esmagado?
Que pensa a luz que gastamos ao olhar?
Que pensa o som que acabamos de escutar?
Que pensas tu, ao seres explorado?
Que pensas tu, no momento de pagar?
Que pensas tu, se te executam devagar?
MUDEZ ELÉTRICA II (11/12/2009)
Como é fácil alguém achar-se nobre,
quando discorda do que quer a maioria!...
Quanta vaidade em tal certeza fria,
quanto desprezo por aquilo que é mais
pobre!
Como é fácil afirmar que se recobre
uma amplidão maior no dia a dia,
quando se pensa saber que mais se cria
que a mente alheia conseguir descobre!
Eu cá sei muito bem não ser melhor
do que os demais. Percebo-me
escolhido
por um poder maior que assim me guia.
Qual seja esse poder, eu sou menor,
não mais que carpinteiro tenho sido,
juntando as peças e a martelar poesia.
MUDEZ ELÉTRICA III
Desespero, companheiro de minha vida,
suave tantas vezes... mais intenso
em tal suavidade; e hipertenso
nesse momento em que assisto a despedida
de mais uma ilusão, outra acolhida
a que alimentei, vesti, mostrei-lhe a
crença
por onde andar devia, caso sua imensa
exaltação quisesse retribuída,
pelo que tinha a dar. Porém é ingrata
cada ilusão. Fiel é o
desespero:
elas se vão, uma a uma, sem me olhar.
Só permanece comigo quem me mata;
da zombaria meu alegre companheiro,
que ao sepulcro irá flores me levar...
MUDEZ ELÉTRICA IV – 9 fevereiro 2021
Perguntou a romãzeira à jardineira:
"Por que rosas não tens em teu
jardim?"
"Tenho petúnias, hortênsias, de jasmim
mais de uma qualidade, romãzeira..."
E retornou a romãzeira, a quem cuidava
desse jardim, em que se erguia esguia:
"Mas rosas eu não vejo, noite e dia,
será que a rosa tão depressa
espetalava...?"
E respondeu-lhe a dama do canteiro:
"Não quero rosas, porque têm espinho
e seu perfume é muito enganador...
Prefiro as flores cujo odor eu cheiro,
sabendo que amanhã darão carinho,
enquanto a rosa emurchece no calor..."
MUDEZ ELÉTRICA V
Tenho certeza de que a certeza apenas
é uma incerteza... De tudo duvidar
me serve de consolo, em meu andar,
pois não preciso acreditar nas penas
por que passei e passo, por centenas,
que me fizeram a alma estilhaçar.
Se duvidas das penas, lamentar
não mais precisas... São somente as cenas
de uma peça mal posta no cenário,
que foi boa de assistir, mas não durou,
depois que do teatro me afastei...
E assim amor, o dote multifário,
em que não creio, nunca me magoou,
nas vezes em que outrora o experimentei.
MUDEZ ELÉTRICA VI
Amor é um dote qual pão consagrado;
amor é o líquido de qualquer aguada;
amor é a besta por faca desventrada;
amor é o trigo no coração ceifado;
amor é a chama por nós sendo assoprada;
amor é o ar do céu por nós furtado;
amor é o solo sob o pé do ser amado;
amor é a chuva nas costas ensopada;
amor é o inseto por nós desprezado;
amor é a luz que permite o enxergar;
amor é o som melódico a escutar;
amor é o corpo por nós sendo explorado;
amor é o ventre quando penetrado;
amor é o órgão desse penetrar...
MUDEZ ELÉTRICA VII – 10 fev 2021
É o pão do amor que nos tem devorado
quando pensamos tomá-lo para nós;
amor é o pão que nos amarra em nós,
quando pensamos tê-lo desatado;
amor é o pão supérfluo do pecado,
quando o notamos, já estamos sós;
amor é o esmagamento de mil mós
em que esse pão do amor é esfarinhado;
amor é a água contida na saliva,
que mais que qualquer outra dessedenta,
nesse perigo do beijo irresistível;
amor é a água contida em boca esquiva,
nesse momento feito de tormenta,
mais do que qualquer outro perecível...
MUDEZ ELÉTRICA VIII
Amor é a carne semi-decepada
nesse momento em que termina o beijo;
amor é a alma de suspenso adejo,
nesse momento em que de outra foi cortada;
amor é a lástima da chispa condenada,
final momento de saudade e pejo;
amor é o sentimento em que me aleijo,
quando minha espera é reduzida a nada;
amor é o tempo terrível de um momento
em que a alma inteira explode num botão,
suas pétalas a reluzir em sacramento;
amor é a arritmia dentro ao coração,
essa falta de ar cheia de alento,
que reverdesce dentro do pulmão...
MUDEZ ELÉTRICA IX
Amor é a peculiar exultação
do poema suspirado na mudez;
amor é só palavra de prenhez,
emaranhada em vinhas de emoção;
amor é essa nudez da aceitação
que descorrompe o ato que se fez,
o choque elétrico da primeira vez,
transmutado em gentil eletrocução;
amor destarte é a tal mudez elétrica,
em que somos percorridos como fios,
a luz azul que dança nos mamilos;
a fé perfeita de uma vida cética,
postos de lado os valores mais sombrios,
o pão trazido de escondidos silos...
MUDEZ
ELÉTRICA X – 11 fev 21
Amor
é a punhalada mais profunda,
esse
grito pungente da mudez,
elétrico
arrepio ante a nudez,
lança
de mim em tal lagoa funda,
que
nos afaga de emoção jocunda,
que
nos enterra em indolente grês,
que
a vida matou e logo após refez,
louca
emoção sistêmica e corcunda;
amor
é retilínea e franca nitidez,
melíflua
e sorrateira como gata,
em
seu disfarce de quem nada quer,
no
destemor de qualquer desfaçatez,
que
todo o resto do mundo desacata,
pena
do homem e anseio da mulher!...
MUDEZ
ELÉTRICA XI
É
nesse amor que a alma nos recobre,
que
se reveste de vestes de nobreza,
que
nos disfarça as nuances da vileza,
amor
egoísta de um tesoureiro pobre;
correspondido,
é como um sino em dobre
a
quem ao lado não tem igual certeza:
dois
são felizes em jóia de pureza,
gozada
inteiramente, sem que sobre
ao
menos para outro igual ventura,
mas
amor correspondido tem um preço
que
não é pago pelos dois amantes,
mas
que nalma de terceiros se pendura,
ao
invés de ouro, um coração de gesso,
nesse
terceiro ponteiro dos instantes...
MUDEZ
ELÉTRICA XII
Caso
esta série, amiga, te chocou,
não
há nada de espantar: amor é choque,
na
elétrica mudez do ausente toque
desses
lábios que somente outrem beijou;
mas
mesmo quando desilusão se achou,
ainda
é belo o amor em tal enfoque,
nesse
desdém escarlate de remoque,
brilha
o rubi de quem sabe que amou;
mudez
elétrica de quem não confessou
a
intensidade de sua palpitação,
que
lhe traria, talvez, felicidade...
Mas
que no choque da mudez ficou,
tendo
o consolo tão só dessa ilusão
a
que costumam apelidar “saudade”!...
A SOLIDÃO PATERNA 1 – 12 FEV 21
Às vezes penso que o velho Pai
Adão,
Que os nomes deu a tantos
animais,
Denominando igualmente os
vegetais,
Se ressentia por não ter
irmão!...
Narra uma lenda que Deus criou
Lilith,
Anteriormente que surgisse Eva;
Que foi Adão pai de monstros não
se atreva
Qualquer gaiato falar que a troça
incite;
Mas essa lenda tem também outra
versão:
Que Lilith concebeu monstros de
fato
E que então vivia com Adão nesse
boato,
O que me deixa com certa
inquietação!
O Pentateuco não menciona, é bem
verdade,
Essa Lilith desprezada por Adão,
Registra apenas a primeira
geração
Dos ancestrais de nossa
humanidade;
Mas depois que Adão foi operado,
Dele saiu sua legítima mulher
E os filhos que ela teve a gente
quer
Terem saído igualmente de seu
lado!...
A SOLIDÃO PATERNA 2
Desse modo, o Pai Adão foi mãe e
pai,
Essa costela de seu ventre fazia
parte,
Mas de tais comentários não se
farte
A tropa humana que pelo mundo
vai!...
E sempre existe a confusão do
umbigo:
Teria sido moldado nesse barro
Essa marca que marcou o nosso
jarro,
Que cada um de nós porta consigo?
Ou Adão só ostentava um ventre
liso,
Por jamais ter cordado o
umbilical?
Teria Deus por motivos de ritual,
Posto Seu dedo em tal lugar
preciso?
Só assim Adão nasceria com tal
marca,
Sendo de Deus à semelhança e
imagem;
Teria Deus feito então a
perfuragem
Que até Seu corpo divinal abarca?
Ou o Pai Adão seria desprovido
Desse sinal a indicar
mortalidade:
Todo o que nasce perece em certa
idade,
Também o Gólem que por Jeová foi
esculpido?
A SOLIDÃO PATERNA 3
Em parte alguma encontrei
informação
De que sendo ele criado por
Judeus,
Um umbigo lhe pusessem esses seus
Criadores ao lhe darem
formação!...
Porque o Gólem é de barro igual
Adão,
Do pó da terra, segundo as Escrituras;
Sendo criado por mãos divinas
puras,
Qual foi o líquido acrescentado
na ocasião?
É bem provável que os rabinos do
Talmude
Já tenham esclarecido esta
questão;
Desconhecidos para mim contudo
são,
Só sei das letras que o protegem
de olhar rude!
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