terça-feira, 30 de março de 2021


 

 

 PEAN POR MIM I (*) – 26 MAR 2021

(*) Canto Fúnebre

 

Não sei de onde tirei este meu sonho,

dominado pela plena insensatez;

reviso em vão os cantos em que ponho

recordações revoltas de aridez.

 

Mirando o inconsciente, vez por vez,

não encontro o sonho que se perdeu no antanho;

como um tolo fatalmente já me vês,

a me esforçar empós ideal tamanho...

 

Nunca fui solipsista, o mundo

solidificou-se em crua realidade,

forçando sua firmeza em profusão;

só brota então o meu ideal profundo,

singular de elasticismo sem maldade,

da disritmia tenaz do coração.

 

PEAN POR MIM II

 

Não tenho antepassados espanhóis, porém

os tenho catalães, bascos, galegos,

de Trás-os-Montes, Portugal, também,

mas não tenho castelhanos nem manchegos.

 

Meus ancestrais me fitam de olhos cegos,

envoltos em mortalhas, quando as têm,

transformados em ossos seus sossegos,

caixões vazios que nem mais cinzas retêm.

 

Outros vieram de locais distantes,

Suiça, Irlanda, França e Alemanha,

Itália e Líbano, dos Bálcãs e nem sei

quais outros pontos mais, os visitantes

destes meus sonhos, deneás em artimanha,

dos mais antigos que eu nunca saberei.

 

PEAN POR MIM III

 

Porque a lâmina descende e o sonho corta,

em talho limpo e fino, sem demora,

não mais o suserano, como outrora,

vassalo agora só da morte.  A foice torta

 

desfaz o ideal, toda esperança importa,

na asserção executiva dessa hora;

tomba a cabeça do sonho que se estoura

contra o assoalho do real e o corpo entorta.

 

Resta agora recolher neste ataúde

da realidade as quimeras recortadas,

que ainda estremecem em réplica de vida;

que ainda morto, o sonho ao mundo ilude,

pálidas sejam as bênçãos degoladas,

suas mãos atadas por ilusão perdida.

 

NA ILUSTRAÇÃO PATRICIA NEAL,

ATRIZ DA ÉPOCA DE OURO DE HOLLYWOOD

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