SEDE TARDIA I – 24 JAN 2021
Em minha ambição tola, até aguardei
que me viesses procurar um dia;
à tua procura eu ir não me atrevia,
que ainda não sei o quanto te direi,
pois esta fome de ti que experimentei
foi uma sede de amor branda e sadia,
mas que em minhalma apenas pressentia:
ficarei calmo e apenas te ouvirei.
Pois nada sei de ti, só sei que és bela,
que teu sorriso me tranca na garganta,
que perco a expiração só de te olhar.
Nem saberei dizer quanto é singela
essa emoção que no peito me descanta,
sem que saibas jamais de meu cantar.
SEDE TARDIA II
Por pouco tempo somente conversamos,
na vernissage de quaisquer pinturas,
nossa palestra sendo das mais puras,
nada de amor ao menos mencionamos;
esperavas talvez os meus reclamos,
que a iniciativa no geral procuras
de qualquer homem, por mais que sejam duras
as condições para possíveis planos.
E eu realmente apenas te entrevia,
Interrompidos por outras pessoas,
pelo olhar calculista dessas damas,
suspeita tola, já que nada havia,
senão a troca das frases mais atoas,
nessas amigas falsas que nem amas.
SEDE TARDIA III
Tomamos vinho ruim e salgadinhos
que pareciam talvez cacarejar,
de nenhum frango me quero alimentar,
por carne alguma tenho meus carinhos;
e derramei até pingos pequeninhos,
mesmo que vinho não possa me afetar,
o que me perturbou foi teu olhar,
ao derredor olhares mais mesquinhos.
E já no fim, na hora de partir,
bem de repente, surdiu em mim anseio
que nem ao menos consegui manifestar.
Então te foste, para não mais vir,
e eu me fui, sem nem beijar teu seio
e apenas tua mão pude apertar.
SEDE TARDIA IV
Mas nessa noite só pude me lembrar
das madrepérolas que vi no teu olhar,
do coral suave de teus lábios doces,
desse perfume de teu respirar...
E de repente, senti como se fosses
o alvo único de todas as posses,
tenebrosa inquietação a me intrigar
desse sorriso de alma em que me endosses,
nessa sede que só veio no rebote,
depois de se perder toda a ocasião,
sem sequer acariciar o teu decote.
E nessa noite, terás pensado em mim?
seria possível que qualquer perturbação
te sugerisse vir rever-me enfim...?
ASTILBES
FARFALHANTES I (2007?)
(Quartetos intercalados com
hemistíquios)
Castro Alves, onde
estás que não respondes?
Em que imundo
purgatório tu te escondes,
Embuçado no astral?
Faz quatro dias te
mandei meu grito,
teu coração a
psicografar aflito...
Onde estás, mortal?
Eu não sei como se
chamam estes versos
de ritmos
estranhos, tão dispersos,
Cortados, afinal.
Mas eu quero ao mesmo
ritmo escrever,
nestes versos que
só parecem pertencer
ao teu caudal.
Assim, aguardo a
escuta de tua voz,
desenrolada através
de obscuros nós,
espumas do inconsciente.
E então te empresto
a força de meus dedos,
para que contes a
mim os teus segredos,
que sou paciente.
Há quatro dias
surgiu-me tal ideia:
não busco ter
aplauso da plateia,
tão
somente redigir
os poemas que
deixaste de escrever,
pelo final
prematuro do viver,
sem te afligir.
ASTILBES
FARFALHANTES II
Então me abro a
escutar a orientação
que vem de ti e
autorizo a intervenção
do
tempo antigo.
Nem sei o que
esperar, que redação
escorrerá pelos
ossos desta mão,
poeta
amigo...
Eu não desejo te
impor a minha temática,
nem escutar somente
a voz enfática
de
teu passado,
mas sempre foste
para mim poeta ideal
e deste modo me
parece natural
ver-me
a teu lado.
Eu nunca fui capaz
dessa magia
com que te abrias à
plena fantasia
de
um camarote:
criar sonetos num
instante de improviso,
as palavras
escorrendo contra o piso
de
alheio mote.
Talvez no fundo não
passe de uma lenda
propalada há
gerações como legenda:
mentira
até,
de que morresses
assim em consequência,
por não saber curar
então a ciência
tiro
no pé!...
ASTILBES FARFALHANTES
III
Mas gostaria de
segurar as tuas espumas
embaralhadas com
minhas próprias brumas,
entre
meus dedos,
para criar mais
poemas de elegia,
misturados aos
devaneios da Bahia
de
teus segredos!
Repara bem, poeta
condoreiro,
sou tão só teu
seguidor, não sou parceiro
de
teu talento,
mas acredito poder
ouvir tua voz
e repeti-la em
canto mais feroz,
lançado
ao vento.
Soubeste ser poeta
dos escravos,
enfrentar a
sociedade em versos bravos
de
independência,
enquanto eu vejo a
nova escravidão
desse povo que
recebe em circo e pão
condescendência.
E não é isso que
desejo para o povo,
queria que lhe
dessem em renovo
trabalho
e emprego,
e não ficassem
distribuindo bolsa-esmola,
na hipocrisia com
que aos pobres se enrola,
breve
sossego.
ASTILBES FARFALHANTES IV --
25 jan 2021
Depois afirmam que
a renda popular
pode crescer sem a
gente trabalhar,
que
brincadeira!
Essa chamada
distribuição de renda,
não é mais que
aplicação de falsa agenda
interesseira!...
Mas o povo
ignorante é facilmente
enredado com
precisão frequente
pelo
governo;
gastam depressa
esse curto benefício
e favorecem o
contínuo malefício
de
um rei eterno!
Que esse governo
não se importa com o povo,
apenas busca
ganhar mandato novo:
milhões
de votos!
Enquanto quem
trabalha e o sustenta
somente se
desgasta e se apresenta
em
trajes rotos!...
Porque ainda
lucram bancos e industriais,
suas fortunas só
cresceram muito mais,
por
grande sorte,
enquanto a classe
média é explorada
e a população mais
pobre engazopada
no
mesmo porte.
ASTILBES
FARFALHANTES V
Contudo, se do céu
Deus me escutasse,
não pediria que
sequer modificasse
nosso
governo;
o que me interessa
realmente é arte,
que puramente pela
arte me reparte
seu
sonho terno...
E é nesses
termos que tua ajuda aceito
para escrever poemas sem defeito,
como
um condor,
da mesma forma que
sempre tu fizeste
e que em meu
coração sempre estiveste,
por
meu pendor.
Decorei muitos
poemas que escreveste,
na adolescência os
teus ideais me deste,
meu
velho amigo,
mas até hoje não tive
esta ousadia
de enfrentar teu
estro de elegia,
sou
teu mendigo!
Mas agora eu
escuto teu sussurro
enquanto escrevo
meu próprio tom escuro
durante
a noite;
nalguns momentos
até mesmo me parece
que teu espírito
de boa-vontade me agradece
em
manso afoite...
ASTILBES
FARFALHANTES VI
Penso em mim mesmo
como mil fantasmas
a tropeçar uns nos
outros, em miasmas,
sobre
o concreto:
os que fui, o que
sou hoje, os de amanhã,
reunidos todos em
celebração malsã:
cantar
de inseto.
Vejo os fantasmas
de mim a se empurrarem,
buscando algum
lugar, a acotovelarem
os
dias de hoje,
em sua ânsia de
surgir ou retornar,
espectros são de
mim em tal ansiar
que
me despoje.
Esses que vêm das
névoas do passado,
essas frotas que
se ancoram lado a lado,
em
sonhos crus,
fantasmas vivos em
morte prematura,
nessa existência
que apenas dias dura,
duendes
nus.
Esses que surgem
provindos dos futuros,
diáfanos mentores,
sons impuros,
mal
coalescem,
mas se apertam
contra mim sem esperança;
buscando as
brechas que a malícia alcança
sobre
mim descem...
ASTILBES FARFALHANTES VII – 26 jan 2021
Ainda outros são fantasmas do passado,
mas não do meu, são vizinhos a meu lado,
querendo entrada,
somente alguns momentos a buscar
para sua vida de antanho regozar
já abandonada.
São estes que eu encontro nas calçadas,
almas despidas, mal amortalhadas,
pedindo esmolas
e há muitos que os acolhem sem pensar,
outros que os tomam sem pestanejar,
em suas escolas.
Mas eu os olho e examino brevemente
seu mundo gris em escala onipresente,
nenhuma pessoa...
apenas crivos restando de sua alma,
subjugada pela morte em plena calma,
que a lida escoa...
Mas ainda vivem em luz crepuscular,
penadas almas do albor dilucular,
em falsa vida
e a quantos passam ficam a abordar,
em cada esquina sempre a mendigar
qualquer guarida...
ASTILBES FARFALHANTES VIII
Existem outros fogos-fátuos diferentes,
almas de dias que passaram complacentes,
que mal sabem de si,
mas também rondam as calçadas como brumas
e se amontoam em imperfeitas rumas,
que só eu vi.
Esses fantasmas de dias são modestos,
são empurrados sem quaisquer protestos,
bem pouco sabem,
que apenas transmitiram luz do sol,
até o crepúsculo, desde o arrebol
até que acabem.
Os espectros da noite mais cruéis,
são os que mais espantam os fiéis
supersticiosos;
mas não são monstros tão só da escuridão,
trazem em si os vestígios da paixão
dos amorosos...
E também buscam retornar, somente,
durante um tempo que não seja indiferente,
poeira secreta,
querem voltar a ser horas que escorrem,
enquanto as horas noturnas então decorrem
por sua ampulheta.
ASTILBES FARFALHANTES IX
Existem ainda fantasmas de animais,
os vultos de cavalos, naturais,
que se findaram,
os espectros dos burros que desgastaram
até a carga final e trabalharam
sem se queixar...
Há os fantasmas também de cães e gatos,
que se aninharam junto a teus sapatos,
sem revoltar-se,
indiferentes uns, outros fiéis,
mas que forjaram com tua alma anéis,
sem desgastar-se...
Existe ainda a multidão das vacas,
ou fantasmas de ovelhas, de que sacas
teu alimento,
fumaça velha de múltiplos churrascos,
o mocotó fervido de seus cascos,
qual sacramento.
E a revoada dos antigos galinheiros,
dos ovos goros, de todos os poleiros,
perus e patos,
que devoraste tu com teus parentes,
sem resistência qualquer dos impotentes,
seres pacatos...
ASTILBES FARFALHANTES
X – 27 jan 21
Outros fantasmas há
que são das flores,
que encheram mil
jardins de resplendores
a
troco de água,
teus olhos renutrindo
de beleza,
tranquilidade e paz...
e com certeza,
pingos
de mágoa.
Afinal, flores são
despudoradas,
suas partes sexuais
sendo exploradas
em
lenocínio
e quem as corta para
expor em vaso
não é inocente e busca
em breve prazo
seu
assassínio.
Os seus fantasmas têm
fim bastante claro:
muitas flores se
destinam, fim amaro!
às
sepulturas!
Ali adornam catacumbas
e carneiras,
em que as depões, como
ofertas lisonjeiras,
pretensas
curas,
para o remorso que
tens de tua vivência,
essa inquietude pela
sobrevivência
de
quem amamos,
talvez saudade, talvez
apenas medo
pelo temor de que
saibam o segredo
de
que também odiamos...
ASTILBES FARFALHANTES
XI
Contudo, eu filtro os
fantasmas que permito
gozar um pouco de meu
vigor bendito,
enquanto
eu vivo;
não os recebo por
qualquer misericórdia,
menos por pena, tampouco
por concórida,
sou
incisivo.
Em minha alma admito
só os poetas,
os artistas e
escritores com secretas
e
insatisfeitas ambições,
tomo os santelmos que
ainda sofrem tanto
e os recolho nas
dobras de meu manto
por
mil razões.
Porque acredito que
ainda têm o que dizer,
porque acredito essa a
função que quero ter:
cantar
magia;
e sei que o imenso
veio de canções
nunca brotam tão só
das emoções
de
minha fantasia.
Assim escuto as vozes
dos amigos
e dou ouvidos também a
inimigos
a
quem respeite,
quando poemas têm
igual a partilhar,
a cujas vozes concedo
outro ressoar,
dentro
em meu peito.
ASTILBES FARFALHANTES
XII
Assim me julgo o
porta-voz dos mortos,
já proclamei seus
grandes desconfortos,
que a
vida eterna,
de uma forma ou de
outra assim existe,
mesmo que apenas em
escutar consiste,
na
mente terna.
Se a morte é meu
final, pouco me importa,
nenhum encontro com
ela a vida aporta
e
nunca gemo,
que enquanto vivo eu
for, nao chegará,
quando chegar, já não
me encontrará,
pois
não a temo.
Mas enquanto aqui
estiver, sou compassivo,
recebo os mortos no
coração ativo,
para
que escrevam
o quanto pela vida não
puderam
ou por qualquer motivo
não quiseram,
que
em mim se atrevam!
E tu, ó meu amigo
desde a infância,
cujas obras decorei na
adolescência,
estás
comigo,
embora hoje apenas
nestes versos
eu tenha ousado teus
metros reconversos,
poeta
amigo!
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