quinta-feira, 4 de março de 2021


 

 

SEDE TARDIA I – 24 JAN 2021

 

Em minha ambição tola, até aguardei

que me viesses procurar um dia;

à tua procura eu ir  não me atrevia,

que ainda não sei o quanto te direi,

pois esta fome de ti que experimentei

foi uma sede de amor branda e sadia,

mas que em minhalma apenas pressentia:

ficarei calmo e apenas te ouvirei.

 

Pois nada sei de ti, só sei que és bela,

que teu sorriso me tranca na garganta,

que perco a expiração só de te olhar.

 

Nem saberei dizer quanto é singela

essa emoção que no peito me descanta,

sem que saibas jamais de meu cantar.

 

SEDE TARDIA II

 

Por pouco tempo somente conversamos,

na vernissage de quaisquer pinturas,

nossa palestra sendo das mais puras,

nada de amor ao menos mencionamos;

esperavas talvez os meus reclamos,

que a iniciativa no geral procuras

de qualquer homem, por mais que sejam duras

as condições para possíveis planos.

 

E eu realmente apenas te entrevia,

Interrompidos por outras pessoas,

pelo olhar calculista dessas damas,

 

 suspeita tola, já que nada havia,

senão a troca das frases mais atoas,

nessas amigas falsas que nem amas.

 

SEDE TARDIA III

 

Tomamos vinho ruim e salgadinhos

que pareciam talvez cacarejar,

de nenhum frango me quero alimentar,

por carne alguma tenho meus carinhos;

e derramei até pingos pequeninhos,

mesmo que vinho não possa me afetar,

o que me perturbou foi teu olhar,

ao derredor olhares mais mesquinhos.

 

E já no fim, na hora de partir,

bem de repente, surdiu em mim anseio

que nem ao menos consegui manifestar.

 

Então te foste, para não mais vir,

e eu me fui, sem nem beijar teu seio

e apenas tua mão pude apertar.

 

SEDE TARDIA IV

 

Mas nessa noite só pude me lembrar

das madrepérolas que vi no teu olhar,

do coral suave de teus lábios doces,

desse perfume de teu respirar...

E de repente, senti como se fosses

o alvo único de todas as posses,

tenebrosa inquietação a me intrigar

desse sorriso de alma em que me endosses,

 

nessa sede que só veio no rebote,

depois de se perder toda a ocasião,

sem sequer acariciar o teu decote.

 

E nessa noite, terás pensado em mim?

seria possível que qualquer perturbação

te sugerisse vir rever-me enfim...?


A MODELO DA ILUSTRAÇÃO IDENTIFICADA COMO 

ANANSA TORONADZE 

ASTILBES FARFALHANTES I (2007?)

(Quartetos intercalados com hemistíquios)

 

Castro Alves, onde estás que não respondes?

Em que imundo purgatório tu te escondes,

            Embuçado no astral?

Faz quatro dias te mandei meu grito,

teu coração a psicografar  aflito...

            Onde estás, mortal?

 

Eu não sei como se chamam estes versos

de ritmos estranhos, tão dispersos,

            Cortados, afinal.

Mas eu quero ao mesmo ritmo escrever,

nestes versos que só parecem pertencer

            ao teu caudal.

 

Assim, aguardo a escuta de tua voz,

desenrolada através de obscuros nós,

            espumas do inconsciente.

E então te empresto a força de meus dedos,

para que contes a mim os teus segredos,

            que sou paciente.

 

Há quatro dias surgiu-me tal ideia:

não busco ter aplauso da plateia,

            tão somente redigir

os poemas que deixaste de escrever,

pelo final prematuro do viver,

            sem te afligir.

 

ASTILBES FARFALHANTES II

 

Então me abro a escutar a orientação

que vem de ti e autorizo a intervenção

do tempo antigo.

Nem sei o que esperar, que redação

escorrerá pelos ossos desta mão,

poeta amigo...

 

Eu não desejo te impor a minha temática,

nem escutar somente a voz enfática

de teu passado,

mas sempre foste para mim poeta ideal

e deste modo me parece natural

ver-me a teu lado.

 

Eu nunca fui capaz dessa magia

com que te abrias à plena fantasia

de um camarote:

criar sonetos num instante de improviso,

as palavras escorrendo contra o piso

de alheio mote.

 

Talvez no fundo não passe de uma lenda

propalada há gerações como legenda:

mentira até,

de que morresses assim em consequência,

por não saber curar então a ciência

tiro no pé!...

 

ASTILBES FARFALHANTES III

 

Mas gostaria de segurar as tuas espumas

embaralhadas com minhas próprias brumas,

entre meus dedos,

para criar mais poemas de elegia,

misturados aos devaneios da Bahia

de teus segredos!

 

Repara bem, poeta condoreiro,

sou tão só teu seguidor, não sou parceiro

de teu talento,

mas acredito poder ouvir tua voz

e repeti-la em canto mais feroz,

lançado ao vento.

 

Soubeste ser poeta dos escravos,

enfrentar a sociedade em versos bravos

de independência,

enquanto eu vejo a nova escravidão

desse povo que recebe em circo e pão

condescendência.

 

E não é isso que desejo para o povo,

queria que lhe dessem em renovo

trabalho e emprego,

e não ficassem distribuindo bolsa-esmola,

na hipocrisia com que aos pobres se enrola,

breve sossego.

 

ASTILBES FARFALHANTES  IV  -- 25 jan  2021

 

Depois afirmam que a renda popular

pode crescer sem a gente trabalhar,

que brincadeira!

Essa chamada distribuição de renda,

não é mais que aplicação de falsa agenda

interesseira!...

 

Mas o povo ignorante é facilmente

enredado com precisão frequente

pelo governo;

gastam depressa esse curto benefício

e favorecem o contínuo malefício

de um rei eterno!

 

Que esse governo não se importa com o povo,

apenas busca ganhar mandato novo:

milhões de votos!

Enquanto quem trabalha e o sustenta

somente se desgasta e se apresenta

em trajes rotos!...

 

Porque ainda lucram bancos e industriais,

suas fortunas só cresceram muito mais,

por grande sorte,

enquanto a classe média é explorada

e a população mais pobre engazopada

no mesmo porte.

 

ASTILBES FARFALHANTES V

 

Contudo, se do céu Deus me escutasse,

não pediria que sequer modificasse

nosso governo;

o que me interessa realmente é arte,

que puramente pela arte me reparte

seu sonho terno...

 

E é nesses termos  que tua ajuda aceito

para escrever  poemas sem defeito,

como um condor,

da mesma forma que sempre tu fizeste

e que em meu coração sempre estiveste,

por meu pendor.

 

Decorei muitos poemas que escreveste,

na adolescência os teus ideais me deste,

meu velho amigo,

mas até hoje não tive esta ousadia

de enfrentar teu estro de elegia,

sou teu mendigo!

 

Mas agora eu escuto teu sussurro

enquanto escrevo meu próprio tom escuro

durante a noite;

nalguns momentos até mesmo me parece

que teu espírito de boa-vontade me agradece

em manso afoite...

 

ASTILBES FARFALHANTES VI

 

Penso em mim mesmo como mil fantasmas

a tropeçar uns nos outros, em miasmas,

sobre o concreto:

os que fui, o que sou hoje, os de amanhã,

reunidos todos em celebração malsã:

cantar de inseto.

 

Vejo os fantasmas de mim a se empurrarem,

buscando algum lugar, a acotovelarem

os dias de hoje,

em sua ânsia de surgir ou retornar,

espectros são de mim em tal ansiar

que me despoje.

 

Esses que vêm das névoas do passado,

essas frotas que se ancoram lado a lado,

em sonhos crus,

fantasmas vivos em morte prematura,

nessa existência que apenas dias dura,

duendes nus.

 

Esses que surgem provindos dos futuros,

diáfanos mentores, sons impuros,

mal coalescem,

mas se apertam contra mim sem esperança;

buscando as brechas que a malícia alcança

sobre mim descem...

 

ASTILBES FARFALHANTES VII – 26 jan 2021

 

Ainda outros são fantasmas do passado,

mas não do meu, são vizinhos a meu lado,

querendo entrada,

somente alguns momentos a buscar

para sua vida de antanho regozar

já abandonada.

 

São estes que eu encontro nas calçadas,

almas despidas, mal amortalhadas,

pedindo esmolas

e há muitos que os acolhem sem pensar,

outros que os tomam sem pestanejar,

em suas escolas.

 

Mas eu os olho e examino brevemente

seu mundo gris em escala onipresente,

nenhuma pessoa...

apenas crivos restando de sua alma,

subjugada pela morte em plena calma,

que a lida escoa...

 

Mas ainda vivem em luz crepuscular,

penadas almas do albor dilucular,

em falsa vida

e a quantos passam ficam a abordar,

em cada esquina sempre a mendigar

qualquer guarida...

 

ASTILBES FARFALHANTES VIII

 

Existem outros fogos-fátuos diferentes,

almas de dias que passaram complacentes,

que mal sabem de si,

mas também rondam as calçadas como brumas

e se amontoam em imperfeitas rumas,

que só eu vi.

 

Esses fantasmas de dias são modestos,

são empurrados sem quaisquer protestos,

bem pouco sabem,

que apenas transmitiram luz do sol,

até o crepúsculo, desde o arrebol

até que acabem.

 

Os espectros da noite mais cruéis,

são os que mais espantam os fiéis

supersticiosos;

mas não são monstros tão só da escuridão,

trazem em si os vestígios da paixão

dos amorosos...

 

E também buscam retornar, somente,

durante um tempo que não seja indiferente,

poeira secreta,

querem voltar a ser horas que escorrem,

enquanto as horas noturnas então decorrem

por sua ampulheta.

 

ASTILBES FARFALHANTES  IX

 

Existem ainda fantasmas de animais,

os vultos de cavalos, naturais,

que se findaram,

os espectros dos burros que desgastaram

até a carga final e trabalharam

sem se queixar...

 

Há os fantasmas também de cães e gatos,

que se aninharam junto a teus sapatos,

sem revoltar-se,

indiferentes uns, outros fiéis,

mas que forjaram com tua alma anéis,

sem desgastar-se...

 

Existe ainda a multidão das vacas,

ou fantasmas de ovelhas, de que sacas

teu alimento,

fumaça velha de múltiplos churrascos,

o mocotó fervido de seus cascos,

qual sacramento.

 

E a revoada dos antigos galinheiros,

dos ovos goros, de todos os poleiros,

perus e patos,

que devoraste tu com teus parentes,

sem resistência qualquer dos impotentes,

seres pacatos...

 

ASTILBES FARFALHANTES X – 27 jan 21

 

Outros fantasmas há que são das flores,

que encheram mil jardins de resplendores

a troco de água,

teus olhos renutrindo de beleza,

tranquilidade e paz... e com certeza,

pingos de mágoa.

 

Afinal, flores são despudoradas,

suas partes sexuais sendo exploradas

em lenocínio

e quem as corta para expor em vaso

não é inocente e busca em breve prazo

seu assassínio.

 

Os seus fantasmas têm fim bastante claro:

muitas flores se destinam, fim amaro!

às sepulturas!

Ali adornam catacumbas e carneiras,

em que as depões, como ofertas lisonjeiras,

pretensas curas,

 

para o remorso que tens de tua vivência,

essa inquietude pela sobrevivência

de quem amamos,

talvez saudade, talvez apenas medo

pelo temor de que saibam o segredo

de que também odiamos...

 

ASTILBES FARFALHANTES XI

 

Contudo, eu filtro os fantasmas que permito

gozar um pouco de meu vigor bendito,

enquanto eu vivo;

não os recebo por qualquer misericórdia,

menos por pena, tampouco por concórida,

sou incisivo.

 

Em minha alma admito só os poetas,

os artistas e escritores com secretas

e insatisfeitas ambições,

tomo os santelmos que ainda sofrem tanto

e os recolho nas dobras de meu manto

por mil razões.

 

Porque acredito que ainda têm o que dizer,

porque acredito essa a função que quero ter:

cantar magia;

e sei que o imenso veio de canções

nunca brotam tão só das emoções

de minha fantasia.

 

Assim escuto as vozes dos amigos

e dou ouvidos também a inimigos

a quem respeite,

quando poemas têm igual a partilhar,

a cujas vozes concedo outro ressoar,

dentro em meu peito.

 

ASTILBES FARFALHANTES XII

 

Assim me julgo o porta-voz dos mortos,

já proclamei seus grandes desconfortos,

que a vida eterna,

de uma forma ou de outra assim existe,

mesmo que apenas em escutar consiste,

na mente terna.

 

Se a morte é meu final, pouco me importa,

nenhum encontro com ela a vida aporta

e nunca gemo,

que enquanto vivo eu for, nao chegará,

quando chegar, já não me encontrará,

pois não a temo.

 

Mas enquanto aqui estiver, sou compassivo,

recebo os mortos no coração ativo,

para que escrevam

o quanto pela vida não puderam

ou por qualquer motivo não quiseram,

que em mim se atrevam!

 

E tu, ó meu amigo desde a infância,

cujas obras decorei na adolescência,

estás comigo,

embora hoje apenas nestes versos

eu tenha ousado teus metros reconversos,

poeta amigo!

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário