PESO
E CONTRAPESO I -- 8 JAN 21
Nesses
versos anteriores mencionei
A
possível explicação para o milagre:
Tudo
foi feito que Deus a nós consagre,
Sem
nenhuma de Suas leis a quebrantar;
E
se suplicas para que algo vá mudar
E
nessa petição teu Deus te flagre
E
então tua prece a seguir ressagre,
De
um outro plano a deverá tirar!...
Pois
nesse plano existe outro de ti,
Em
um detalhe somente a divergir
E
caso o Senhor teu pedido permitir,
Buscou-0
no alter-ego e o tirou dali,
O
que pediste, então, te será dado,
Porém
do outro terá sido retirado...
PESO
E CONTRAPESO II
Sempre
é possível imaginar, no entanto,
Que
um alter-ego tenha mesmo suplicado
Justamente
pelo que tu tens desprezado
E
a troca seja feita de canto para canto,
Os
duplos em proteção do mesmo manto,
Cada
qual ganha o que havia esperado,
Nenhum
dos sendo a seguir desapontado,
Ambos
ganhando o mesmo beijo santo.
As
circunstâncias são bastante semelhantes
De
lado a lado para não causar espanto
Essa
mudança para um mundo paralelo,
Assim
aquilo que te incomodava dantes
Passa
a incomodá-lo, mas tomarás o pranto
Do
que ao outro perturbava, pelo mesmo elo!
PESO
E CONTRAPESO III
Mas
é preciso, no entanto, recordar,
Coisa
difícil para muita gente,
Estar
fora do tempo o Deus clemente,
Pois
no plano infinito é o Seu lugar;
E
desse modo, te poderá observar
De
modo simultâneo e surpreendente,
Do
nascimento à morte e no corrente
Momento
de tua vida te enxergar!...
Como
um piloto de avião, que a estrada
Vê
do começo ao fim e todo o meio,
Sem
que para Ele haja antes ou depois;
E
se tal troca destarte foi realizada,
Foi
desde sempre e podes, sem receio
Imaginar
o melhor feito para os dois!
PESO
E CONTRAPESO IV
Porque
feito já estava eternamente:
Já
bem sabia o que irias suplicar,
Bem
conhecia por que o outro iria rezar,
Tudo
já visto e realizado permanente,
Mas
não se trata de um destino onipresente,
As
circunstâncias se poderiam mudar
Consoante
as escolhas que vás realizar,
Que
há mil caminhos abertos, realmente!
Do
livre arbítrio porém, já está ciente,
Porque
não há depois e não há antes
No
infinito em que rege o divinal;
Mas
tu não sabes! Então, age consciente
E
é preferível que louvores cantes,
Que
Lhe pedir qualquer bênção material!
GÁRGULAS I (2008)
Nasci com o dom da espera dolorosa,
mencionado por Andersen, que leva,
através de longas marchas pela treva
até a consecução da busca airosa.
Não significa não possuir vida ditosa,
mas uma longa jornada, que nos ceva
de trabalho, mas demonstra-se longeva:
a espera é grande pela bênção dadivosa.
Distante o pote fica ao fim do arco-íris:
precisamos andar muito até alcançá-lo,
mas no horizonte, é certo que reluz...
Eu só espero que no fim de meus pedires,
por recompensa, não receba o dote ralo
de um "fragmento da verdadeira cruz"!...
GÁRGULAS II (20/1/2009)
Amor é coisa séria. Já se fala
a seu respeito desde a Antiguidade.
"Roma me tem amor", é bem verdade,
que nossa história repete e jamais cala.
Todavia, isso de amor, em tal escala,
é coisa de europeus, na realidade.
Os demais povos pensam, sem maldade,
que amor é bênção tal que pode dá-la
somente a divindade: amor a Deus,
amor às artes, amor pela ciência,
amor de mãe ou mesmo amor de irmão.
Mas os dotes de Cupido, cujos véus
lhe cobrem a visão, sem complacência,
não passam de um lampejo de ilusão...
GÁRGULAS III
Chega o calor e os deuses careteiam
felizes, sobre mim, inafetados
por essa densidão, bem-humorados
(e sobre a Terra os bosques se incendeiam).
Outros que a vida no calor semeiam
são os insetos, no verão multiplicados,
as larvas brotam de ossos mil, largados
ao deus-dará e os campos se recheiam...
Deuses e insetos... Ficamos nós no meio,
pobres-diabos sem direito a inferno,
ansiando pela brisa, quais sandeus...
São os insetos alimento e esteio
para as aves retornadas de outro inverno;
e o Sol dá o bote, feito um louva-a-deus!
GÁRGULAS IV – 9 jan 2021
Nada queria, afinal. Só preservar-me,
para manter a longa verborreia
de meus versos estultos, melopeia,
que sem lira, para mim, irei cantar-me.
Que sejam versos bons, vou enganar-me;
meus amigos dirão, gentil plateia,
que apreciaram essa medíocre odisseia
e seguirei a mandar-lhos, sem alarme.
Mas de que servem tais versos, senão lumes
ajudar a acender...? Quem eu mais queria
que os apreciasse, nem ao menos lê...
Ficam perdidos, mortos vagalumes,
cuja pilha acabou... Só a fada espia
na mente triste de quem tudo vê.
GÁRGULAS V
Pela calha de minha vida algo escorreu:
algum trabalho, não mais do que podia,
alguns amores, não mais do que eu queria;
água servida depois por mim desceu...
Sempre aceitei a posição que Deus me deu
da catedral no alto, de onde via
o bem e o
mal, quanto nas ruas escorria;
havia ar puro
nesse espaço que foi meu.
Talvez seria melhor me misturasse,
a partilhar do odor da humanidade,
toda a tristeza, mas também toda a bondade
e à torre de marfim então voltasse,
podendo os canos melhor desobstruir,
o meu terraço deixando a reluzir...
GÁRGULAS VI
Eram as gárgulas pouco mais que calhas,
sobre os cantos esguios de catedrais,
toda a água a recolher dos chuvarais,
para lançá-la às calçadas sem mais falhas.
Ou algerosas a captar suas malhas,
quando os terraços se enchiam por demais,
lançando às ruas as nuvens siderais,
sem de Caná tentar encher as talhas,
para que fossem em vinho transformadas...
com certa sorte, encher algibe vai,
como reserva para a aridez do estio,
sólidas fauces de monstro escancaradas,
alguma parte das quais às vezes cai,
quando em torrente se transforma o fio!
GÁRGULAS VII – 10 jan 2021
Bem singular essa expressão, “derrame”,
puro efeito de figura de linguagem,
que a gente emprega sem notar bobagem:
corte de galhos é o sentido que proclame!
Durante a poda em montoeira então se trame,
antes de ser recolhida essa galhagem,
guardada para o fogo em uma garagem
ou num galpão, antes que o fogo a clame,
junto a animais recolhida nos celeiros...
Mas a água escorre em queda vertical,
não se “derrama” ao redor, salvo em repuxo
e logo secam tais respingos sorrateiros,
ficando as poças então na horizontal,
ou descendo coleando em novo fluxo...
GÁRGULAS VIII
Popularizou as gárgulas o Quasimodo,
descrito em francês por Victor Hugo,
de uma corcunda submetido ao jugo,
na Notre-Dame sobrevivendo de algum modo.
Sem ter amigos, estabeleceu seu nodo
com as estátuas de granito, em amor rudo,
sem a resposta da boca de um ser mudo,
salvo em vômitos de água como engodo.
À sua maneira, tais gárgulas esguias
menos disformes que o pobre sacristão,
perfeitamente servindo à sua função,
enquanto ao homem produziram zombarias
da Natureza, quando em si proclama
o direito de troçar da forma humana!...
GÁRGULAS IX
Conosco ocorre formato semelhante,
a Natureza do exterior boa escultora,
mas do humano interior vil zombadora:
quanta loucura em gargular desplante!
Quanto rancor e mágoa nos implante,
que no corpo e na face não demora!
Só após décadas, quiçá, o nosso outrora
Se manifesta em qualquer ruga constante.
Mas em geral, é do Sol o resultado
ou então do vento que resseca a pele
e não do bem ou mal no coração;
há face lisa de um peito atribulado,
face marcada que feia se congele
de alguém que só demonstre compaixão!
GÁRGULAS X – 11 jan 2021
Há quasimodos e gárgulas nas ruas,
poucos capazes de demonstrar amor,
corrompidos no geral por algum rancor,
que os corações perfura como gruas!
Nem sempre a inteligência em faces nuas
se manifesta, lembra mais santo de andor,
com o rosto indiferente ou a provocar temor,
talvez seus olhos reluzam como puas!
Helmholtz tinha o corpo deformado,
na alfândega quase não teve permissão
para ingressar nos Estados Unidos,
como cientista a ser depois saudado,
pela sua mente tão só a admiração,
por seu aspecto desprezos incontidos!
GÁRGULAS XI
As aparências enganam a nós mesmos,
nesse desgosto da imagem especular,
sempre um defeito ali vamos achar
e sem cautela, o mencionamos esmos.
A nossos olhos,
elaboramos termos
como critérios para alguém nos aceitar
e ditos termos nos vêm atormentar,
provocando para nós mil dias ermos...
Não são os deuses que gárgulas nos tornam,
mas o nosso próprio olhar envergonhado,
que de algum modo, é por outrem captado,
cujas más emoções mais nos deformam,
talvez mesmo por quasimodos se sentirem,
qualquer beleza ou qualidade a ressentirem.
GÁRGULAS XII
E retornando à calha, ainda espero
ter os meus dias maus, outros melhores,
iguais doses de prazer e dissabores,
igual que todos, nem um dez, nem zero...
mas por velhos defeitos não me altero:
gárgula fui, porém não das piores:
água dos versos, dentro em mim escorres,
de mim lavando o Quasimodo fero!...
E assim és tu, não te canses da jornada,
no fim do arco-íris não se encontra nada,
mas há pomares ao longo do caminho.
Se foste gárgula, já cumpriste o teu jornal,
sem permitir inundar-se a catedral
e as tempestades transformaste em vinho...
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