DESCARTE I –
27 mar 2021
Eu nem devia sequer mandar mais
versos:
amor se foi inteiro, só me resta a
nostalgia,
integumentos de sangue, capilares de
poesia
vilosidades dos gânglios, tumores
reconversos,
meus pensamentos neurais em redes mil
dispersos
a brotar do paladar, que o olhar não
desconfia,
estão mudos meus ouvidos, abstinência
fria,
longos anos de plantio em metáforas
conversos.
Ainda assim eu temo que minhas mágoas
interpretes
quais pedidos desse amor que o
coração deseja,
não saem gritos de paixão da boca
costurada;
nem sequer te conheço, meus versos em
confetes
são hemácias de meu sangue em harpa
cadenciada
enquanto minha saliva tão só o
teclado beija.
DESCARTE II
Per aspera ad astra, nos quer velho
ditado,
em verso tão antigo, por Romanos
consagrado
já há vários milênios, que enfim foi
abraçado
pelos pais fundadores de escola
militar;
pela aspereza sempre podemos alcançar
as máximas alturas, estando lado a
lado
com os mais bravos e fortes, assim
escalonado
o abismo do estelar em sendeiro
descartado.
Contudo, embora tendo também minhas
incertezas,
eu prossegui em frente, na ardência
suspirando,
mas em cada precipício eu sei que fui
deixando
parte integrante e bem real de minhas
certezas,
na construção das pontes contra o
olvido,
até que o resto final de mim tenha
perdido.
DESCARTE III
Sempre é possível recobrar um
fragmento
e nele achar alguns versos
escondidos,
embora ungidos por um forte
linimento,
para azeitar o molinete dos vencidos,
rodando as carretilhas em algum
padecimento,
para puxar a mim mesmo, em gestos
comedidos,
para fora dos poços de incerto
julgamento,
as metáforas tomando de sonhos já
perdidos.
Ao emergir do poço, estou no Mar
Oceano,
longe das Ilhas dos Bem-Aventurados,
em que um dia aportara São Brandão;
mas a vaga não escorre para o
turbilhão,
ela me leva ao tabuleiro dos tornados
e ali restaura o que sobrou da
inspiração.
DESCARTE IV
Houve tempo que escrevia as linhas
percutidas
em qualquer lugar em que estivesse de
passagem,
qualquer reflexo a projetar nova
miragem,
qualquer momento de minhas penas
repetidas,
até trazia comigo, amarfanhadas e sem
vidas,
umas adagas de papel para escalpelar
paisagem,
as unhas me serviam e cozinhava a
beberagem
na hemoptise de ideias que dançavam
incontidas.
Guardei tantos milhares de cigarras
malferidas
no fundo de algibeiras, esperando
aceitação,
pirilâmpicos pendores, sem qualquer
destino certo
e só as recobro agora, sem canto,
ressequidas,
na diálise do papel, nenhum dom do
coração,
sangria de minha alma, a fluir do
peito aberto.
Boa tarde. Li no e mail e relo aqui. Sonetos muito belos e sentidos. Parabéns
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